Questões práticas em interdição judicial
Novas ações ou apenas incidentes na ação de interdição - exigência de nova procuração, pagamento de custas etc.
sexta-feira, 25 de setembro de 2020
Atualizado às 10:17
O Judiciário vem adotando algumas posições que conflitam com as regras introduzidas pelo atual CPC, em especial aquelas que buscam dar maior celeridade, eficiência ao processo, bem como propiciando economia processual para as partes, o que também inclui uma Justiça mais barata para os jurisdicionados.
Esses preceitos são ainda mais evidentes quando há um processo eletrônico, que permite um registro mais preciso dos atos praticados, a menor custo, e com maior facilidade de acesso.
Ora, na medida em que os jurisdicionados deparam-se com a necessidade de tratar determinados incidentes processuais como verdadeiras novas ações, ainda que distribuídas por dependência, mas que impõem novos registros, novas procurações, pagamento de custas e emolumentos, esses preceitos são tornados nulos, em total contradição com a lei.
Esta é uma situação comum em ações de interdição nas quais as prestações de contas e pedidos de alvarás são tratados não como continuidade da interdição em si, atos dentro da ação, mas sim como fatos separados, que requerem novos registros, pagamento de custas etc.
Na prática os jurisdicionados acabam por aceitar essas imposições em razão de análise de custo-benefício em discutir a matéria. No entanto, pragmaticamente, do ponto de vista jurídico a questão comporta crítica e necessita ser revista pelo Judiciário.
I - A ação de interdição como ação única e contínua
Um processo de interdição judicial consiste numa ação em que se requer ao Poder Judiciário que nomeie curadores que passarão a gerir os interesses de alguém que, por inúmeras razões, não está em condições de cuidar de sua própria vida. As limitações podem dizer respeito a aspectos de cuidados pessoais (higiene, saúde) etc., mas também pode incluir as limitações para a prática dos atos da vida civil.
Neste processo existe, ainda que de modo difuso, um conflito de interesses, que são os do interditado e daqueles que pleiteiam a interdição, sendo o primeiro réu e os demais os autores na ação. O conflito existe porque aquele a quem se pretende interditar pode contestar o pedido, e se necessário até mesmo buscando suporte em defensoria pública.
Se a interdição não é finalmente concedida, extingue-se o processo.
De outro lado, se a interdição é concedida, tenho que a ação não se extingue uma vez que a curatela faz nascer uma relação jurídica que é continuada no tempo e que, em princípio, somente termina quando houver a revisão da interdição, terminando-a, ou com o falecimento do interditado.
Enquanto persistente a curadoria o processo não pode ser encerrado definitivamente uma vez que ele pode ser objeto de incidentes, tais como: pedido de revisão pelo interditado/curatelado; prestação de contas regulares pelos curadores; e a necessidade de expedição de alvarás para determinadas medidas a serem adotadas pelos curadores (por exemplo, venda de ativos etc.). Registre-se, o incidente sempre terá como repercussão a ação de interdição, pois foi nela que se estabeleceram as regras de comportamento para os curadores.
Nessa linha, os autos da interdição não podem ser objeto de arquivamento definitivo pois precisam ser acessíveis sem maiores demoras ou complicações, ainda mais quando os autos são eletrônicos e com custos de manutenção imensamente reduzidos quando comparados à manutenção de autos físicos.
Em razão disso tenho que com base nas regras processuais em vigor, sejam aquelas que estabelecem princípios de busca pela atividade satisfativa de modo eficiente e célere (vide arts. 4º a 12 do CPC), bem como pela economia processual, não há como se pretender que determinados incidentes processuais em interdição devam exigir o início de novas ações, ainda que distribuídas por dependência, sendo que dentre elas faço particular menção às prestações de contas e aos pedidos de alvarás judiciais.
No caso das prestações de contas o primeiro argumento a ser levantado é a de que essa prestação de contas não é litigiosa, isto é, os curadores estão apenas cumprindo com a obrigação processual que assumiram nos autos da interdição de apresentar ao juízo o que ocorreu com o patrimônio que geriram. Outra não é a posição do art. 553 do CPC que assim dispõe:
Art. 553. As contas do inventariante, do tutor, do curador, do depositário e de qualquer outro administrador serão prestadas em apenso aos autos do processo em que tiver sido nomeado.
Parágrafo único. Se qualquer dos referidos no caput for condenado a pagar o saldo e não o fizer no prazo legal, o juiz poderá destituí-lo, sequestrar os bens sob sua guarda, glosar o prêmio ou a gratificação a que teria direito e determinar as medidas executivas necessárias à recomposição do prejuízo.
ou seja, a prestação de contas não é ação autônoma, mas incidente, algo a ser tratado como um apenso dentro da interdição.
O mesmo já ocorria na vigência do antigo CPC de 1973, cujo art. 919 trazia a mesma dicção:
Art. 919. As contas do inventariante, do tutor, do curador, do depositário e de outro qualquer administrador serão prestadas em apenso aos autos do processo em que tiver sido nomeado. Sendo condenado a pagar o saldo e não o fazendo no prazo legal, o juiz poderá destituí-lo, sequestrar os bens sob sua guarda e glosar o prêmio ou gratificação a que teria direito.
