A mulher e a violência patrimonial
A Lei Maria da Penha não criou novos tipos penais, mas assegurou, no âmbito do processo penal, um tratamento diferenciado e protetivo da mulher.
quarta-feira, 7 de outubro de 2020
Atualizado às 08:01
Em diferentes partes do mundo a violência contra as mulheres tem aumentado em razão do isolamento social devido à pandemia covid-19. Segundo o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, o nível de violência contra a mulher cresceu quase 40% em relação ao mesmo mês de 2019. Entre março e abril deste ano, o feminicídio cresceu 22,2% em doze estados brasileiros, conforme dados fornecidos pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública a pedido do Banco Mundial. Entretanto, é fundamental ressaltar que existem muitos outros tipos de violência contra a mulher.
A Lei Maria da Penha (lei 11.340/06) especifica as diversas formas de violência doméstica e familiar contra a mulher. Ela não se expressa apenas pela violência física, moral, psicológica e sexual, mas também pela violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total dos objetos da vítima, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades. Essa forma de violência ainda é pouco conhecida e poucos casos chegam ao poder judiciário.
A Lei Maria da Penha não criou novos tipos penais, mas assegurou, no âmbito do processo penal, um tratamento diferenciado e protetivo da mulher. Evidente que não é todo e qualquer furto contra a mulher, ainda que praticado por ex-cônjuge ou ex-companheiro, que irá caracterizar a violência patrimonial. É preciso que a subtração ocorra em situação de violência doméstica.
A lei ampliou o conceito de violência doméstica para abarcar certas condutas que antes eram excluídas dos tipos penais. A violência patrimonial está resumida em três condutas: subtrair, destruir e reter. Por vezes a subtração ocorre com finalidade de causar dor ou dissabor à mulher, pouco importando o valor dos bens subtraídos. São inúmeras as situações, inclusive é essencial que reconheçamos a complexidade, para romper o ciclo de violência patrimonial e evitar que o processo traga abalos financeiros irreversíveis no futuro dessas vítimas - que muitas vezes abrem mão de direitos por não terem condições emocionais mínimas para sustentar a demanda.
Podemos citar alguns exemplos: desqualificar a contribuição da vítima na construção do patrimônio do casal com o seu trabalho, mesmo sendo o doméstico; o ex-cônjuge abandonar emprego formal ou ocultar vencimentos para não pagar alimentos aos filhos e até mesmo atrasá-los injustificadamente; aquisição de bens em nome de terceiros para manipular a legislação e garantir a propriedade exclusiva; privar os recursos para a sobrevivência da vítima.
Destaca-se, no particular, o cancelamento do plano de saúde afeto à esposa, como forma de punir, constranger, colocando em risco a saúde e a própria vida. Se o cônjuge já estava divorciado, separado de direito ou separado de fato, se a união estável já estava dissolvida, deve ser feita a representação para instauração da persecução penal. Se houve emprego de violência ou grave ameaça, ou se a vítima for maior de 60 anos, a ação penal poderá ser instaurada independentemente de representação e ainda na constância do casamento ou da união estável.
Entretanto, é importante a vítima não se calar e acabar por fomentar esse tipo de violência com o silêncio. DENUNCIE. Ligue 180.
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*Cristiane de Pinho Vieira é advogada, integrante do escritório de Zamari e Marcondes Advogados Associados S/C e membra da Comissão dos Direitos Humanos da OAB/SP Subsecção de Santos.