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Desconto de mensalidades escolares no contexto da pandemia do novo coronavírus/covid-19: é possível requerer na justiça redução dos valores de serviços educacionais?

Escolas, universidades, estudantes e famílias devem estar atentos à possibilidade de revisão judicial dos valores de mensalidades, em caso de desequilíbrio contratual decorrente de onerosidade excessiva, no contexto da pandemia do Novo Coronavírus.

quarta-feira, 16 de setembro de 2020

Atualizado às 16:17

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Escolas, universidades, estudantes e famílias devem estar atentos à possibilidade de revisão judicial dos valores de mensalidades, em caso de desequilíbrio contratual decorrente de onerosidade excessiva, no contexto da pandemia do Novo Coronavírus.

 As dificuldades impostas pela atual pandemia do Novo Coronavírus/Covid-19 têm causado impactos sobre todos os setores da economia. Mesmo com paralisações parciais e temporárias de serviços, as consequências da desaceleração são evidentes no cotidiano das famílias e da sociedade em geral. Nesse cenário, os serviços educacionais foram especialmente atingidos, já que um dos seus aspectos mais essenciais é a presença de estudantes em sala de aula.

Isso porque, ao longo dos últimos séculos, os processos de ensino e aprendizado tiveram como pressuposto o encontro, a interação presencial e a inserção de educandos e educadores no ambiente escolar e da cultura, de modo que, conforme expõe Clarice Seixas Duarte:

[...] embora a educação, para aquele que a ela se submete, represente uma forma de inserção no mundo da cultura e mesmo um bem individual, para a sociedade que a concretiza, ela se caracteriza como um bem comum, já que representa a busca pela continuidade de um modo de vida que, deliberadamente, se escolhe preservar.

A atual crise sanitária, contudo, exige distanciamento e isolamento sociais, o que representa um imenso desafio para as instituições de ensino. Diante dessa nova e imprevista realidade, escolas dos mais variados segmentos e níveis educacionais tiveram de reinventar suas atividades para que fosse possível o ensino à distância, o famoso EAD. Além de preparar seus quadros de professores e funcionários para disponibilização de conteúdos online, as instituições de ensino, em muitos casos, também enfrentam pressões e questionamentos pela volta das aulas presenciais.

Para estudantes e famílias, especialmente crianças dos anos iniciais, o EAD igualmente constitui verdadeiro desafio. A educação telepresencial de qualidade necessita de bons equipamentos de tecnologia da informação, internet rápida e com boa quantidade de dados e, claro, um ambiente tranquilo e seguro para que os conteúdos ministrados sejam assimilados com eficiência. 

O contexto é desafiador para todos os envolvidos e pode gerar muitos conflitos jurídicos. Para as famílias, a crise causa dificuldades em cumprir com os pagamentos das mensalidades, além de obrigar crianças e adolescentes a ficarem em casa enquanto mães e pais precisam trabalhar. Já para instituições privadas de ensino, e mesmo para as redes públicas, oferecer um EAD de qualidade, reequilibrar as contas e pagar professores e funcionários são as problemáticas mais urgentes.

Esse quadro tem gerado a judicialização de diversas questões, com destaque para a redução de valores de mensalidades, visando ao reequilíbrio dos contratos de matrícula, ou contratos de prestação de serviços educacionais. Em linguagem mais leiga, a pergunta feita é: em razão das dificuldades geradas pela pandemia, posso requerer na justiça descontos dos valores de mensalidade escolar ou universitária?

Na medida em que os fatos descritos são muito recentes, os posicionamentos dos tribunais ainda estão se consolidando, de modo que há bastante espaço para debate acerca dessa questão no cenário da atual pandemia. A despeito disso, o tema do (re)equilíbrio das obrigações nos contratos com trato continuado ou diferido (no caso, a mensalidade) não é novidade no direito brasileiro, e está previsto tanto no CC(art. 478) quanto no CDC (art. 6º, V), ambos aplicáveis à matéria.

Como se verifica, se as prestações se tornam pesadas demais para o contratante devido a eventos imprevisíveis, as legislações civil e consumerista permitem a revisão das cláusulas, ou mesmo a resolução contratual, ou seja, o encerramento do contrato. Veja-se que uma pandemia, de fato, é acontecimento extraordinário e imprevisível, o que permitiria a redução de mensalidades. No entanto, duas questões essenciais estão presentes na maioria dos julgados e devem ser levadas em conta por quem pretende buscar tal pleito no Judiciário.

Em primeiro lugar, deve-se ter em mente que há tendência jurisprudencial em considerar o EAD como efetiva prestação de serviços educacionais. Mesmo que o contratante dos serviços não concorde ou não esteja satisfeito com o formato de aulas à distância, o fechamento das escolas se dá por motivos e decisões que não cabem à direção da instituição de ensino. Nesse aspecto, os tribunais, corretamente, têm aplicado a "teoria da imprevisão"2 não apenas para o contratante, mas também para a instituição de ensino contratada, já que a emergência de saúde e suas consequências atingem a sociedade como um todo. Ou seja, a situação excepcional e imprevista da pandemia, bem como as normas sanitárias impostas pelo Poder Público, impedem que aulas presenciais com aglomeração de pessoas aconteçam. Assim, não há sequer que se cogitar o argumento de quebra contratual pelas instituições de ensino, se há oferecimento do ensino à distância.

