Reforma Tributária do governo e criação da CBS na prática: Efeitos fiscais sobre as empresas
O projeto de lei pretende ser o primeiro passo do Governo em direção a uma proposta mais ampla de Reforma Tributária, que, além da unificação do PIS e da Cofins na CBS, pretende também reorganizar a tributação da renda e desonerar a folha de salários das empresas.
quinta-feira, 23 de julho de 2020
Atualizado às 07:57
Em 21 de julho de 2020, o Governo Federal apresentou ao Congresso Nacional o projeto de lei 3.887/20, que propõe a criação da Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS) e a concomitante extinção do PIS e da Cofins. São 131 artigos, dos quais 88 tratam do regime geral de incidência da CBS em relação às operações no mercado interno e na importação. Por outro lado, são revogados dispositivos de mais de 60 normas jurídicas. Trata-se de louvável simplificação em termos de texto legislativo.
O projeto de lei pretende ser o primeiro passo do Governo em direção a uma proposta mais ampla de Reforma Tributária, que, além da unificação do PIS e da Cofins na CBS, pretende também reorganizar a tributação da renda e desonerar a folha de salários das empresas. Adicionalmente, o Governo promete apresentar projeto de lei para criação de um novo tributo sobre transações eletrônicas.
Entre os principais aspectos do projeto de lei estão, por exemplo, que a CBS incidirá apenas sobre a receita bruta da venda de bens, serviços e seus acréscimos, tais como multa e juros, o que nos leva a concluir que o projeto inclui na base de incidência da CBS apenas as receitas financeiras relativas a venda de bens e serviços, e deixa de fora as receitas de aplicações de renda fixa e variável, variações cambiais e hedge.
Além disso, a CBS não incidirá sobre lucros, dividendos, juros sobre o capital próprio (JCP), ganhos de capital e outras receitas que não guardem relação com operações com bens e serviços, tampouco sobre amostra grátis e bonificações, pois tais operações não geram receita bruta para as empresas.
Outro ponto a ser destacado é que a CBS excluirá de sua base o ICMS, ISS e a própria CBS destacados nas notas fiscais, o que nos leva a questionar as razões pelas quais o Governo, por questão de coerência, já não reconhece a exclusão desses tributos sobre o PIS e a Cofins e acata in totum o julgado do STF que decidiu que o ICMS destacado em nota fiscal deve ser excluído das bases dessas contribuições sociais.
A contribuição não incidirá sobre receitas de exportação e receitas de vendas de itens de cesta básica (arrolados no Anexo I do projeto) e terá alíquota básica única de 12% para todos os setores e produtos, tanto nas operações no mercado interno quanto nas importações. Apenas as instituições financeiras possuem alíquota diferenciada, que foi estabelecida em 5,8%.
Outra questão que vale destacar é que a CBS admitirá apenas o regime não-cumulativo, mantendo o regime cumulativo exclusivamente para as instituições financeiras e equiparadas. Por outro lado, os setores de combustíveis e cigarros terão regime diferenciado e monofásico, tendo sido os demais setores excluídos deste regime de incidência única, de forma que indústria, distribuidores e varejistas deverão realizar o crédito e débito da CBS (que passará a ser destacada em nota fiscal assim como os demais tributos sobre consumo, tais como ICMS, ISS e IPI) até a venda ao consumidor final. Assim, a não-cumulatividade da CBS será semelhante à do ICMS, admitindo o crédito da CBS destacada na nota fiscal de compra para abater a CBS destacada na nota fiscal de venda, sendo certo que a venda subsequente isenta ou não tributada pela CBS obrigada a pessoa jurídica a estornar o crédito da CBS da entrada, com exceção das a) operações de exportação, em que se busca sua desoneração completa, e b) das vendas para Zona Franca de Manaus (ZFM) e Área de Livre Comércio (ALC), por serem equiparadas a exportações de maneira pacificada em diversas decisões tanto do Supremo Tribunal Federal (STF), quanto do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
A CBS, tributo administrado pela Receita Federal, poderá ser compensada com outros tributos federais ou ressarcidos pelo contribuinte, sendo extintos após 5 anos de sua aquisição, e permitirá que eventual saldo credor acumulado na apuração mensal seja ressarcido trimestralmente para compensar quaisquer outros tributos federais. Cabe sublinhar, no entanto, que o projeto cria regra de prescrição do direito ao crédito após transcorridos 5 anos de seu nascimento, valendo a mesma regra para eventual saldo credor acumulado na apuração mensal, cujo ressarcimento trimestral passa a ser possível para compensar quaisquer outros tributos federais.
Os bens adquiridos de pessoas jurídicas optantes pelo Simples Nacional, com exceção das aquisições perante Microempreendedores Individuais (MEI), gerarão créditos para os adquirentes. Já os optantes do Simples, por sua vez, deverão destacar nos documentos fiscais emitidos (conforme regulamentação a ser emitida pelo Comitê Gestor do Simples Nacional) o montante efetivamente cobrado do tributo.
A CBS será exigida na importação de todos e quaisquer bens e serviços, sem exceções, à alíquota de 12%, sendo admitido o crédito para abater as operações subsequentes tributadas.
Uma vez aprovado o projeto de lei e publicado no Diário Oficial, é proposta uma vacacio legis de 6 meses para a CBS entrar em vigor e, a partir do início da vigência, eventual saldo credor de PIS e Cofins poderá ser ressarcido para compensar o débito da CBS, e as devoluções de bens admitirão a tomada de crédito da não-cumulatividade da CBS em valor idêntico ao PIS e à Cofins calculadas na venda original.
Em que pese ter sido submetido ao Congresso Nacional, este projeto de lei ainda será debatido e sofrerá emendas, alterações, ajustes até ser definitivamente aprovado e promulgado, e sofrerá concorrência com as PEC 45 e 110 que já tramitam no Congresso desde 2019, mas a expectativa é que a proposta do Governo possa ser acoplada às PECs, a depender da evolução política em âmbito federativo de Estados e municípios.
Não havendo consenso entre os entes federativos, o projeto de lei do Governo seria levado adiante para aprovação no Congresso Nacional, enquanto as PEC aguardariam melhor momento político.
Neste cenário, cabe um elogio à busca da neutralidade fiscal da CBS por meio de uma não cumulatividade plena e repasse integral do encargo financeiro para o consumidor final, bem como à tentativa de simplificação e unificação do PIS e Cofins, que favorecerá a economia. Contudo, afigura-nos elevada a alíquota de 12%. O setor de serviços, por exemplo, atualmente se submete a alíquotas de 3,65% (maior proporção) e 9,25% (menor proporção), de modo que o aumento da alíquota da CBS para 12% será nefasta para o setor. De igual forma, as mercadorias atualmente comercializadas com uma carga de PIS e Cofins de 9,25% passarão a suportar uma carga de CBS de 12%.
A não cumulatividade sem restrições é um corolário constitucional que deveria ter sido observado pelo PIS e Cofins desde seu início, não havendo razões para justificar a alíquota de 12% da CBS sob o argumento de que as empresas poderão apropriar mais créditos da não-cumulatividade. Ora, o que se pretendia em 2002 com o PIS e a Cofins não-cumulativos era exatamente essa não-cumulatividade plena, o que justificava na época o aumento da alíquota padrão do PIS e da Cofins de 3,65% para 9,25%. Parece-nos, portanto, em tudo oportunista o aumento da alíquota da CBS para 12%.
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*Bruno Henrique Coutinho de Aguiar é advogado tributarista sócio do escritório Rayes & Fagundes Advogados Associados.