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Qual o papel ético do advogado no mundo corporativo?

Você já parou para pensar pelo o que e por quem você despende a sua energia, o seu intelecto e as suas horas de trabalho? Existe responsabilidade corporativa no seu trabalho?

segunda-feira, 3 de agosto de 2020

Atualizado às 07:37

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Inquestionavelmente, estamos passando por um processo de ressignificação em nossa sociedade, o que não poderia deixar de atingir o nosso papel como advogados ou "operadores do Direito". Coloco "operadores do direito" entre aspas, pois o conceito de Direito, bem sabemos, não guarda necessariamente relação com justiça ou ética, já diziam as conceituadas e já conhecidas lições da filosofia jurídica. Nem tudo que é lícito é moral. Nem tudo que é moral, está comportado pela legislação também.

Partindo dessa premissa, como nós, que atuamos com Direito iremos considerar a nossa atuação profissional adstrita somente ao conceito de legalidade, tendo em vista que enfrentamos uma das maiores crises mundiais que afetam não só a economia e o método de trabalho que estávamos habituados, mas a nossa percepção e atuação moral diante de tudo isso?

Creio que a resposta a esse questionamento seja óbvia, porém, não simples de se colocar em prática.

Tomemos como exemplo a atuação de um advogado que defende os interesses de uma empresa, na qual um de seus sócios ou fundadores é preso em investigação que envolve corrupção com entes públicos. Qual o papel do advogado, neste caso? Simplesmente defender os interesses da empresa dentro da "legalidade"? 

Você irá prontamente refutar meu questionamento, argumentando que o mundo corporativo exige "sangue frio"e profissionalismo e não há espaço para o debate ético. Não só entendo esse posicionamento, como já passei algum tempo da minha vida profissional acreditando que esse era o único caminho. Mas não é.

Precisamos entender que as empresas possuem considerável poder de transformação em nossa sociedade, isso porque, os temas relacionados à ética corporativa e combate à corrupção não tiveram berço no setor público, mas sim no setor privado, que a partir dos anos 80, após alguns escândalos empresariais (especificamente nos EUA, como caso da empresa Enron), entenderam a necessidade de rever os comportamentos éticos de suas lideranças e processos internos de caráter moralmente duvidosos.

As empresas possuem papel determinante na reestruturação ética que tanto cobramos dos  nossos pares e dos nossos líderes públicos, mas que, quase que imperceptivelmente, nos contradizemos entre o que queremos e o que fazemos, no nosso dia a dia.

Participar de tais corrompidos mecanismos nos torna parte do todo, por isso, é impossível exigir moralidade e boas práticas de Governança Corporativa se coadunamos passivamente em nossa atuação profissional com posturas antiéticas e fraudulentas.

Você já parou para pensar pelo o que e por quem você despende a sua energia, o seu intelecto e as suas horas de trabalho? Existe responsabilidade corporativa no seu trabalho? Como disse, no início, é uma resposta óbvia, porém não fácil de ser digerida e praticada.

A autocrítica ainda continua sendo a alavanca essencial para a transformação da sociedade e acreditar que a nossa participação em tudo isso é mínima, será de uma negligência sem precedentes, quando olharmos para trás.

Outro ponto que muito se debate é se a ética seria de fato rentável, pois, embora sejamos utópicos às vezes, vivemos em um mundo capitalista. Estudos (e a prática) comprovam que uma empresa que adota postura ética, além de ter uma significativa melhora reputacional, diminui os seus custos referente a gestão de controles e aumenta a produtividade dos colaboradores. Isso ocorre, porque se estamos envolvidos em algo que possui finalidade e meios éticos, nos envolvemos mais com o objetivo, a missão e os valores da empresa.

Não restam dúvidas de que as empresas atuam com o propósito de obter lucros, mas a finalidade não pode ser somente essa, pois ela corre um sério risco em galgar estratégias para obter somente esse resultado, fechando os olhos para questões relacionadas à moralidade, responsabilidade social e papel transformador perante à sociedade.

Como advogado, ou defensor do "Direito" precisamos observar com maior amplitude a nossa atuação. Fazer somente o que está de acordo com a lei, não significa necessariamente que estamos sendo éticos e precisamos, urgentemente, como detentores do saber jurídico, portanto, mais privilegiados do que a maioria da nossa população brasileira, que infelizmente amarga no campo educacional e moral, algumas vezes por falta de acesso financeiro, por falta de tempo, por falta de conhecimento ou por falta de vontade mesmo, em alguns casos, tomarmos a frente dessa reestruturação de valores que tanto almejamos.

Não podemos nos esquecer da motivação que nos fez querer estudar Direito e atuar no ramo jurídico. Provavelmente, a grande maioria (me incluo nessa) iniciou essa jornada acreditando se poder fazer justiça. Entendemos, também, a duras penas, que justiça não tem o mesmo significado que Direito. Então, deixo esse questionamento: por que nos perdemos nesse caminho? Existe alguma forma de retomarmos ao nosso status quo de estudantes, que acreditamos um dia que poderíamos transformar o mundo?

Não há uma resposta definitiva, mas suspeito que um dos caminhos seja praticar a ética em nossa vida pessoal e principalmente profissional, pois os reflexos de nossos atos, como defensores das leis, ocupa, neste momento mais do que nunca, um protagonismo que tem o poder de alcançarmos uma realidade muito melhor do que estamos vivendo.

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*Juliana Bernardo é advogada empresarial e professora de Governança Corporativa, tendo em seu histórico profissional a atuação em estruturação de Contencioso e Governança Corporativa em escritórios e empresas de grande porte nacional.

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