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A realização das eleições municipais e o aperfeiçoamento da democracia e das instituições

A realização das eleições é um sinalizador de que Estado deve zelar pela manutenção das regras do jogo democrático para a garantia dos alicerces do Estado Democrático de Direito.

terça-feira, 6 de outubro de 2020

Atualizado às 14:25

Os esforços empreendidos pela justiça eleitoral com a finalidade de garantir a realização das eleições municipais de 2020, a despeito a situação de pandemia enfrentada em todo o país, reforçam o sentido fundamental de que, mesmo em situações adversas, o Estado deve zelar pela manutenção das regras do jogo democrático, numa atitude de eterna vigilância para a garantia dos alicerces do Estado Democrático de Direito.

Firmada como princípio fundamental da Constituição de 1988, a união dos entes federativos representa uma conquista da longa tradição de lutas por direitos, no sentido de mitigar a imposição do estado autoritário, conferindo ao povo a legitimidade de detentor exclusivo do poder, exercendo-o diretamente ou delegando aos seus representantes que, através de eleições diretas, são ungidos para o exercerem, daí não ser arbitrário a ideia de mandato.

Com efeito, a ascensão do modelo liberal, com a adoção do princípio republicano da separação de poderes consagra, a um só tempo, a ideia do público e do privado, bem como a distinção entre a soberania e o governo, sendo aquela, como se disse, pertencente aos cidadãos, de onde todo poder emana, consoante se observa do parágrafo único do primeiro artigo da Constituição Federal, reafirmando a consagrada fórmula de Cícero para quem "A res publica é a coisa do povo [...] que se associa uns aos outros por sua adesão a uma mesma lei e por uma certa comunidade de interesses". 

O governo, ao contrário, é o exercício de uma função pública outorgada por meio do voto, conferindo aos eleitos o direito para perseguirem, em nome do povo, o interesse e o bem da coletividade, sendo, portanto, dotados de uma série de atributos, prerrogativas e obrigações ligadas ao cargo, distinguindo, assim, o que é a instituição e o que é o exercício da atividade pública, evitando a mistura entre ambas para a preservação institucional e a não confusão com a pessoa física do governante.

Tão fundamental é a ordem democrática para o Estado de Direito, e com ela o voto direto, secreto, universal e periódico,  que, em meio a uma constituição rígida como a brasileira, a sua alteração encontra uma barreira intransponível, posto que inalterável por meio de emenda constitucional segundo se depreende do que dispõe o artigo 60, § 4ª da Constituição, regra consagrada como cláusula pétrea.

Bem delimitada a distinção entre quem exerce e quem detém o poder, remete-nos à constante e ininterrupta necessidade da observância quanto à tensão entre o desejo dos grandes de oprimir e comandar e o desejo do povo de não ser oprimido e comandado, conforme nos recordava a clássica lição de Maquiavel ao inaugurar o pensamento político moderno.

Neste sentido, aparentemente a alteração do calendário com o adiamento das eleições seria a medida mais adequada, dada a eventualidade inesperada que tomou a todos a assalto. Todavia, tão cara e fundamental à manutenção da ordem estatal, tanto que o constituinte quis lhe imprimir fundamento imutável, o respeito à periodicidade eleitoral ao mesmo tempo em que evita precedentes, impede o alargamento de mandatos, e a usurpação do poder dos representados, preservando a ordem institucional como princípio adequado para o aperfeiçoamento e manutenção da garantia do exercício da soberania popular.

Por certo será um esforço adicional, somado a tantos já realizados ao longo do ano, ter que ir às urnas votar em um cenário pouco propício à aglomeração. Todavia um esforço necessário para a preservação da liberdade democrática como direito fundamental que, junto com a vida, abrem o caput do artigo 5º da Constituição num somatório de direitos que só serão plenamente alcançados por  meio da preservação dos fundamentos da república e suas instituições, tendo em vista que, como recorda outro pensador da política moderna: a virtude necessária à Cidade é a segurança trazida pela boa qualidade das instituições e pelas leis. 

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CICERO, M. Túlio. Da República, Trad. Amador Cisneiros. São Paulo: Edipro, 2011.

ESPINOSA, B. Tratado Teológico-Político, trad. Diogo Pires Aurélio, 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008

MAQUIAVEL, N. O Príncipe, trad. Antonio D'Elia. São Paulo: Cultrix, 1976.

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 *Glauber Freire de Oliveira é advogado inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil - São Paulo, bacharel em Direito e em filosofia, membro da comissão de Direito Eleitoral da OAB/SP. Experiência com contencioso cível, sobretudo com direito agrário, regularização fundiária e ações possessórias.

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