Contribuições sociais devidas a terceiros: fim da linha no STF ou novo capítulo no STJ?
A limitação da base de cálculo das contribuições destinadas às Terceiras Entidades e Fundos, portanto, continua assegurada pela jurisprudência do STJ, de maneira que os contribuintes ainda podem ingressar com ações judiciais para resguardar seu direito.
quinta-feira, 24 de setembro de 2020
Atualizado às 12:12
O Supremo Tribunal Federal retomou hoje o julgamento do RE 603.624 (Tema 325 da Repercussão Geral), no qual se discute a subsistência da contribuição destinada ao SEBRAE, após o advento da Emenda Constitucional 33/01.
A relatora, Ministra Rosa Weber, manteve o entendimento manifestado na sessão virtual, votando pelo provimento do Recurso Extraordinário do contribuinte. Em síntese, a Ministra assinalou a taxatividade do art. 149 da Constituição Federal, consignando a inconstitucionalidade das contribuições para o SEBRAE, APEX e ABDI, a partir da edição da EC 33/01. Esse entendimento foi acompanhado pelos Ministros Edson Fachin, Ricardo Lewandowski e Marco Aurélio.
A divergência foi inaugurada pelo Ministro Alexandre de Moraes, o qual pontuou que o acréscimo realizado pela EC 33/01 no art. 149, §2º, inciso III, da CF/88, não operou uma delimitação exaustiva das bases econômicas passíveis de tributação por toda e qualquer contribuição social e de intervenção no domínio econômico.
Com base nesse raciocínio, assinalou que, relativamente às CIDE's e às contribuições sociais em geral sobre a folha de salários, o constituinte não operou um rol taxativo, mas uma mera exemplificação do espectro de materialidades tributáveis. O entendimento do Ministro Alexandre de Moraes foi seguido pelos Ministros Roberto Barroso, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Luiz Fux.
Ao final, por maioria, foi fixada a seguinte tese: "As contribuições devidas ao SEBRAE, à APEX e à ABDI com fundamento na Lei 8.029/1990 foram recepcionadas pela EC 33/2001."
Deve-se ter em mente que as alterações trazidas pela EC no 33/2001 provocam discussões de alcance também nos autos do RE 630.898 (Tema 495 da Repercussão Geral), no qual se debaterá "a recepção ou não da contribuição destinada ao INCRA pela Constituição Federal de 1988 e a roupagem da referida contribuição após a edição da EC 33/01, abarcando, ainda, a questão da referibilidade, ou seja, da existência de nexo direto entre as finalidades da contribuição ao INCRA e os sujeitos passivos da obrigação tributária, tal como definidos na norma instituidora da contribuição, incluindo-se, nesse contexto, as empresas urbanas." Ainda não há previsão para a retomada desse julgamento.
A despeito das discussões relativas à inconstitucionalidade das contribuições destinadas às Terceiras Entidades e Fundos, atualmente têm ganhado força os debates judiciais envolvendo a limitação da base de cálculo dessas contribuições sociais.
A controvérsia tem origem na redação da Lei 6.950/81 que, em seu art. 4º1, estabeleceu um limite máximo para fins de recolhimento das contribuições previdenciárias, de 20 vezes o valor do salário-mínimo. O parágrafo único desse dispositivo era expresso no sentido de que esse limitador também seria aplicável às "contribuições parafiscais arrecadadas por conta de terceiros".
Posteriormente, com a edição do decreto-lei 2.318/19862, o legislador ordinário acabou por restringir os efeitos da limitação de 20 salários às contribuições destinadas às Terceiras Entidades e Fundos, assinalando expressamente que apenas a contribuição previdenciária patronal não se submeteria a tal limite.
A controvérsia, portanto, gira em torno da aplicabilidade atual do limitador de 20 vezes o valor do salário-mínimo às contribuições destinadas às Terceiras Entidades e Fundos, dentre as quais o FNDE (salário-educação), INCRA, Sebrae, Sesc, Senac, Sesi, Senai.
Conquanto a União Federal (Fazenda Nacional) e os representantes do "Sistema S" defendam que a redação do parágrafo único do art. 4º da Lei 6.950/1981 alcança referidas contribuições parafiscais, fato é que, em diversas ocasiões, os Tribunais que compõem o Poder Judiciário reafirmaram o entendimento consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) de que "o art. 3º do decreto-lei 2.318/86 não alterou o limite de 20 salários-mínimos do art. 4º, parágrafo único, da Lei 6.950/1981 (base de cálculo das contribuições parafiscais arrecadas por conta de terceiros), pois esse artigo apenas dispõe sobre as contribuições sociais devidas pelo empregador diretamente à Previdência Social"3.
