A não incidência do ICMS sobre a prestação de serviços de transporte de mercadorias destinadas ao exterior - Isenção prevista pela lei complementar 87/96
A isenção prevista pela LC 87/96 tem sido interpretada de forma equivocada por alguns Fiscos estaduais (a exemplo do Paraense e Tocantinense), principalmente no que se refere à prestação dos serviços de transporte.
segunda-feira, 20 de julho de 2020
Atualizado em 21 de julho de 2020 07:14
Com o objetivo de desonerar a exportação e tornar mais competitivo o preço de produto nacional em território estrangeiro, a Constituição Federal de 1998 (CF/88) assegurou a imunidade do ICMS às mercadorias destinadas à exportação e aos serviços prestados a destinatários no exterior, permitindo, ainda, que essa desoneração pudesse ter seu âmbito de aplicação ampliado por lei complementar. E, em linha com o objetivo constitucional, a Lei Complementar (LC) 87/96 elencou como não tributadas, as "operações e prestações que destinem ao exterior mercadorias, inclusive produtos primários e produtos industrializados semi-elaborados, ou serviços".
Não obstante a clareza do comando instituído pelo legislador complementar, a isenção prevista pela LC 87/96 tem sido interpretada de forma equivocada por alguns Fiscos estaduais (a exemplo do Paraense e Tocantinense), principalmente no que se refere à prestação dos serviços de transporte.
De acordo com o entendimento restritivo destas autoridades fiscais, apenas a prestação de serviço que efetivamente tenha por objeto o transporte de carga ao exterior poderia ser alcançada pela regra isentiva, estando excluídos os serviços de transporte prestados dentro do território nacional (por exemplo entre o estabelecimento do exportador e o Porto que realizará sua remessa ao território estrangeiro).
A interpretação em questão, contudo, revela-se equivocada, por desconsiderar completamente não só o texto legal como a intenção do legislador ao instituir referida norma isentiva.
Isto porque, além de o comando da LC 87/96 não fazer qualquer distinção entre o serviço de transporte realizado a partir do complexo portuário para o território estrangeiro e aquele feito entre o estabelecimento exportador e o terminal de embarque dos produtos exportáveis, do ponto de vista teleológico, é evidente que se a finalidade do benefício tributário instituído pelo Constituinte foi tornar o produto brasileiro mais competitivo no mercado internacional, não seria razoável entender pela possibilidade de tributação do transporte contratado para que a mercadoria chegue ao porto por meio do qual será exportada. Em outras palavras, tributar o transporte é o mesmo que tributar a própria operação de exportação.
Note-se, ainda, que a LC 87/96 deixa claro que não apenas as operações de exportação, mas também as operações anteriores que necessariamente integrem o processo de exportação, não constituem fato gerador do ICMS. Tanto é assim que não incide o imposto estadual na hipótese de saídas de mercadorias realizadas com o fim específico de exportação, destinadas à (I) empresa comercial exportadora, inclusive tradings ou outro estabelecimento da mesma empresa; e à (II) armazém alfandegado ou entreposto aduaneiro.
Assim, para aplicação do benefício tributário sobre a prestação de serviços de transporte de mercadorias, deve-se considerar o serviço como um todo, destinado a um único fim, qual seja, a sua exportação.
Evidentemente, se considerarmos as dimensões do território brasileiro, é comum que o transporte para o exterior seja implementado por etapas, com trocas de meios de transporte (veículos/barcos), até chegar ao seu destino final. Trata-se, ainda sim, de um único serviço de transporte, que se inicia no instante em que os produtos saem do estabelecimento exportador, pouco importando por quantos Estados transitarão ou mesmo se haverá alteração da empresa transportadora.
Em manifestação sobre o assunto, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ)1 confirmou a tese favorável aos contribuintes, afastando o raciocínio adotado pelas autoridades fiscais estaduais por entender que "se o transporte pago pelo exportador integra o preço do bem exportado, tributar o transporte no território nacional equivale a tributar a própria operação de exportação, o que contraria o espírito da LC 87/96 e da própria Constituição Federal".
Ainda assim, os Fiscos Estaduais têm insistido na exigência do imposto sobre tais serviços, com base no - falacioso - argumento de que o Supremo Tribunal Federal (STF) teria decidido de forma diversa do STJ, o que conforme se verá a seguir não se sustenta.
