LGPD e os dilemas das redes
O problema não está na tecnologia, mas sim no uso dela.
quinta-feira, 1 de outubro de 2020
Atualizado às 16:40
O recente lançamento do documentário "O Dilema das Redes" pela Netflix colocou ainda mais em evidência o uso da tecnologia pelas grandes plataformas - a exemplo do Facebook, do Google e do Twitter. A obra escancara a lucratividade das gigantes do Vale do Silício às custas da manipulação de nossos dados. Um filme didático e acessível a todos os públicos, e esse é seu grande mérito.
Os depoimentos de ex-executivos das plataformas explicam, sem medir palavras, como funciona a engrenagem que "espia" nossos passos enquanto navegamos por horas nas redes sociais. E não é à toa que, muitas vezes, você se perde no tempo entre uma publicação e outra, um vídeo compartilhado e uma interação no TikTok. Essas empresas querem descobrir como mantê-lo o maior tempo possível na tela. E conseguem! Enquanto isso, o uso automatizado dos seus dados define - quase que perfeitamente - seus perfis de compra, de comportamento e até de renda.
Enquanto a maior parte da população enxerga o Google como uma ferramenta de busca e o Facebook como uma plataforma que conecta amigos, essas empresas utilizam você como audiência para outdoors que valem muito dinheiro. Elas ganham bilhões de dólares apresentando anúncios em qualquer oportunidade. E você até curte isso: muitas vezes com um like, um comentário e até mesmo efetuando uma compra, confirmando às plataformas que eles conhecem o seu gosto.
O problema não está na tecnologia, mas sim no uso dela. Nesse sentido, a Lei Geral de Proteção de Dados trará consequências e exigências de adequação por parte das empresas. A LGPD promete ser, por exemplo, uma aliada importante para ajudar a controlar o que as crianças assistem, a quais os conteúdos eles serão expostas e como o uso dessas informações serão utilizadas. Sim, cada vez que elas pedem "De novo!" para assistir a um vídeo no YouTube é porque também estão sendo influenciadas por algoritmos que estimulam a permanência delas nas redes. Vai existir mais rigor com relação ao uso de dados de menores de idade, com exigência de autorização expressa de pais ou responsáveis para que os pequenos acessem os conteúdos. De uma forma ou de outra, as redes sociais vão precisar estabelecer políticas não apenas para solicitar essa autorização, como também para esclarecer quando e onde essas informações serão usadas. A transparência será obrigatória e cada plataforma será responsável por estruturar a gestão dessa demanda.
Mas, sejamos franco, nenhum país até agora conseguiu acompanhar o avanço das novas tecnologias e a velocidade com que os algoritmos funcionam. São desafios diários. O cidadão deve saber que é fundamental ler políticas de privacidade, termos de uso e política de cookies dos aplicativos e demais ferramentas online. Elas são complicadas mesmo, feitas para as pessoas não lerem. No entanto, se esse recurso for utilizado em massa, pode ajudar a fortalecer decisões futuras e alterar o cenário atual de coleta excessiva de dados. A população precisa entender que tem direito de questionar o motivo do pedido desnecessário de dados pessoais para prestação de serviços ou compras de produtos.
A conscientização coletiva é fundamental, assim como o conhecimento dos instrumentos da LGPD - que, agora, garantem o direito do usuário de saber como, quando e onde seus dados pessoais serão utilizados. A legislação também possibilita diversos pedidos: de correção de dados equivocados, incompletos ou desatualizados, além da revogação do consentimento e de portabilidade desses dados. A LGPD é um avanço, mas o caminho é longo para alcançarmos uma efetiva cultura de controle e transparência nesse mundo digital.
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*Gabriella Totti é advogada e consultora em privacidade de proteção de dados na Biolchi Empresarial.