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Holding familiar e os planejamentos sucessório e tributário

O princípio da autonomia privada, embora tenha sido relativizado ao longo do século XX, deve ser revisado e ganha importante relevo no Direito Empresarial. Um dos mecanismos relevantes para a realização de planejamentos é a constituição de holding familiar.

sexta-feira, 24 de julho de 2020

Atualizado às 08:23

Ao longo do século XX, o Direito Privado vem se submetendo a uma maior intervenção do Estado na regulação, mediante leis, de assuntos de relevante interesse social (exemplo: CLT, lei de locação, lei de incorporação imobiliária, código do consumidor, lei de planos de saúde), o que exige uma revisão da autonomia privada.

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Nada obstante, uma tendência atual do Direito Empresarial é o fortalecimento do princípio da autonomia privada, entendido como o direito de que o particular possui de regular, pelo exercício da sua própria vontade, as relações jurídicas de que participa, estabelecendo-lhes a disciplina de direitos e obrigações, tendo como fundamento o primado da liberdade individual de auto-regulação de interesses jurídicos com conteúdo patrimonial (cf. Francisco Amaral. Direito Civil. 6ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 341).

Diante da rapidez das relações econômicas em uma sociedade de massa e do crescimento do número de processos judiciais após a CF/88, a resposta do Poder Judiciário às demandas revela-se morosa, ineficiente e, em algumas circunstâncias, gravosa aos interesses dos particulares, sem falar na insegurança jurídica que proporciona a imprevisibilidade na compreensão do direito.

Neste contexto, avulta-se a importância da holding familiar como um dos mecanismos existentes de que o particular dispõe para regular o seu planejamento sucessório, entendido como um negócio jurídico voltado à regulação da antecipação de herança, de sorte a eliminar o processo custoso e moroso de inventário. Isto é, pela constituição da holding familiar o patrimônio passa a ser gerenciado e administrado por uma sociedade cujos sócios são os membros da família. E acaba por racionalizar a sucessão hereditária, mediante a divisão do patrimônio em vida, uma vez que as regras de divisão dos bens estarão definidas em contrato social, evitando angústias e prejuízos advindos da duração do processo de inventário.

A holding familiar consiste numa sociedade simples ou empresária, que é constituída com o objetivo de controlar o patrimônio de pessoas físicas de uma mesma família, podendo ser pura, quando criada para a administração de bens, ou mista, quando, além de controlar bens, exerce alguma atividade econômica. Entretanto, a holding familiar não se limita ao planejamento sucessório, mas também gera planejamento tributário e proteção patrimonial.

No planejamento tributário, o particular se vale de regras jurídicas lícitas para diminuir a sua carga tributária, sendo tal prática denominada de elisão fiscal. A diminuição da carga tributária se opera tanto na transmissão de bens imóveis da pessoa física para a sociedade, que é imune à incidência de imposto de transferência de propriedade imobiliária "inter-vivos" (ITIV), caso a atividade preponderante não seja a comercialização de imóveis, assim como no recebimento de rendimentos que é tributado por alíquota de 11,33% a, no máximo, 14,53%. Caso não opte por fazer o planejamento tributário, a tributação por ocasião da sucessão hereditária na transmissão de bens "causa mortis" (ITCD) tem alíquotas de 3% a 6%, e os rendimentos são tributados à alíquota de 27,5%. A tributação sobre a Holding Familiar é reduzida e, portanto, o lucro maior é distribuído entre os sócios, sem que haja a incidência de imposto de renda.

Na proteção patrimonial, a holding familiar se traduz num obstáculo legítimo que outorga blindagem aos bens da sociedade. Atualmente, a legislação prevê hipóteses em que os bens da pessoa física podem responder por atos praticados e por atividades econômicas de risco. Na holding familiar, os bens não são atingidos por atos estranhos às atividades desempenhadas pela própria sociedade, salvo abuso de direito ou fraude na própria sociedade.

Outra vantagem é que as quotas da sociedade transmitidas aos membros da família podem ser gravadas com as cláusulas da incomunicabilidade, impenhorabilidade, inalienabilidade e reversão, de modo, respectivamente, a proteger o patrimônio dos sucessores em face de casamentos, dívidas futuras, prodigalidade, e, caso o sucessor venha a falecer antes do genitor, as quotas retornam a este. Esta estrutura serve aos sócios, ofertando uma blindagem dos bens contra processos de divórcios, separações e uniões estáveis concomitantes aos casamentos.

Optando por constituir sociedade simples ou sociedade empresária limitada, os sócios podem ajustar a "affectio societatis", estabelecendo que terceiros somente podem ingressar na sociedade com a aprovação e o consentimento expresso de todos aqueles. Sem falar que, nas empresas familiares, que desempenham atividades econômicas, há a possibilidade de estabelecer regras quanto à administração da sociedade e à sucessão patrimonial, de sorte a favorecer o crescimento e a expansão dos negócios em família.

Infelizmente, muitos particulares não dão importância ao planejamento sucessório e, não raro, os herdeiros podem se deparar não apenas com litígios sobre a forma de divisão dos bens, com a necessidade de se submeterem a um processo de inventário custoso e moroso, e com à incidência de uma carga tributária maior. A holding familiar evita, pois, os conflitos familiares por ocasião da sucessão do genitor, exterioriza o exercício da autonomia privada, gerando um clima de segurança jurídica sem a interferência do Poder Judiciário (eliminação do processo de inventário), e implica diminuição lícita da carga tributária. A formatação do planejamento sucessório, mediante holding familiar, a definição do tipo societário, das regras de administração e de convivência entre os sócios dependerão de uma análise cuidadosa a ser efetuada por advogado da área capaz de examinar as circunstâncias, caraterísticas e objetivos para a sua constituição.

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*Gleydson K. L. Oliveira é advogado, mestre e doutor em Direito pela PUC/SP. Professor da graduação e mestrado da UFRN. 

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