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Home office: vantagens e desvantagens deste meio de trabalho que conquistou o mercado

Ricardo Calcini e Bruna Larissa Feitosa de Carvalho

Recomenda-se reflexão aos empregadores para a forma de implementação e manutenção desta modalidade após a pandemia.

segunda-feira, 20 de julho de 2020

Atualizado às 08:39

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É inegável que a pandemia ocasionada pelo novo coronavírus trouxe e trará consequências para a sociedade. Não apenas jurídicas, através das mais diversas decisões de tantas naturezas, mas também é certo que a vida em comunidade não será mais a mesma. Algo que foi diretamente tocado pela COVID-19 se refere ao mundo do trabalho: as empresas precisaram adaptar seus funcionários a uma nova rotina (para uma grande parcela, pelo menos), estabelecendo regime de home office e reuniões telepresenciais para que o negócio não paralisasse completamente.

Na tradução literal da língua inglesa para o português, "home office" é o trabalho em casa. Ou seja, este tipo de trabalho é realizado pelo empregado dentro de sua casa, remotamente. Não é algo novo, afinal, muitas empresas antes da pandemia oportunizam essa modalidade de trabalho aos seus funcionários, mas, com certeza, popularizou-se após todo o mundo ter sido colocado em xeque diante da impossibilidade de se estar reunido, por conta do alto índice de contágio e disseminação do novo coronavírus.

E não são poucos os benefícios do home office: diante da evolução dos meios de comunicação e do progresso da tecnologia foram criados dispositivos portáteis como notebooks, tablets, smartphones, além do desenvolvimento de aplicativos, meios de armazenamento, softwares e sistemas. Enfim, a inteligência artificial é um aliado do empregado que faz home office, fazendo com que este tipo de trabalho entre na casa das pessoas e permita que elas trabalhem precisando apenas de um sinal de internet.

Trata-se de uma alternativa mais barata para o empresário, que pode deixar de se preocupar com o local físico de trabalho e economizar este custo, podendo investir em outros campos da empresa. Fora que, se falarmos em cidades grandes do Brasil, como São Paulo e Rio de Janeiro, que têm quilômetros de congestionamentos todos os dias e transportes públicos lotados, há também o tempo perdido de deslocamento dos empregados, tanto de ida para o trabalho como de volta para casa, o que acarreta perda de tempo e produtividade, que pode ser compensada se o funcionário trabalhar de sua própria casa.

Porém, nem tudo são flores. Se levarmos em consideração que o trabalhador está em casa, em que pese ele possa ser mais produtivo, isso pode levar a mais horas de trabalho. Não é raro ouvir relatos de profissionais das mais diversas áreas alegando que trabalham além do expediente, incluindo finais de semana. Tal comportamento pode levar o empregado ao esgotamento mental, o que vai de encontro a produtividade esperada no home office.

Em matéria recente, a Revista Exame1 divulgou que, em 2017, quando os Estados Unidos realizaram o censo de sua população, somente 3% das pessoas afirmaram que trabalhavam majoritariamente em casa. Agora, com a pandemia, diante da obrigatoriedade de ficar em casa, as pessoas não veem a hora de voltar às suas rotinas normais (ou seja, o dia-a-dia dentro do escritório).

Vejamos o todo: não só as empresas tiveram que se adaptar a uma nova rotina, seguindo às orientações das autoridades de saúde, como também escolas, por exemplo, tiveram que se reinventar para que crianças e adolescentes não tivessem seu ano letivo prejudicado. Da mesma forma que os adultos, as crianças estão tendo aulas online, e pais estão virando tutores, pois a realização das tarefas, por vezes, necessita de supervisão. Suponhamos, portanto, que um casal de trabalhadores em regime de home office tenha um filho nestas condições. Ora, sabemos que crianças demandam atenção e cuidado, ainda mais nesta época em que elas estão forçadamente em casa, deixando de conviver com seus amigos e com bastante energia. Por certo, não deve ser fácil.

Ainda, há uma pressão feita pelo próprio trabalhador a ele mesmo com a necessidade de "mostrar serviço" ao patrão. De acordo com o jornal Folha de São Paulo2, demissões causadas pela pandemia já afetam 13% das famílias e 40% das empresas: ou seja, o medo de ser impactado economicamente pela pandemia aflige o empregado, que reage trabalhando cada vez mais. Unido a isso, o tédio e a falta do que fazer por se estar em casa leva também o funcionário a ficar muito mais horas conectado do que ficaria em uma situação normal.

Tais ponderações levaram à seguinte pergunta: pode ser considerado acidente de trabalho caso o trabalhador contraia Síndrome de Burnout (o esgotamento mental causado pelo trabalho) ocasionado pelo home office durante a pandemia? Sabe-se que o Tribunal Superior do Trabalho (TST) já considera o Burnout como doença ocupacional desde antes de a Organização Mundial de Saúde (OMS) considerá-la um fenômeno ocupacional, o que ocorreu em 20193. A decisão abaixo é de 2015:

REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS. SÍNDROME DE BURNOUT. DOENÇA OCUPACIONAL EQUIPARADA A ACIDENTE DE TRABALHO. VALOR ARBITRADO À CONDENAÇÃO. R$ 30.000,00 (TRINTA MIL REAIS), A TÍTULO DE DANOS MORAIS, REDUZIDO PARA R$ 10.000,00 (DEZ MIL REAIS) PELO TRIBUNAL REGIONAL. STRESS OCUPACIONAL E QUALIDADE DE VIDA NO TRABALHO. MAJORAÇÃO DEVIDA. R$ 60.000,00 (SESSENTA MIL REAIS). Dallegrave Neto define o burnout como "um esgotamento profissional provocado por constante tensão emocional no ambiente de trabalho", ocasionado por um sistema de gestão competitivo, com sujeição do empregado às agressivas políticas mercantilistas da empresa. Segundo Michael P. Leiter e Christina Maslach "a carga de trabalho é a área da vida profissional que está mais diretamente associada à exaustão. Exigências excessivas de trabalho provenientes da qualidade de trabalho, da intensidade dos prazos ou da complexidade do trabalho exaurem a energia pessoal" . Os autores também identificam que, do ponto de vista organizacional, a doença está associada ao absenteísmo (faltas ao trabalho), maior rotatividade, má qualidade dos serviços prestados e maior vulnerabilidade de acidentes no local de trabalho. A síndrome de burnout integra o rol de doenças ocupacionais do Ministério do Trabalho e Emprego. Está inserida no Anexo II do Regulamento da Previdência Social. O mencionado Anexo identifica os agentes patogênicos causadores de doenças profissionais ou do trabalho, conforme previsão do artigo 20 da Lei nº 8.213/91. Entre os transtornos mentais e de comportamento relacionados ao trabalho (Grupo V da CID-10) consta, no item XII, a síndrome de burnout - "Sensação de Estar Acabado (Síndrome de Burnout, Síndrome do Esgotamento profissional)" , que na CID-10 é identificado pelo número Z73.0. No caso específico dos autos, a gravidade do distúrbio psicológico que acometeu a reclamante é constatada pelas informações de natureza fática registradas no acórdão regional: longo período de afastamento do trabalho, com a concessão de benefício acidentário pelo INSS e o consumo de medicamentos antidepressivos, além de dois laudos periciais reconhecendo que a incapacidade laboral da autora é total, a doença é crônica e não há certeza sobre a possibilidade de cura. Por oportuno, este Relator já teve a oportunidade de se manifestar em matéria semelhante, em que se reconhece como passível de reparação por dano moral a exigência excessiva de metas de produtividade, isso porque o sentimento de inutilidade e fracasso causado pela pressão psicológica extrema do empregador não gera apenas desconforto, é potencial desencadeador de psicopatologias, como a síndrome de burnout e a depressão, o que representa prejuízo moral de difícil reversão ou até mesmo irreversível, mesmo com tratamento psiquiátrico adequado. Atenta-se ao fato de que, além da observância ao meio ambiente de trabalho seguro e saudável, conforme assegura a Constituição Federal de 1988, imprescindível considerar, ainda, que cada indivíduo deve ser respeitado em sua singularidade, daí a necessidade de se ajustar o contexto ocupacional à capacidade, necessidade e expectativas razoáveis de cada trabalhador. O Tribunal Regional de origem, ao fixar o valor da reparação por danos morais em R$ 10.000,00 (dez mil reais), não atentou para as circunstâncias que geraram a psicopatologia que acarretou a invalidez da reclamante, oriunda exclusivamente das condições de trabalho experimentadas no Banco reclamado, período em que sempre trabalhou sob a imposição de pressão ofensiva e desmesurada, com o objetivo de que a trabalhadora cumprisse as metas que lhe eram impostas. Portanto, cabível a majoração do valor da indenização por dano moral para R$ 60.000,00 (sessenta mil reais). Recurso de revista conhecido e provido. (TST - RR: 9593320115090026, Relator: José Roberto Freire Pimenta, Data de Julgamento: 29/04/2015, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 08/05/2015)4.

Ressalte-se que, além de ser necessário comprovar o nexo causal entre a moléstia e o trabalho, não se espera que as empresas, neste momento, sejam levadas a erro e voltem a operar fisicamente. É importantíssimo que toda a sociedade contribua ficando em casa, se puder, enquanto durar a pandemia. Os especialistas em saúde fazem recomendações a todo o tempo, e logo a volta ao trabalho acontecerá.

Em contrapartida, algumas empresas devem repensar suas decisões. Foi anunciado durante este período que algumas corporações farão home office até o final do ano; outras, para sempre. Deve-se refletir para verificar se este meio de trabalho, tão prático, é o ideal para o negócio. Se pensarmos em um acidente de trabalho ocasionado por Burnout, talvez, durante a pandemia, as decisões dos tribunais trabalhistas sejam flexibilizadas, pois os juízes não são obrigados a ficar adstritos ao laudo pericial. Porém, quando tudo isso passar, esta interpretação não será a mesma, o que pode alavancar o passivo trabalhista empresarial.

A par de todo o exposto, não importa o cenário, pois se deve lembrar também que o trabalho, assim como a escola, é um meio de socialização: alguns laços de amizade são criados durante o exercício das funções e são levados para toda a vida. Com a tecnologia, o afastamento é inevitável, o que pode levar à solidão. Ainda, as organizações modernas demandam um comprometimento do trabalhador, sendo o mais valorizado aquele que "veste a camisa" da empresa. Muito disso, vem do sentimento de pertencimento àquela organização e, consequentemente, ao ambiente. Lógico que o home office, em épocas normais, durante alguns dias da semana, é um ótimo benefício para o empregado. Todavia, recomenda-se reflexão aos empregadores para a forma de implementação e manutenção desta modalidade após a pandemia.

___________

*Bruna Larissa Feitosa de Carvalho é advogada graduada pela Universidade Tiradentes (UNIT/SE), pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e especialista em Gestão de Pessoas e Compliance Trabalhista pela Fundação Getúlio Vargas (FGVLAW-SP).

*Ricardo Calcini é palestrante e Instrutor de eventos corporativos pela empresa Ricardo Calcini | Cursos e Treinamentos, especializada na área jurídica trabalhista com foco nas empresas, escritórios de advocacia e entidades de classe. Membro do IBDSCJ, do CEAPRO, da ABDPro, da CIELO e do GETRAB/USP.

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