Fake news e eleições: o compromisso com a exteriorização da verdade como forma de garantia de lisura do processo democrático
A busca pela verdade trata-se de um processo contínuo e irregular, com pouca ou nenhuma linearidade.
sexta-feira, 25 de setembro de 2020
Atualizado às 08:58
O esforço para atacar uma reputação, e o uso da mentira como ferramenta de ataque ao poder, não é algo novo. A mentira é tão antiga quanto a própria humanidade. Fake News é uma nova denominação para uma questão ancestral. Há milênios digladiam-se os pensadores e filósofos em busca de descobrir o que é "verdade" e o que é a "mentira".
A aventura entre verdade e mentira se misturaram quase que como um elemento natural de formação da história humana. Falsas realidades tornaram possíveis revoluções, quedas de governo, guerras. A histórica luta pelo poder sempre foi atingida pelo que hoje se denomina Fake News, como previu o historiador francês Paul Veyne em seu ensaio "Acreditavam os gregos em seus mitos?", quando relata: "Os homens não encontram a verdade, fazem-na, como fazem sua história"1.
A realidade atual que distingue de outras épocas é sem dúvida a conectividade via internet e o fim do monopólio da imprensa sobre as informações. A parcialidade dos profissionais jornalísticos e posicionamentos historicamente tendenciosos, aliaram-se à descrença das massas nas instituições e governos.
Por essa razão, a fuga do debate às mídias digitais parece um movimento óbvio e natural. Fora isso, a natureza própria da democracia e o crescimento da alfabetização convergem para o aumento de fluxo de exposições de opinião nas redes, tornando a reação pública sobre os fatos e notícias muito mais imediata que nos tempos pretéritos ao advento da internet.
Nesse contexto de a mentira pública ser um exercício de busca pelo poder, inflama-se o debate e a preocupação sobre as desinformações direcionadas às disputas eleitorais.
Em torno desse debate, se tornaram ferramentas definidoras dos destinos eleitorais a manipulação da fama, de dados e de fatos voltados à destruição de reputação de candidatos a cargos políticos.
Uma das preocupações centrais sobre o tema da fake news, diz respeito a questão da sistematização e organização profissional dirigida a divulgação orientada de desinformações sobre inimigos políticos.
Não é uma realidade nada distante a existência e formação de escritórios ou mecanismos robotizados especializados em divulgar versões fakes, objetivando a criação de perfis na rede e a divulgação massiva de conteúdos falsos. As repostagens e encaminhamentos múltiplos de mensagens sufocam uma quantidade enorme de pessoas pelo excesso de informação, dando a ideia absolutamente fantasiosa que muita gente converge em uma mesma opinião.
A viabilidade disso, em verdade, é muito prática. Um único escritório pode alcançar a opinião pública de massas de uma forma muito simples, seja em âmbito municipal, estatal ou federal. Com muito êxito se destrói a reputação de alguém com uma única divulgação falsa e, mais que isso, êxito maior é garantido tendo um grupo organizado de pessoas, cada uma sustentando vários perfis na rede, direcionados a produzir falsas notícias, a criar e divulgar memes, figuras, a divulgar falsas imagens, a produzir animações satíricas.
As fake news e a manipulação direcionada dos conteúdos nas redes e plataformas sociais são, de fato, um problema central para a democracia em todo mundo, não apenas no Brasil. No contexto das eleições, resta saber o papel e os limites dos poderes públicos para coibir a divulgação de fake news. Os limites das decisões judiciais e da possível censura no combate a este problema deve preceder de amplo e incisivo debate.
Digladiam-se doutrinadores, juristas e jornalistas sobre a legalidade e constitucionalidade envolvendo o inquérito das fake news, sob relatoria do Ministro Alexandre de Morais, do Supremo Tribunal Federal, o qual apura a disseminação de conteúdo falso na internet e ameaças a ministros do STF; bem como o projeto de lei 2630, de 2020, o qual Estabelece normas relativas à transparência de redes sociais e de serviços de mensagens privadas, sobretudo no tocante à responsabilidade dos provedores pelo combate à desinformação e pelo aumento da transparência na internet, à transparência em relação a conteúdos patrocinados e à atuação do Poder Público, bem como estabelece sanções para o descumprimento da lei.
A polêmica dessa proposta de lei de combate as fake news se acentua ao estabelecer a rastreabilidade das informações, e a necessidade das plataformas armazenarem informações sobre as mensagens e usuários. Surge, por conta disso, fortes críticas acerca de um possível vigilatismo sobre os todos os usuários da rede, com medidas desproporcionais e que restringem direitos ao pretender a remoção de conteúdo na internet com a imposição de rastreamento de mensagens enviadas, uma possibilidade de identificação, inclusive, que pode ser utilizada para fins abusivos.
Certo é que a democracia se faz com informação. Quanto mais se aproxima da variedade de informações e do contraditório, mais se aproxima da verdade. O Judiciário, e demais poderes públicos, contudo, não podem permanecer inertes e permitir a continuidade de divulgação de fatos inverídicos por meio das redes sociais, nem a divulgação de mensagens que sugerem a depreciação da reputação de alguém. Deve-se constantemente averiguar se o teor das notícias falsas divulgadas excedem ou não o direito à liberdade de expressão. Afinal, a liberdade de expressão se vê limitada por restrições necessárias, em uma sociedade democrática, de proteger a reputação e os direitos de outras pessoas, não se estendendo à divulgação de notícias inverídicas ou ofensivas.
Por todos esses motivos, a busca pela verdade trata-se de um processo contínuo e irregular, com pouca ou nenhuma linearidade, de modo que qualquer pretensão de monopólio da verdade nasce fadada ao fracasso. Nas disputas eleitorais, a garantia do espaço para as diversas opiniões e exposições de fatos deve ser assegurada pelo Poder Público, sem, contudo, comprometer a lisura do processo democrático do compromisso com a verdade e responsabilização pela divulgação e perpetuação de fake news.
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1 VEYNE, Paul. Acreditavam os gregos em seus mitos?. São Paulo: editora brasiliense, 1983. P. 10.
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*Orlando Morais Neto é mestrando em Direito pela Faculdade Damas/PE. Pós-graduado em Direito Eleitoral pela ESA/PE. Procurador do município do Jaboatão dos Guararapes/PE e advogado sócio de Paurá Advocacia.
*Pedro Nunes de Souza Miguel é estudante de Direito pela UFPE e estagiário de Paurá Advocacia.