Primeiramente, não se pode deixar de destacar a confusão - por vezes proposital - realizada pelas autoridades fiscais entre os institutos da imunidade e da isenção, os quais, como se sabe, são fenômenos jurídicos distintos, embora apresentem consequências econômicas semelhantes. Como visto linhas acima, a desoneração do ICMS sobre os serviços de transporte decorre de lei complementar, tratando-se de clara isenção e não de imunidade. Bem por isso, a competência para dirimir conflitos sobre o tema é exclusiva do STJ, por se tratar de matéria infraconstitucional2.
De toda forma, na tentativa de justificar a exigência do ICMS sobre tais serviços de transporte, as autoridade fiscais utilizam-se com frequência de precedentes emanados pelo STF, os quais teriam decidido pela ausência de imunidade deste imposto estadual sobre os serviços de transporte3.
Os precedentes em questão, contudo, além de não terem apreciado o tema sob a ótica infraconstitucional, analisaram a temática com base na antiga redação do artigo 155, §2º, X, "a", da CF/88, isto é, antes de sua alteração pela emenda constitucional 42/03, que previa a imunidade do imposto exclusivamente às "operações que destinem ao exterior produtos industrializados, excluídos os semi-elaborados definidos em lei complementar".
Com a promulgação da EC 42/03, a imunidade, antes restrita aos produtos industrializados, foi estendida pelo Constituinte às mercadorias e serviços, caindo por terra o argumento de que a referida desoneração constitucional atingiria unicamente as operações que destinem ao exterior produtos industrializados.
Bem por isso, todos os precedentes da Suprema Corte que façam referência à restrição da imunidade aos produtos industrializados revelam-se absolutamente ultrapassados e inaplicáveis às operações realizadas após a EC 42/03.
E mesmo que o STF houvesse decidido pela inexistência de imunidade sobre os serviços de transporte levando em consideração a atual redação do artigo 155, §2º, X, "a", da CF/88 repise-se que a desoneração ora tratada decorre de Lei Complementar, de modo que eventual entendimento contrário da Suprema Corte - atualmente inexistente - não prejudicaria a isenção prevista pela legislação infraconstitucional.
Sob qualquer prisma que se analise a questão ora colocada, resta patente a inaplicabilidade do entendimento externado pelo STF nos referidos julgados ao tema da isenção do ICMS sobre os serviços de transporte de produtos destinados à exportação.
Vale mencionar, ainda, que em recente julgado o STF4 teve a oportunidade de se manifestar sobre a intenção do legislador constitucional ao imunizar as transações comerciais que envolvam vendas para o exterior, reconhecendo que as exportações indiretas realizadas por meio de tradings, por constituírem "operações-meio", integram a própria operação de exportação em sua essência.
Constata-se, desse modo, a preocupação da Suprema Corte em desonerar toda a cadeia produtiva exportadora, o que reforça a necessária interpretação teleológica defendida linhas acima, evitando-se a excessiva oneração do produto nacional a ser exportado.
Evidente, assim, que o entendimento restritivo adotados por determinados Fiscos Estaduais não pode prevalecer, cabendo ao Poder Judiciário zelar pela correta aplicação da desoneração prevista aos serviços de transporte sob análise, evitando-se o desnecessário encarecimento do produto brasileiro exportado.
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1 EREsp 710.260/RO, Rel. Ministra Eliana Calmon, Primeira Seção, julgado em 27/2/08, DJe 14/4/08.
2 Nesse sentido, inclusive, já decidiu o STF: RE 395195 AgR, Relator(a): Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, julgado em 13/8/13.
3 RE 196.527, relator min. Ilmar Galvão, 1ª turma, julgado em 6/4/99; RE 340.855, min. Ellen Gracie, 1ª turma, julgado em 3/9/02; RE 602.399 ED, relator min. Roberto Barroso, 1ª turma, julgado em 15/12/15.
4 Julgamento concluído em 12/2/20, em que foram analisadas a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) 4.735, ajuizada pela Associação do Comércio Exterior do Brasil (AEB) e o Recurso Extraordinário (RE) 759.244, interposto pela empresa Bioenergia do Brasil S/A
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*Celso Grisi é sócio da área tributária do escritório Tauil & Chequer Advogados.
*Thaís Abreu de Azevedo Silva é counsel da área tributária do escritório Tauil & Chequer Advogados.
*Isabella de Magalhães Castro Pacífico é colaboradora da área tributária do escritório Tauil & Chequer Advogados.