Em segundo lugar, o interessado deve levar em consideração que o reequilíbrio econômico do contrato sempre depende da demonstração, com provas muito robustas, da completa perda de condições financeiras do estudante ou sua família. Ou seja, é preciso comprovar a impossibilidade de arcar com as mensalidades, a ponto de justificar a presença de onerosidade excessiva. Em casos de desemprego ou perda substancial de renda, é mais provável que haja algum tipo de desconto. Contudo, se houver mera dificuldade ou simples alegações, sem a comprovação contundente, o provimento jurisdicional positivo tende a ser remoto.

Ainda quanto à comprovação do desequilíbrio econômico pela onerosidade excessiva, é importante destacar que é possível a aplicação da inversão do ônus da prova em favor do consumidor (art. 6º, VIII, CDC), porém, não de maneira automática. Como ensina Cláudia Lima Marques, a hipossuficiência pode ser decorrente de situação fática ou socioeconômica3. As partes interessadas, contudo, devem estar atentas ao fato de que, se o Juízo da causa entender que não há hipossuficiência do aluno ou verossimilhança das alegações, o ônus da prova deverá obedecer a regra geral do artigo 373, do Código de Processo Civil, e recairá sobre quem alega os fatos. A interpretação das cláusulas contratuais, contudo, deverá se dar sempre do modo mais favorável ao estudante-consumidor (art. 47, CDC).

No caso do ensino em níveis infantil, fundamental e médio, deve-se observar que há oferta gratuita e universal nas escolas públicas - argumento que pode ser levado em consideração pelo Judiciário diante da alegação de falta de recursos para pagar as mensalidades. Quanto ao ensino superior, como o ingresso em universidades exige vestibular, a possibilidade de haver o uso dessa linha argumentativa é menor, em especial se o pleito se tratar dos anos finais da graduação, e a empregabilidade do interessado depender do diploma. Também nesses casos, contudo, é importantíssima a comprovação da queda brusca de renda em decorrência da pandemia.

Processualmente, um ponto a ser considerado é que, em muitas ações, a parte autora pretende a revisão de valores em sede de tutela de urgência, sem oitiva da parte contrária (a instituição de ensino), com base nos requisitos previstos no artigo 300, do Código de Processo Civil. Como a matéria exige ampla produção probatória sobre a presença da onerosidade excessiva, o posicionamento jurisprudencial tem sido pelo indeferimento desse tipo de pedido em liminar, pois se entende pela necessidade de citação da instituição de ensino para que apresente suas defesas e alegações em Juízo.

Portanto, o reequilíbrio econômico dos contratos de matrícula é possível e tem previsão legal, mas depende da comprovação de perda de renda em razão da situação econômica imprevisível gerada pelo Coronavírus. O ponto principal nesse tipo de ação é fazer a prova correta da onerosidade excessiva, o que nem sempre é atingido. A inflexibilidade da instituição de ensino em oferecer algum desconto ou facilitação dos pagamentos também pode ser importante na análise dos pedidos, já que o equilíbrio econômico dos contratos deve ser interpretado conjuntamente a outros princípios colaterais, como a boa-fé objetiva entre as partes envolvidas.

Para os universitários em vulnerabilidade econômica, a revisão é mais provável, já que o diploma é requisito de empregabilidade e exercício profissional. Nesses casos, a saída mais interessante pode ser a celebração de acordo com a instituição de ensino, em que sejam negociados novos parcelamentos e maiores prazos de pagamentos, sem necessidade de judicialização.

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1- DUARTE, Clarice Seixas. A educação como um direito fundamental de natureza social. Educação & Sociedade, Campinas, v. 28, n. 100, out. 2007, p. 697.

2- Nesse sentido, os julgados do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo: 2200735 20.2020.8.26.0000; 2179584-95.2020.8.26.0000; 2181876-53.2020.8.26.0000; 2201663-68.2020.8.26.0000; 2183377-42.2020.8.26.0000.

3- MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor, p. 273. Disponível em: Clique aqui. Acesso em: set. 2020.

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*Ricardo de Padua Salles é advogado, graduado e mestre pela FDRP-USP. É sócio fundador do escritório Navarro, Salles e Castro Advocacia. Atua como secretário na Comissão de Direito Urbanístico da 12ª Subseção da OAB - Ribeirão Preto. Integra, como representante da OAB, a Comissão de Revisão do Plano Municipal de Educação de Ribeirão Preto e o Comitê Intersetorial para retomada das aulas presenciais no Município de Ribeirão Preto.

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