A Constituição como ferramenta de trabalho (III)
Jovens superam os velhos quando se aprimoram na técnica e inovam na aplicação da Constituição.
terça-feira, 8 de setembro de 2020
Atualizado às 08:17
O vínculo do processo penal com o direito constitucional mostra-se intrínseco. Basta ler o artigo 5º, da Lei Maior, para se deparar com vasto número de direitos do indivíduo na persecução penal.
Note-se que o legislador constituinte de 1988, de propósito, escreveu os direitos e as garantias individuais no atrium da Constituição, com o fim de conferir relevância a tais dispositivos na interpretação do próprio texto constitucional, além dos tratados internacionais e das leis em gênero.
Aquilata-se a dimensão da referida tutela jurídica, ao se observar que os próprios tratados internacionais podem ampliar o rol de direitos e garantias (art. 5º, parágrafo 2º, da CR). Nesse sentido, a magnitude do artigo 8º, do Pacto de San Jose da Costa Rica (Decreto 632/86), para o exercício da ampla defesa.
A preservação da liberdade jurídica do individuo na persecução criminal, a contar de leitura constitucional das regras do direito processual penal, não surge novidade no direito pátrio. Vale recordar dos trabalhos importantíssimos de João Mendes Junior, o qual deu caráter científico ao processo penal, desde o século XIX.
A eficácia desse sistema jurídico-constitucional de anteparo ao arbítrio estatal vê-se testada a depender do momento político do país. A subserviência de alguns magistrados a ideologias e a governos, em certas fases da história nacional, levou a graves injustiças causadas por meio de processos criminais, tais como as que ocorreram na Ditadura Vargas, no regime militar de 64, para não se precipitar a crítica que historiadores e juristas hão de fazer a juízes e tribunais, atuantes na Operação Lava-Jato.
Advogados precisam enfrentar as turbulências da Justiça Criminal com a mesma segurança e responsabilidade que o piloto de avião exibe ao se defrontar com intempéries. Na Constituição, o defensor acha o checklist de direitos do seu cliente. Deve exigir o respeito a tais direitos de todos os funcionários públicos que ajam na persecutio criminis, sem tergiversar quanto à preservação da liberdade jurídica do indivíduo, ainda que residual, no âmbito da execução da pena.
O jovem profissional do Direito crê na dicotomia teoria/prática, de modo um tanto pueril, sem se aperceber que a práxis se caracteriza como a teoria em ato ou atividade, como ensina Louis Althusser. Logo, não acredite na falsa distinção entre ambas.
Para demonstrar essa ideia, sugere-se pequeno passo a passo de como examinar um caso criminal até o oferecimento da denúncia, com a perspectiva de verificar os direitos constitucionais do investigado que se tornou acusado.
1. Leia os autos, desde a Portaria da autoridade policial. Dedique-se ao inquérito policial. Examine com atenção a prova oral e as perícias. Destrinche o interrogatório policial.
2. Pergunte-se: foram garantidos os direitos do investigado na primeira fase da persecução penal (no inquérito policial)? Quais foram desrespeitados?
3. Há provas? Prova da materialidade? Indícios da autoria? Quais?
4. Se há, as provas foram obtidas por meios ilícitos?
5. As decisões judiciais de eventuais medidas cautelares estão motivadas?
6. A polícia judiciaria e o ministério público respeitaram procedimentos legais, no curso da investigação criminal?
7. O ministério publico diz a verdade no requerimento de medidas cautelares? Há convergência entre o conteúdo do inquérito policial e o que afirma o acusador publico? É um modelo de requerimento de medida cautelar, reproduzido de forma tarifária?
8. Havia razão legal para prender os investigados, ou lhes impor medidas cautelares alternativas? Qual?
9. O investigado teve defesa? Ampla? Por que não?
10. Deu sua versão dos fatos? Exerceu autodefesa? Foram lhe assegurados os direitos ao silêncio e à assistência do defensor no interrogatório?
11. Houve defesa técnica no inquérito policial? Foi efetiva? Algo foi requerido pelos defensores?
12. O relatório policial corresponde ao conteúdo dos autos do inquérito policial?
13. O ministério público descreveu o fato na denúncia? Omitiu elemento ou circunstância? Excluiu prova em favor do acusado? Omitiu testemunha relevante do rol?
14. O fato, descrito pela denúncia, corresponde ao que se apurou no inquérito policial? Existe exagero na imputação? Este exagero destina-se a impedir o exercício de direitos do acusado? Ou objetiva a obtenção de medida cautelares?
15. Em suma, confira se legalidade, devido processo legal, ampla defesa, legalidade das provas, estado de inocência, direito ao silencio, dentre outros aspectos, foram respeitados na primeira fase da persecução penal, pois essenciais para se produzir a defesa na ação penal.
Ao fim dessa trilogia, cabe pontuar que o fracasso da advocacia criminal se apresenta proporcional à crença na falácia de que a experiência do profissional prepondera sobre o estudo. Jovens superam os velhos quando se aprimoram na técnica e inovam na aplicação da Constituição. Velhos advogados devem ser resistentes à efêmera aura de sucesso, para manterem-se rígidos no aprendizado das teorias jurídicas e filosóficas, com o fim de criar novas formas de pensar, escrever e falar em favor da proteção dos direitos individuais.
Como disse Pedro Nava: "A experiência é um farol voltado para trás".
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*Antônio Sérgio A. de Moraes Pitombo é advogado. Mestre e doutor na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Pós-doutor no Ius Gentium Conimbrigae (Universidade de Coimbra). Sócio do escritório Moraes Pitombo Advogados.