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O instituto do juiz de garantias e a distribuição por prevenção: Breves reflexões

O juiz de garantias tem por objetivo separar a figura do magistrado que toma contato com os atos investigativos pré-processuais, como interceptações telefônicas, escutas ambientais, buscas e apreensões, cautelares reais e prisões, daquele que efetivamente julgará o mérito da ação penal.

segunda-feira, 10 de agosto de 2020

Atualizado às 09:14

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Incluído no Código de Processo Penal pela lei 13.964/19, mas suspenso liminarmente pelo ministro Luiz Fux no bojo da ADIn 6.2986.299, 6.300 e 6.305, o instituto do juiz de garantias tem sido tema de caloroso debate. Se, de um lado, sua previsão foi brindada como instrumento necessário para garantir a imparcialidade objetiva do julgador, por outro não foram poucas as manifestações trazendo possíveis implicações práticas para sua efetivação (todas aparentemente contornáveis, mas que não serão objeto desse breve artigo).

Em síntese, o juiz de garantias tem por objetivo separar a figura do magistrado que toma contato com os atos investigativos pré-processuais, como interceptações telefônicas, escutas ambientais, buscas e apreensões, cautelares reais e prisões, daquele que efetivamente julgará o mérito da ação penal. Feito desse modo, afasta-se o juiz que assumiu o protagonismo durante a fase de investigação, e que está contaminado com aquilo que conheceu, daquele que sentenciará o feito após o devido processo legal.

Longe de pretender exaurir o debate, mas questão interessante parece surgir quando analisada a necessária compatibilização do juiz de garantias com a competência por prevenção nos Tribunais que são instados a se manifestar sobre a legalidade dos atos praticados em um momento pré-processual por meio de ações autônomas de impugnação, tal qual o Habeas Corpus e o Mandado de Segurança, e que posteriormente julgarão eventual recurso de apelação.

Vejamos um exemplo prático: em razão de sucessivas prorrogações de períodos de interceptação telefônica, a defesa faz uso de Habeas Corpus para questionar, perante o Tribunal competente, eventual ilegalidade nas decisões proferidas pelo juiz de garantias. O Tribunal aqui toma contato com as questões processuais e, inevitavelmente, com a prova produzida, ainda que em menor profundidade.

Distribuído a ação mandamental para uma Câmara ou Turma, ela permanecerá preventa para o julgamento de mérito, por força do art. 83 do Código de Processo Penal (e de dispositivos em Regimentos Internos compatíveis com ele). A questão é: esse contato anterior com a causa também não contamina o julgador?

Em um primeiro momento, nos parece que sim.

Ainda que se diga que o julgador de segundo grau não atua como juiz instrutor (excluído aqui a hipótese de competência originária), é certo que toma contato com as decisões proferidas durante investigação e com aquela prova ali produzida.

Ao reanalisar o mérito da causa, já terá atestado a legalidade dos atos investigativos praticados que podem estar sob questionamento da defesa em sede de apelação, e estará contaminado para enfrentar suas próprias decisões, sendo exatamente isso que o instituto de juiz de garantias pretende impedir.

Assim, ao menos em uma primeira análise, parece que melhor compatibilização com o instituto do juiz de garantias seria a necessária redistribuição livre do recurso de apelação, quando houver anterior distribuição de ação autônoma de impugnação, excluído aqui a possibilidade de distribuição ao órgão que atuou como juízo de garantias no Tribunal.

Desse modo, ficaria preservada a imparcialidade objetiva dos julgadores, na medida que um órgão julgador tomaria contato com as questões suscitadas anteriormente, e outra com o mérito da causa em sede recursal.

É certo afirmar que a legislação não previu como necessária essa redistribuição, e esse ponto demandará aprofundado debate acadêmico e os Tribunais. Para esse momento, além de levantar a questão, cumpre fazer votos para que o instituto do juiz de garantias passe logo a valer perante o território nacional.

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t*Enzo Vasquez Casavola Fachini é advogado criminalista e pós-graduado em Direito Penal Econômico pela Fundação Getúlio Varga. Sócio do escritório Fachini, Valentini e Ferraris Advogados.

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