A regulamentação da Análise de Impacto Regulatório: como ir além das boas intenções?
Somente com uma política de valorização do serviço público será possível ir além das boas intenções a fim de possibilitar a efetiva análise de impacto regulatório e a transposição de pressões políticas inerentes a elaboração das leis.
segunda-feira, 27 de julho de 2020
Atualizado às 08:09
A Análise de Impacto Regulatório (AIR) está na ordem do dia e foi contemplada em duas recentes legislações que estabelecem a liberdade econômica e o livre comércio, bem como a gestão, a organização, o processo decisório e o controle social das agências reguladoras, conforme se verifica nos artigos 5º da lei 13.874/191 e 6º da lei 13.848/192, respectivamente.
É com esse espírito que o decreto 10.411/20 dispõe sobre o seu conteúdo, quesitos mínimos, hipóteses obrigatórias e dispensáveis, consolidando critérios (metodologias específicas) para a elaboração de indicadores que sejam capazes de medir os prováveis efeitos dos atos normativos, de modo a verificar a razoabilidade de sua proposição ou de sua revogação, subsidiando a tomada de decisões para o enfrentamento do problema regulatório identificado.
O decreto que regulamenta a implementação da análise de impacto regulatório (AIR) prevê a observância de uma série de metodologias quantitativas, como a análise multicritério, de custo-benefício, de custo-efetividade, de custo, de risco, de risco-risco ou de qualquer outra que seja mais adequada para a resolução do caso concreto, essa última desde que justificada.
Não há dúvida quanto à importância da análise prévia de impacto regulatório de atos normativos e do avanço legislativo ao se buscar conscientizar à sociedade dos impactos negativos que podem advir de uma equivocada intervenção em qualquer setor econômico e, notadamente, o regulado, que é permeado por falhas de mercado. Também é inegável que uma análise prévia que comprove os impactos positivos dos atos normativos ou os benefícios de sua revogação dará muito maior segurança às autoridades públicas para a tomada de decisões.
No entanto, é fundamental que a novel legislação alcance o seu propósito e não gere efeitos contrários ao que se objetiva e, por isso, devem ser feitas com parcimônia, sob pena, entre outras coisas, da elaboração de uma delas se contrapor a uma legislação já estabelecida ou de gerar restrições ao desenvolvimento da atividade econômica.
Os efeitos negativos advindos dos diplomas legais sobre a economia são interpretados como resultado da existência de falhas de mercado, que são, segundo a teoria de regulação econômica, todos os elementos que impedem que o setor afetado alcance o equilíbrio competitivo de mercado.
A literatura econômica trata a falha de mercado advinda das legislações como sendo uma das mais difíceis de serem solucionadas. A teoria econômica já se debruçou amplamente sobre a gênesis dessa falha de mercado, mas nada é mais contundente que a análise realizada pela Escola de Chicago, na década de 1970, a respeito do fato de que toda e qualquer impossibilidade de atingir o equilíbrio competitivo de mercado é resultado da existência do Estado e de suas normatizações. Para a Escola de Chicago, a legislação a ser implementada deve ser testada a fim de que se verifique os resultados efetivos desejados com a publicação do diploma legal.
No entanto, parafraseando a escola de Chicago, é importante que o decreto 10.411/20 não fique tão somente no campo das boas intenções, o que fará com que seja absolutamente necessário o fortalecimento dos quadros técnicos do Estado com um corpo de funcionários públicos valorizados, conferindo capacitação e estruturas de trabalho que permitam que essa análise de impacto regulatório perpasse a ideia de se ter somente um texto bem escrito, mas, de fato, seja revertida em resultados efetivos para a sociedade.
A inexistência de coerência entre a obrigatoriedade da análise de impacto regulatório e a ausência de estruturas no Estado para bem apresentá-las gera o receio de que essa nata legislação acabe por promover efeitos contrários aos almejados que se traduziria na inviabilização, por completo, da aprovação ou da revogação de atos normativos, dada a sua exigência prévia.
Somente com uma política de valorização do serviço público será possível ir além das boas intenções a fim de possibilitar a efetiva análise de impacto regulatório e a transposição de pressões políticas inerentes a elaboração das leis.
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1 Art. 5º Lei nº 13.874/19: As propostas de edição e de alteração de atos normativos de interesse geral de agentes econômicos ou de usuários dos serviços prestados, editadas por órgão ou entidade da administração pública federal, incluídas as autarquias e as fundações públicas, serão precedidas da realização de análise de impacto regulatório, que conterá informações e dados sobre os possíveis efeitos do ato normativo para verificar a razoabilidade do seu impacto econômico. (Regulamento)
Parágrafo único. Regulamento disporá sobre a data de início da exigência de que trata o caput deste artigo e sobre o conteúdo, a metodologia da análise de impacto regulatório, os quesitos mínimos a serem objeto de exame, as hipóteses em que será obrigatória sua realização e as hipóteses em que poderá ser dispensada.
2 Art. 6º da lei 13.848/19: A adoção e as propostas de alteração de atos normativos de interesse geral dos agentes econômicos, consumidores ou usuários dos serviços prestados serão, nos termos de regulamento, precedidas da realização de Análise de Impacto Regulatório (AIR), que conterá informações e dados sobre os possíveis efeitos do ato normativo.
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*Elvino de Carvalho Mendonça é consultor econômico do escritório Mendonça Advocacia e ex-conselheiro do CADE.
*Rachel Pinheiro de Andrade Mendonça é sócia do escritório Mendonça Advocacia.