Existe assédio moral no E-Sports?
O presente artigo visa abordar a existência da prática do assédio moral dentro do universo dos esportes eletrônicos.
terça-feira, 21 de julho de 2020
Atualizado em 22 de julho de 2020 09:37
Como é notório, o mundo está cada vez mais conectado com a internet, sendo que, com esse avanço tecnológico, os esportes convencionais passaram a adentrar um novo meio, saindo das quadras, ginásios e campos, se expandindo para um novo cenário, o dos jogos eletrônicos.
Assim, o eSports, termo mais utilizado mundialmente, ou seja, o esporte eletrônico, está em crescente ascensão e profissionalização, se tratando de competições disputadas por meio de games eletrônicos, sendo os jogadores atletas profissionais, vinculados a conceituadas equipes.
Há inúmeras competições, em relação aos mais diversos tipos de esportes, dentre as quais se destacam: League of Legendes, Counter Strike, Fifa, entre outros.
Em alguns países, o esporte eletrônico se encontra consolidado. Temos, a título de exemplo, os Estados Unidos, onde há, inclusive, a possibilidade dos jovens serem admitidos, nas universidades, a partir do desempenho destes nos esportes eletrônicos. Outro destaque é a China, que possui centros de desenvolvimento de cyber atletas.
A ascensão e relevância do eSports na atualidade se revela, inclusive, nas premiações pagas as equipes, quando campeã nas competições eletrônicas. A título de exemplo, no ano de 2.019, a Equipe Chinesa FunPlus Phoenix, venceu o torneio de mundial da League of Legends, disputado em Paris, na França, recebendo o montante de R$ 3.400.000,00 (três milhões e quatrocentos mil reais).
Atento a esta nova modalidade de esporte, o Brasil possui diversas equipes e competições de alto investimento. A título exemplificativo, temos a equipe do Flamengo, que além do time de futebol tradicional, possui um time de League of Legends, tendo, no ano de 2.019, se consagrado campeã do Campeonato Brasileiro de League of Legends, tradicionalmente conhecido como CBLOL, recebendo o importe de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais).
No entanto, no Brasil, não há, ainda, regulamentação específica referente à relação de trabalho havida entre os cyber atletas e suas equipes, estando estes sujeitos a práticas repressivas e humilhantes em suas prestações laborais, inclusive, ao assédio moral.
O assédio moral é um fenômeno que se caracteriza especificamente pela manipulação perversa de um indivíduo em relação ao outro, sendo que está prática é prolongada e reiterada. Esse fenômeno pode agregar o abuso de poder.
O assédio manifestasse por atos cruéis quase imperceptíveis. A vítima, inicialmente, julga o ato como irrelevante, uma brincadeira. Entretanto, devido à prática reiterada das humilhações o ato se mostra cruel e devastador.
Concretiza-se na exposição, repetitiva e prolongada durante a jornada de trabalho, a situações humilhantes com o escopo de aniquilar a dignidade do indivíduo através de atos e atitudes desmotivadoras consubstanciadas na degradação deliberada das condições de trabalho.
Qualquer atleta profissional, inclusive, os cyber atletas, no decorrer da relação laboral, pode ser vítima desse fenômeno, principalmente, aqueles que se diferenciam no aspecto profissional, físico ou psicológico.
Frisa-se, como requisito indispensável na tipificação do assédio moral laboral, a comprovação de atitude dolosa associada a uma conduta pessoal e reiterada entre pessoas que trabalham juntas, uma objetivando desestabilizar e aniquilar psicologicamente a outra.
Assim, o assédio moral pode ter como assediador:
- o superior hierárquico em relação ao subordinado, denominado vertical;
- o subordinado que o prática em desfavor do superior hierárquico, denominado ascendente;
- colega de idêntico grau na escala hierárquica, denominado horizontal;
- superior hierárquico e colega de idêntico grau na escala hierárquica conjuntamente, denominado misto.
Realizada as devidas considerações sobre a definição e características do assédio moral, é possível observar que, com o crescimento do eSports, as relações trabalhistas, entre os atletas e suas equipes, estão se tornando cada vez mais frequentes, estando referidas relações sujeitas a prática do assédio moral.
Com relação ao assédio moral vertical, aquele praticado pelo superior hierárquico (treinador, coordenador, investidor) contra o atleta, temos, a título de exemplo, quando o cyber atleta retirado de treinos individuais ou coletivos, deixando de receber orientações do técnico; ou quando há a retirada dos equipamentos do cyber atleta das salas de treinamentos, e este proibido de utilizar as dependências da equipe para realizar qualquer atividade.
Em relação ao assédio moral ascendente, ou seja, aquele praticado pelo atleta contra o superior hierárquico (treinador, coordenador, investidor), temos, a titulo de exemplo, quando os cyber atletas realizam boicotes aos treinos, críticas públicas em relação a qualidade do superior hierárquico e acusações infundadas.
No assédio moral horizontal, ou seja, entre profissionais de mesmo nível hierárquico, de atleta para atleta, ocorre, a título exemplificativo, quando, o assediador culpa sempre o mesmo atleta pelos jogos perdidos; faz críticas públicas em relação à qualidade do atleta assediado; faz piadas e ofensas constantes direcionadas apenas ao atleta assediado.
No que tange ao assédio moral misto, ou seja, entre níveis hierárquicos distintos e, conjuntamente, mesmo nível hierárquico, temos como exemplo: quando há críticas públicas, do treinador e dos demais atletas da equipe, em relação ao atleta assediado, bem como piadas e ofensas constantes direcionadas a este.
Conclui-se, portanto, que há assédio moral no eSports, prática esta que deve ser coibida amplamente, em virtude das consequências graves e muitas vezes irreversíveis, inclusive, suicídio do assediado, já havendo ações judiciais, em trâmite no Brasil, versando sobre o assédio moral no eSports.
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REFERÊNCIAS
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*Natasha Freitas Vitica é advogada. Pós-graduada, em Direito Material do Trabalho e Direito Processual do Trabalho, pela Universidade Gama Filho - RJ. Pós-graduanda, em Direito do Trabalho e Direito Previdenciário, pela Pontifícia Universidade Católica - PUC/MG. CEO, da Vitica e Lopes Sociedade de Advogados.
*Wilson Carlos Lopes é advogado. Pós-graduado, em Direito Tributário, pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários - IBET. CEO, da Vitica e Lopes Sociedade de Advogados.
*Matheus Francisco Salim de Freitas Vale é graduando em Direito, pela Instituição Toledo de Ensino - ITE. Estagiário, na Vitica e Lopes Sociedade de Advogados.
*Eduardo Lerin, graduando em Direito, pela Instituição Toledo de Ensino - ITE. Estagiário, na Vitica e Lopes Sociedade de Advogados.