Cobrança do SSE/THC2 e a possível mudança do Cade
Há vários anos, o assunto vem sendo discutido no âmbito da ANTAQ, do Cade e do Poder Judiciário, em virtude das inúmeras insurgências por parte dos recintos retro alfandegados que afirmam tratar-se a cobrança do SSE/THC2 de ilegal per se.
terça-feira, 22 de setembro de 2020
Atualizado em 21 de setembro de 2020 14:00
A atividade portuária exige a implementação de uma cadeia logística, visando o correto recebimento do contêiner desde o navio e a consequente entrega ao seu consignatário. Toda essa atividade gera um custo operacional.
No caso da importação, para custeio do manuseio entre o porão da embarcação para a pilha comum de contêineres, os terminais portuários se remuneram por tais serviços por meio de uma cesta de serviços, denominada box rate, paga pelo transportador marítimo/armador do navio. Dentre os serviços contemplados, encontra-se a rubrica THC, sigla para a expressão inglesa Terminal Handling Charge, atinente à movimentação do contêiner entre o costado da embarcação e sua colocação na pilha do terminal portuário.
Os contêineres seguem uma regra normal, uma fila, digamos assim, de acordo com a disposição nos porões dos navios, e são desembarcados nessa ordem, que podemos chamar de ordem natural de desembarque e acomodação na pilha comum do terminal.
Os terminais retro alfandegados ou chamados de terminais secos, entretanto, em relação aos contêineres que a eles se destinam, querem normalmente um serviço diferente ou diferenciado, preferencial: informam, previamente, ao terminal portuário a lista de seus contêineres para que estes sejam liberados tão logo cheguem ao terminal, no prazo máximo de 48 horas, saindo da fila normal para ultrapassarem e serem selecionados preferencialmente aos demais.
Esse pedido express delivery demanda dos terminais portuários serviços especializados e direcionados que, por sua vez, geram custos extras cobrados sob a rubrica Serviço de Segregação e Entrega (SSE), equivocadamente denominado pelos terminais retro alfandegados de THC2, como forma de imputar aos terminais portuários a pecha de dupla cobrança do THC.
Na verdade, não se trata de dupla cobrança, pois os terminais retro alfandegados, ao solicitarem a entrega expressa de seus contêineres, exigem do terminal portuário a segregação deles com a utilização de tecnologia, equipamentos exclusivos e manuseios diferenciados no interior do terminal, custos esses que obviamente são maiores do que aqueles destinados ao manuseio normal, à fila normal e regular de contêineres.
Há vários anos, o assunto vem sendo discutido no âmbito da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ), do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e do Poder Judiciário, em virtude das inúmeras insurgências por parte dos recintos retro alfandegados que afirmam tratar-se a cobrança do SSE/THC2 de ilegal per se.
Em razão de tais pleitos, a ANTAQ, a fim de dirimir a controvérsia, por meio de duas resoluções, a 2.389/12 e a 34/19, autorizou expressamente a cobrança do SSE/THC2: Art. 9º da resolução 34: "O SSE na importação não faz parte dos serviços remunerados pela Box Rate, nem daqueles cujas despesas são ressarcidas por meio do THC, salvo previsão contratual em sentido diverso". Registre-se, por oportuno, que, mesmo antes de tais resoluções, a cobrança do SSE já era lícita, nos termos do Código Civil, bem assim por nunca ter sido proibida pela ANTAQ.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), recentemente, decidiu no Agravo em REsp 1.537.395, entre outros pontos, que "o Serviço de Segregação e Entrega é oneroso e autônomo dos serviços prestados pelos armadores a justificar a cobrança da taxa questionada" e que "na espécie, prevalece a competência da ANTAQ (sem eliminar a do Cade), com a regulamentação que lhe é inerente, que autoriza a incidência do THC2".
Várias outras decisões no âmbito do Tribunal Regional Federal (TRF) da 1º e 3ª Regiões reconheceram como legal a cobrança do SSE/THC2 anulando decisões condenatórias do Cade. Igualmente, várias decisões nos Tribunais de Justiça (TJ) dos estados de Santa Catarina e de São Paulo também entenderam pela legalidade da cobrança.
Recentemente, o Cade, com vistas a apurar suposto abuso de posição dominante, consistente na cobrança pelo serviço de SSE/THC2, por sua Superintendência Geral, exarou entendimento pela não ocorrência de infração à ordem econômica para o período posterior à resolução ANTAQ 34/19, estando os autos em vias de ser julgado pelo Plenário do Cade. Portanto, o Tribunal do Cade poderá confirmar o entendimento da Superintendência Geral (Processo Administrativo 08700.005499/2015-51) e, por via de consequência, mudar o seu próprio entendimento fundado de que a cobrança do SSE/THC2 é abusiva por si só.
O Cade terá a oportunidade de revisitar as decisões proferidas anteriormente e verificar que as premissas até então utilizadas para embasar o seu posicionamento do passado não mais acompanham a realidade diante do atual acervo documental e de informações existentes sobre a matéria.
Portanto, espera-se do Plenário do Cade o reconhecimento da legalidade do SSE/THC2, posto que os serviços prestados pelos terminais portuários são verificáveis, adicionais e justificáveis em virtude de pedido de entrega expressa pelos próprios recintos retro alfandegados, sob pena de enriquecimento ilícito destes em detrimento daqueles que figuram na cadeia como responsáveis por grandes investimentos na logística portuária, circunstância que beneficia, inclusive, os próprios recintos retro portuários.
Finalmente, o Cade representa, tal como a ANTAQ, a exteriorização do próprio Estado, não podendo os terminais portuários serem penalizados por uma cobrança lícita de serviço efetivamente prestado e autorizada pelo seu Órgão Regulador, sob pena de gerar insegurança jurídica nas relações pretéritas e ausência de previsibilidade para as relações jurídicas futuras.
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*Caroline Ribeiro Souto Bessa é advogada da área de Contencioso Cível Geral de Martorelli Advogados.