Os seguros para cobertura de grandes riscos na proposta de resolução brasileira. Comparação com a disciplina na união europeia e impressões jurídicas iniciais
Geralmente os seguros de grandes riscos se opõem, de maneira algo binária, à ideia de contratos de seguros massificados - para utilizarmos também o jargão presente na indústria de seguros.
sexta-feira, 4 de setembro de 2020
Atualizado às 16:11
1. Introdução
No dia 21 de agosto de 2020, o Conselho Diretor da Superintendência de Seguros Privados - SUSEP lançou consulta pública sobre minuta de resolução disciplinando contratos de seguros para cobertura de grandes riscos - Consulta Pública 18/2020.
O presente artigo examina o que são contratos de seguros para cobertura de grandes riscos no mercado securitário, no vernáculo próprio da atividade econômica desenvolvida por seus agentes. Em seguida, percorremos o conceito de seguros de grandes riscos no direito comparado, com ênfase nas normas vigentes na União Europeia e seus reflexos, por exemplo, no Direito português, apresentando diversas implicações práticas e jurídicas decorrentes da classificação de seguros como sendo de grandes riscos naquela jurisdição.
Tudo isso antes de analisarmos um pouco mais a fundo a proposta de definição dos seguros para cobertura de grandes riscos concebida pela SUSEP, seus critérios definidores sob os prismas qualitativos e quantitativos, bem como o tratamento jurídico peculiar que a autarquia lhes pretende outorgar, seus limites, insuficiências e perspectivas.
2. Mas o que são "seguros para cobertura de grandes riscos"?
Não existe em nosso ordenamento nenhuma norma jurídica que conceitue "seguros para cobertura de grandes riscos"1 ou que preveja tal classificação.
Em pese não estar positivada em nosso direito, a expressão é de uso corrente e muito tradicional no setor securitário. Geralmente os seguros de grandes riscos se opõem, de maneira algo binária, à ideia de contratos de seguros massificados - para utilizarmos também o jargão presente na indústria de seguros.
É fácil imaginar alguns exemplos de seguros de cobertura de grandes riscos segundo sua conotação comum de mercado - v.g., seguros de riscos operacionais; seguro de riscos de engenharia; seguro de crédito etc. Em contraposição, são variados os exemplares de seguros massificados presentes em nosso dia-a-dia, tais como: seguro de automóvel, seguro de vida e de acidentes pessoais, seguro prestamista, seguro residencial etc.
Mesmo no mercado de seguros, entretanto, não existem critérios rígidos, objetivos e unívocos de taxonomia para definir quais seguros se enquadram no conceito socialmente utilizado como de grandes riscos e quais pertencem ao grupo dos massificados. Antes que possam surgir conclusões açodadas, a questão definitivamente não se reduz, por exemplo, a ser o contrato celebrado por um segurado pessoa jurídica ou pessoa natural como elemento de definição se um seguro será massificado ou não.
Existe uma considerável "zona cinzenta" intermediária que se torna tanto maior quanto mais facilitados e abertos se tornam os meios de contratação de seguros. Por exemplo, seguros compreensivos empresariais, que poderiam ser, à primeira vista, exemplos de seguros corporativos não-massificados, são vendidos de maneira por demais simplificada, sobretudo para o segmento de pequenas e até médias empresas.
Até mesmo o seguro garantia dirigido para pequenas e médias empresas são comercializados de maneira por vezes totalmente eletrônica (portal), mediante o "upload" de um checklist básico de informações financeiras para fins meramente de análise de rating para fins de crédito, e com pouca ou nenhuma exigência adicional de contragarantia específica. São vendas realizadas sem qualquer instrução informativa mais profunda a tais pequenos e médios empresários, se assemelhando muito mais ao sistema de comercialização de seguros massificados do que de grandes riscos. Os exemplos poderiam ser inúmeros e tendem a se proliferar ainda mais no futuro, com a maior abertura do mercado de seguros - o sandbox regulatório2 é um exercício de redução de barreiras à entrada - e o influxo crescente de insurtechs, inovando com produtos que seguradoras tradicionais simplesmente não criavam e dinamizando os meios para a sua distribuição.
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1 A expressão "grandes riscos" carrega em si uma noção ínsita de medida, sendo o adjetivo grande um qualificativo de medida elevada. Risco, por sua vez, pode ser examinado sob diversos parâmetros (e.g., alta, média ou baixa complexidade), mas no campo do seguro e, particularmente, de sinistros, é frequente a utilização de duas dimensões: frequência e severidade. Nesse particular, o vocábulo grandes riscos parece ter mais ligação com a dimensão severidade do risco do que propriamente por sua frequência.
2 "O sandbox, termo em inglês traduzido pela ideia de 'banco de testes', tem como objetivo promover novas e emergentes configurações de serviços e produtos, que devem ser ofertados em conformidade com as regras regulatórias, mas sem necessitar de um ato público de liberação. A regulação, para atender às demandas inovadoras, deve ser minimamente flexível e adaptável à natureza dessas novas atividades e tecnologias.
Sua essência, portanto, consiste em simplificar determinadas regras do jogo para que possa haver controle e certeza quanto a um eventual descumprimento de regulação estatal pré-existente. Segundo alguns autores, os bancos de teste acabam por representar 'uma opção muito atraente e de baixo custo para testar produtos, serviços e soluções tecnológicas inovadoras em um ambiente controlado.
Dentre as consequências positivas da criação destes 'bancos de testes', está a possibilidade do estabelecimento de um diálogo entre órgão regulador e regulado, o que por sua vez tende a aumentar as chances de o Poder Público conhecer de perto o negócio empreendido, podendo eventualmente elaborar uma regulação mais apropriada aos contornos de determinado mercado no futuro próximo." (CARVALHO, Vinícius Marques de. "Lei de liberdade econômica e seus impactos no direito brasileiro: regulação de sandboxes", Lei de liberdade econômica e seus impactos no direito brasileiro / Luis Felipe Salomão, Ricardo Villas Bôas Cueva e Ana Frazão, coordenação. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, pp. 414-415).
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*Felipe Bastos é advogado, Mestre em Direito (LL.M.) pela University of Virginia School of Law, EUA. Pós-graduado (MBA) em Direito Securitário pela Escola Nacional de Seguros. Sócio do escritório Veirano Advogados. Coordenador nacional das áreas de Resolução de Conflitos e de Seguros.