Casamentos e divórcios em época de isolamento social e a necessidade do Direito se adequar ao tempo
Não são poucos os números de casamentos que foram adiados de forma indefinida em razão da crise sanitária que enfrentamos. Só em São Paulo, houve queda de 49% em relação ao número de casamentos celebrados, entre 20 de março e 30 de julho de 2020, em relação ao mesmo período no ano anterior.
quinta-feira, 27 de agosto de 2020
Atualizado em 15 de outubro de 2020 09:01
As normas jurídicas que permeiam as legislações de cada país foram construídas após diversos marcos históricos que ensejaram a necessidade de se fincar condutas aos seus cidadãos. Embora as raízes de algumas dessas normas são bastante longínquas, como a idealização da democracia na Grécia Antiga ou a instituição do consentimento para a realização do casamento durante a Idade Média, o Direito está distante de ser uma ciência estática e deve caminhar junto ao tempo, e não permanecer estagnado.
A partir dessa premissa, as instituições públicas brasileiras precisaram se adaptar à atual situação de isolamento social que obsta a realização de diversos atos da vida civil ao cidadão. O Conselho Nacional de Justiça - CNJ, órgão administrativo máximo do judiciário brasileiro, no sentido de garantir direitos básicos de acesso à justiça, à jurisdição e à consagração de atos jurídicos à população brasileira, através de sua Corregedoria Nacional, publicou diversas normativas para permitir a execução dos serviços judiciais e extrajudiciais remotamente.
O CNJ buscou, nesse sentido, adaptar-se à realidade em que se encontra, onde o amplo desenvolvimento tecnológico pode ser aliado não só da aplicação do direito, mas também da construção do direito.
Já no início da publicação do decreto 6, de 20 de março de 2020, que reconheceu a ocorrência de estado de calamidade pública decorrente da pandemia de coronavírus, o referido órgão garantiu a continuidade dos serviços extrajudiciais, através de atendimento de plantão a distância, e com o auxílio dos meios eletrônicos já disponíveis e em funcionamento em cada especialidade de serviços extrajudiciais, atualmente geridos pelas centrais.1
Novas normativas foram sendo publicadas de modo a proporcionar o acesso aos serviços dos cartórios remotamente pelos seus usuários. Acelerou, inclusive, a disseminação dos serviços propiciados pelas centrais eletrônicas relativas às atividades notariais e registrais, sendo um exemplo destacável a publicação do provimento 100, pela Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça, que instituiu o sistema e-notariado. A partir dele, houve a facilitação da celebração dos mais diversos atos por meio de videoconferência. O divórcio consensual é um dos maiores exemplos.
Mesmo diante de período extremo, alguns movimentos da vida cotidiana, que representam até mesmo grandes decisões, tiveram sua garantia propiciada.
Ainda que fora da normalidade, o direito e a tecnologia auxiliaram que em algumas situações, a vida continuasse, algo que em outros tempos pouco seria possível.
Por outro lado, a celebração da união entre duas pessoas, de início, foi um dos marcos afetados mais significativamente.
Não são poucos os números de casamentos que foram adiados de forma indefinida em razão da crise sanitária que enfrentamos. Só em São Paulo, houve queda de 49% em relação ao número de casamentos celebrados, entre 20 de março e 30 de julho de 2020, em relação ao mesmo período no ano anterior.2 Porém, nem todos os casais, por diferentes razões, podem esperar outro momento para consagrar sua união.
Algumas instituições locais se adiantaram quanto a essa questão.
A Corregedoria Geral da Justiça de Alagoas, em 15 de abril de 2020, publicou o provimento 15, autorizando o casamento civil no estado através de videoconferência, desde que em comum acordo entre o Magistrado e o Oficial do Registro, através dos aplicativos Google HangoutsMeet ou whatsapp, com a presença dos nubentes e de duas testemunhas (art. 2º, caput e inciso II).
Nesse caso, os próprios cartórios de registro civil são os responsáveis por proporcionar o atendimento e utilizar as plataformas digitais sugeridas e já existentes.
Em Minas Gerais, de modo semelhante, a Corregedoria-Geral de Justiça do Estado publicou a portaria 6.405, de 15 de abril de 2020, que instituiu projeto-piloto com o objetivo de averiguar a viabilidade da celebração de casamento através dos meios eletrônicos. Após resultado positivo, o órgão acabou estendendo tal opção para o interior de Minas Gerais, já que o projeto-piloto compreendia apenas algumas serventias de Belo Horizonte, capital do Estado.
Mesmo fora do Brasil, o resto do mundo tem se adaptado às restrições atuais. Cada lugar, de acordo com suas peculiaridades, buscam tornar possível um dos atos mais significativos e que mais promove efeitos jurídicos, que é o casamento. Em Nova York, seu governador, Andrew Cuomo, também autorizou que os incumbidos legais realizem cerimônia de casamento e que sejam expedidas licenças de casamento de forma remota.3
As iniciativas aqui expostas são exemplos do direito seguindo o avanço e as preocupações da sociedade. Mais do que prever conflitos e regular relações jurídicas, o direito deve ser, antes de tudo, a porta de entrada, ou melhor, o verdadeiro meio para a consecução de cidadania. Em cada lacuna que encontrar, ou oportunidade de garantir direitos fundamentais, as instituições públicas e o legislativo brasileiro devem agir para que o cidadão seja amparado.
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1 Os Provimentos nº 94 e 95, ambos de 2020, foram os primeiros a tratar sobre o funcionamento dos cartórios durante a pandemia de coronavirus.
2 Fonte: Clique aqui. Acesso em: 21 de agosto de 2020.
3 Fonte: Clique aqui. Acesso em: 21 de agosto de 2020.
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*Maria Luiza Xavier Lisboa é bacharel em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Especialista em Direito Constitucional e Administrativo pela Escola Paulista de Direito - EPD em conclusão. Advogada do escritório Celso Cordeiro & Marco Aurélio de Carvalho Advogados.
*Rachel Leticia Curcio Ximenes é bacharel em Direito pela PUC/SP. Mestra e doutora em Direito Constitucional. Presidente da Comissão Especial de Direito Notarial e Registros Públicos da OAB/SP - Ordem dos Advogados do Brasil, Seção São Paulo. Advogada sócia do escritório Celso Cordeiro & Marco Aurélio de Carvalho Advogados.
*Tiago de Lima Almeida é bacharel em Direito pela PUC/MG. Pós-graduado em Direito Tributário. MBA em Gestão Tributária. Mestre em Direito Constitucional. Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Notarial e Registros Públicos da OAB/SP - Ordem dos Advogados do Brasil, Seção São Paulo. Advogado do escritório Celso Cordeiro & Marco Aurélio de Carvalho Advogados.
*Marco Aurélio de Carvalho é bacharel em Direito pela PUC/SP. Especialista em Direito Público. Associado fundador da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD). Sócio e fundador do escritório Celso Cordeiro & Marco Aurélio de Carvalho Advogados.