Recentemente, esse entendimento foi confirmado pelo STJ no julgamento do REsp no 1.570.980/SP. Na ocasião, sob a relatoria do Ministro Napoleão Nunes, a 1ª Turma do STJ consignou que a base de cálculo das contribuições parafiscais recolhidas por conta de terceiros deve se restringir ao limite máximo de 20 salários-mínimos, nos termos do parágrafo único, do art. 4º da Lei 6.950/81, o qual não foi revogado pelo art. 3º do decreto-lei 2.318/86.
Esse acórdão foi objeto de Embargos de Declaração, opostos por representantes do Sistema S (no caso, o Sesi e o Senai), que buscavam a restrição dos efeitos da decisão, com o propósito de que constasse que o Acórdão do REsp no 1.570.980/SP não fosse utilizado pelos demais contribuintes como precedente em desfavor destas entidades.
O provimento do recurso ocorreu tão somente para amoldar a discussão ao caso concreto, circunscrevendo o precedente aos limites formulados pelo contribuinte na inicial. É dizer: neste caso em específico, o contribuinte ingressou com a medida judicial para que "fosse mantido o limite de incidência para o recolhimento de terceiros, como previsto para o Salário Educação (anteriormente FNDE), INCRA, DPC e FAer, a 20 salários mínimos, nos termos do parágrafo único do art. 4º. da Lei 6.950/81". Assim sendo, constou no polo passivo desta demanda apenas a União, FNDE, Divisão de Portos e Canais (DPC), Fundo Aeroviário (FAer) e INCRA.
Em relação às contribuições ao SESI e SENAI, como consta na decisão do STJ que acolheu os Embargos de Declaração destas entidades, houve expressa referência, na petição inicial, de que não se pretendeu limitá-las, tanto que foram regularmente recolhidas e não impugnadas pela empresa. Assim sendo, por uma questão processual, o STJ houve por bem delimitar o alcance da sua decisão para evitar o julgamento ultra petita.
Vale dizer que o acolhimento dos Embargos de Declaração opostos pelo SESI/SENAI não enfraquece a extensão da tese de limitação dos 20 salários à todas as entidades do Sistema S, tais como o Sesi e o Senai.
O entendimento favorável aos contribuintes, inclusive, foi ratificado pelo STJ no julgamento do AgInt no REsp 1.825.326/SC, ocorrido em agosto/2020. Na ocasião, sob a relatoria da Ministra Regina Helena, a 1ª Turma do STJ confirmou que "o art. 3º do Decreto-Lei n. 2.318/1986 não modificou o limite de 20 (vinte) salários-mínimos previstos pelo art. 4º, parágrafo único, da Lei 6.950/81, tendo em vista que a revogação se ateve apenas em relação às contribuições sociais devidas pelo empregador diretamente à Previdência Social4". Naquele caso, o contribuinte pretendia especificamente a limitação da base de cálculo do INCRA, SESI/SENAI e SEBRAE.
A limitação da base de cálculo das contribuições destinadas às Terceiras Entidades e Fundos, portanto, continua assegurada pela jurisprudência do STJ, de maneira que os contribuintes ainda podem ingressar com ações judiciais para resguardar seu direito.
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1 Art 4º - O limite máximo do salário-de-contribuição, previsto no art. 5º da Lei nº 6.332, de 18 de maio de 1976, é fixado em valor correspondente a 20 (vinte) vezes o maior salário-mínimo vigente no País.
Parágrafo único - O limite a que se refere o presente artigo aplica-se às contribuições parafiscais arrecadadas por conta de terceiros.
2 Art 3º Para efeito do cálculo da contribuição da empresa para a previdência social, o salário de contribuição não está sujeito ao limite de vinte vezes o salário mínimo, imposto pelo art. 4º da Lei nº 6.950, de 4 de novembro de 1981.
3 STJ, RECURSO ESPECIAL Nº 1.439.511 - SC (2014/0046542-7), Rel. Min. Herman Benjamin, 9.7.2014.
4 STJ, AgInt no REsp 1.825.326/SC, Relatora Ministra Regina Helena, DJe 05/08/2020.
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*Cristiane I. Matsumoto é sócia de Pinheiro Neto Advogados.
*Lucas Barbosa Oliveira é associado de Pinheiro Neto Advogados.
*Nayanni Enelly Vieira Jorge é associada de Pinheiro Neto Advogados.
*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.
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