Impactos da rigidez do Regime de Metas de Inflação brasileiro
Ideias e perspectivas acerca do Regime de Metas de Inflação brasileiro e uma visão de como o regime é aplicado em outros países.
segunda-feira, 31 de agosto de 2020
Atualizado em 1 de setembro de 2020 09:01
Existe uma concordância no Brasil que o Regime de Metas de Inflação (RMI) deve ser rígido para ter credibilidade. Entretanto, isso nem sempre é uma realidade para os países que adotam esse tipo de regime no mundo. Vejamos algumas ideias a esse respeito.
Regime de Metas de Inflação ao redor do mundo
O regime de metas de inflação é um sistema de política monetária adotado por diversos países e surgiu como modelo alternativo aos demais regimes monetários - câmbio fixo ou meta de agregado monetário - de modo a atuar como uma âncora nominal para a inflação e para as expectativas inflacionárias. O sistema teve início em 1990 na Nova Zelândia e o Canadá foi o primeiro país a seguir este modelo, cerca de um ano depois. Trata-se de um modelo de determinação da taxa interna de juros.
Durante a década de 1990, o Regime de Metas de Inflação (RMI) passou a ser utilizado pelos países que objetivavam atingir a estabilidade de preços, extinguir os obstáculos gerados pelo viés inflacionário, obter maior transparência na política monetária e, com isso, gerar credibilidade para a autoridade monetária. O modelo é baseado na adoção de uma meta para a taxa de inflação, na posterior divulgação à sociedade e no controle da taxa nominal de juros para manter a inflação no nível pré-determinado e controlar a demanda. Esse processo tem efeito no curto prazo e essas metas podem coordenar a formação de expectativas inflacionárias dos agentes e a fixação de salários e preços, atuando, assim, como uma âncora nominal.
O cumprimento das metas de inflação, faz com que se reduz a incerteza dando credibilidade autoridade monetária incerteza, o que facilitaria os investimentos e o crescimento econômico.
De acordo com Mishkin (2000), as metas inflacionárias devem englobar cinco principais elementos: 1) o anúncio público de metas numéricas de médio prazo para a inflação; 2) um compromisso institucional com a estabilidade de preços como meta primordial da política monetária, à qual outros objetivos estão subordinados; 3) uma estratégia de informação inclusiva na qual muitas variáveis, e não apenas agregados monetários ou a taxa de câmbio, são usadas para decidir a definição de instrumentos de política; 4) aumento da transparência da estratégia de política monetária por meio da comunicação com o público e os mercados sobre os planos, objetivos e decisões das autoridades monetárias; e 5) responsabilização e prestação de contas dos bancos centrais pelo alcance ou não dos objetivos de inflação. O RMI deve possuir mecanismos capazes de manter intacta a credibilidade da Autoridade Monetária, reduzindo os custos impostos pelas políticas de juros sobre a dívida pública e crescimento.
Entretanto, existem outras características que um RMI seja efetivo e não comprometa o crescimento econômico de países que desejam atingir o "catching up" das economias desenvolvidas.
No caso brasileiro, o regime possui mais de vinte anos e continua rígido, o que gera maior custo para dívida pública e compromete em parte o crescimento econômico. Mas será que a rigidez prevalece também nas principais economias desenvolvidas que o adotam?
Características do Regime de Metas de Inflação em alguns países selecionados
Desde a década de 1990, diante dos desafios e problemas acumulados em um contexto interno de preços rígidos e taxas de câmbio flutuantes, a adoção do Regime de Metas de Inflação tornou-se uma alternativa atrativa para a busca da estabilidade de preços por países desenvolvidos e em desenvolvimento, como por exemplo, Nova Zelândia, Brasil Canadá, Austrália, África do Sul, Estados Unidos, mais recentemente a Índia (2016) etc. Vejamos as características dos Regimes de Metas de Inflação desses países para podemos entender que a adoção de regras rígidas RMI pelos países em desenvolvimento não é a regra para os países centrais para se ter credibilidade e permitir o crescimento sustentável.
Nova Zelândia
A Nova Zelândia foi o país pioneiro na adoção do (RMI) em 1990, e sua implementação foi precedida por uma série de dificuldades econômicas e fiscais, como aumento de gastos e déficits públicos e baixo crescimento econômico.