Nessa linha, a prestação de contas dos curadores não é enquadrável como ação em si, não há lide, sendo atividade administrativa perante o juízo ao qual está vinculada a interdição, tratando-se de obrigação do(s) curador(es), múnus, em face do juízo, não havendo contraditório, pois não há réu, o que tornaria inexigível o recolhimento de custas, novo instrumento de procuração etc,
Veja que se as contas forem contestadas, aí sim passará a haver um litígio, mas ainda assim dentro da interdição e, eventualmente, em ação apartada se os curadores forem destituídos e tiverem que indenizar, ressarcir o curatelado.
De fato é isso que se interpreta do art. 622 do CPC ao dizer que se o(s) curador(es) não prestar(em) contas ou se as que prestar(em) não forem julgadas boas:
Art. 622. O inventariante será removido de ofício ou a requerimento: [...]
V - se não prestar contas ou se as que prestar não forem julgadas boas; [...].
quando então poderia haver a formação de um contencioso, contraditório.
Este também é o posicionamento do TJSP:
AGRAVO DE INSTRUMENTO nº 0117298-62.2013.8.26.0000COMARCA-SÃO PAULO4º Ofício da Família e Sucessões, Processo nº 0114642-07.2005.8.26.0100
INVENTÁRIO Prestação de contas Determinação de que seja realizada mediante procedimento autônomo, distribuído por dependência, ante o não cabimento nos autos do inventário Insurgência da viúva do herdeiro, com alegação de ter o Juízo remetido a questão para procedimento jurisdicional comum Questão de interpretação do comando Concordância do inventariante em prestá-las Prestação de contas que deve ser exigida em apenso aos autos de inventário e por procedimento meramente administrativo (art. 919 e 991, VII, do CPC)Decisão mantida.
o mesmo sendo encontrado na decisão do TJDFT (processo 0021660-98.2011.8.07.0000 - doc. 61), cuja ementa diz:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE INTERDIÇÃO. PRESTAÇÃO DE CONTAS DA CURADORA. PROPOSITURA DE AÇÃO AUTÔNOMA. DESNECESSIDADE. CONTAS APRECIADAS NOS PRÓPRIOS AUTOS DE INTERDIÇÃO. CABIMENTO.
1.Tratando-se de prestação de contas em Ação de Interdição, é desnecessária a propositura de ação específica para este fim, bastando, apenas, que a pretensão seja deduzida nos próprios autos. Inteligência do art. 919 do Código de Processo Civil.
2.Agravo de Instrumento conhecido e provido.
O próprio MPSP tem esse entendimento, conforme consta, no Conflito de Atribuições - CÍVEL, protocolado nº 111.490/2017:
Ementa: CONFLITO NEGATIVO DE ATRIBUIÇÕES. AÇÃO DE INTERDIÇÃO. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. PRESTAÇÃO DE CONTAS.
1. Intervenção do Ministério Público que se faz pela natureza da lide, qual seja, ação de interdição de pessoa que não pode exprimir sua vontade (surda-muda).
2. Eventual tomada de contas do curador deverá ser prestada incidentalmente nos autos do processo em que nomeado, no zelo dos interesses do incapaz, a teor do disposto no art. 553 do CPC/15, tratando-se, portanto, de medida que envolve direito individual, atomizado, não se tratando de ação coletiva, o que afasta a atuação de cargo de execução especializado.
3. Precedente estampando a análise contextual e finalista na interpretação dos atos de divisão de serviços, e assentando que, à luz do princípio da especialidade, "as atribuições especializadas são discriminadas expressamente. Atuação especializada, como regra, relacionada à condição de autor ou fiscal em ações civis públicas, à investigação em inquéritos civis e à atuação extrajudicial" (Protocolado n. 46.717/13).
4. Atribuição do suscitado.
De fato, as regras do novo CPC primam por assegurar maior celeridade, simplicidade nos procedimentos, pelo que com mais razão não seja exigível que a prestação de contas por curadores seja feita por ação autônoma.
O mesmo raciocínio deve ser aplicado às situações onde são requeridas autorizações para a prática de certos bens para os quais os curadores não têm autonomia, como a alienação de bens.
Ao pedirem um alvará, não há uma lide, os curadores buscam apenas cumprir as exigências legais que foram a eles impostas na ação de interdição.
II - Conclusão
Feitas essas colocações, tenho que a prática de se tratar incidentes processuais que não são lides, obrigando a novos registros, pagamento de custas e emolumentos e apresentação de novas procurações, não fazem sentido jurídico, seja por estarem em contradição com os princípios referidos no item anterior (celeridade, eficiência e economia), bem como diante do fato de que a prática de novos atos (novos peticionamentos) na continuidade da ação de interdição não gera qualquer nulidade, não representa prejuízo ou óbice material ou processual, seja para o curatelado, seja para o Juízo e o MP.
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*José André Beretta Filho é advogado.