A política de metas de inflação do Reserve Bank da Nova Zelândia é caracterizada por ser cada vez mais flexível. No início, o foco era reduzir a inflação.
Como o sucesso foi alcançado ao longo de três décadas com a queda da inflação, houve mudanças e hoje se propõe que o foco seja o emprego. Atualmente: o RBNZ adota horizontes de tempo muito flexíveis para seus objetivos, permitindo que sejam facilmente cumpridos.
Meta: entre 1% e 3% (Figura 1). Taxa de Inflação da Nova Zelândia de Longo Prazo (Figura 2).
Canadá
Em 1991, o Canadá decidiu adotar o Regime de Metas de Inflação. Como resultado, em 26 de fevereiro daquele ano, foram anunciadas metas formais até o final de 1995 para reduzir a inflação e estabelecer a estabilidade de preços no Canadá.
O Banco do Canadá (2017) estabeleceu uma meta de 1 a 3%, medida pela variação de 12 meses no IPC total . A inflação medida foi baseada no núcleo da inflação: o núcleo do IPC. O Canadian Core CPI exclui do Índice de Preços ao Consumidor os oito itens mais voláteis e os efeitos da variação dos impostos indiretos sobre os outros componentes.
Além disso, como complemento à implementação do regime, o Banco Central utiliza um índice de condições monetárias (MCI), que é uma média ponderada da taxa de câmbio e taxa de juros, como meta operacional de curto prazo.
Houve a disposição de introduzir mais flexibilidade na estrutura política, operacionalizada como ajustes no horizonte de metas.
Motivo da flexibilização: o fato de o início e meados da década de 2000 ter assistido a uma firme ancoragem nas expectativas de inflação, apesar de diversos choques: 11 de setembro e recessão nos EUA (empresas .com) e alta dos preços das commodities (efeito China). Figura 3.
Austrália
A meta de inflação foi adotada pela primeira vez pelo Reserve Bank of Australia (RBA) em 1993. O objetivo era atingir uma taxa média de inflação a médio prazo de 2 a 3%. Especificou a meta com uma média de médio prazo, o que permitiu algum espaço para uma política anticíclica no curto prazo.
A meta de inflação é flexível no médio prazo, é um instrumento adequado para alcançar a estabilidade de preços e proporciona ao Banco flexibilidade para definir sua política de forma a atingir seus objetivos. Permite mais discrição (RBA, 2020). (Figura 4)
Estados Unidos da América
Em janeiro de 2012, o Federal Open Market Committee (FOMC) anunciou uma meta explícita de inflação de 2% ao público pela primeira vez em sua história.
A inflação estatística tem estado em níveis baixos nos últimos anos. Desde meados da década de 1990, a inflação permaneceu próxima a 2%.
De 2010 a 2016, ficou perto de cerca de 1,6%, abaixo da meta definida pelo FED (BOARD OF GOVERNORS OF THE FEDERAL RESERVE SYSTEM, 2017, apud MOURA, 202 181).
Brasil
Adotou o Regime de Metas de Inflação (RMI) em 1999.
Antecedentes: apreciação da taxa de câmbio no início do Plano Real, provocando ataques especulativos recorrentes à moeda e contribuindo para o crescimento dos déficits comerciais e situações de fragilidade externa, no período 1995-1998. E, no início de 1999, não era mais possível manter a estrutura da política de estabilização implementada, visto que a crise cambial em que o Brasil estava inserido era muito profunda. Desde então, o país adotou o regime de câmbio flutuante e resultou em uma desvalorização considerável da taxa de câmbio, o que impactou a inflação (BANCO CENTRAL DO BRASIL, 2017).
Índia
A Índia em 2016 consolidou como lei a prática de metas de inflação e criou um comitê de política monetária, reformulando um sistema anterior em que o governador tinha a palavra final sobre as taxas de juros. A estrutura obriga o RBI a manter a inflação de preços ao consumidor em 4%, enquanto permite que a taxa flutue em uma faixa de 2% a 6%.
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*Mauricio Martinelli Luperi é mestre e graduado em Economia pela USP, doutorado em Economia de Empresas pela FGV-SP. Com experiência na área de economia, leciona as disciplinas de Economia Política, Introdução à Economia, Macroeconomia, HPE e Economia Internacional. Professor na LEPHS.