CGU regulamenta procedimentos para reabilitação de fornecedores inidôneos
A declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública é uma das sanções previstas pela inexecução do contrato, total ou parcial, ou em razão do cometimento de atos dispostos no artigo 88 da lei 8.666/93, como atos ilícitos visando a frustrar os objetivos da licitação.
sexta-feira, 17 de julho de 2020
Atualizado em 20 de julho de 2020 12:09
A Controladoria-Geral da União (CGU) publicou recentemente a portaria 1.214/20201 (portaria), que estabelece os requisitos necessários para reabilitação das empresas e pessoas físicas declaradas inidôneas por ato do ministro da CGU. A portaria, que entrou em vigor em 15.6.2020, regulamenta o artigo 87, inciso IV e § 3º, da lei 8.666/93.
A declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública é uma das sanções previstas pela inexecução do contrato, total ou parcial, ou em razão do cometimento de atos dispostos no artigo 88 da lei 8.666/19932, como atos ilícitos visando a frustrar os objetivos da licitação. De acordo com o Cadastro de Empresas Inidôneas e Suspensas (CEIS), existem 952 declarações de inidoneidade vigentes, que impedem pessoas físicas e empresas de firmarem contratos públicos no âmbito da Administração Pública3.
Segundo a portaria, os seguintes requisitos devem ser cumpridos pelo interessado na reabilitação pela CGU4, para voltar a licitar com o Poder Público:
(i) o transcurso do prazo de dois anos sem licitar ou contratar com a Administração Pública, a contar da data de publicação do ato que aplicou a sanção de declaração de inidoneidade;
(ii) o ressarcimento integral dos prejuízos e danos causados pela pessoa física ou jurídica, quando apontados pela Administração Pública, em decorrência de atos que justificaram a aplicação da sanção de declaração de inidoneidade; e
(iii) a adoção de medidas que demonstrem a superação dos motivos que levaram à punição, o que inclui a implementação e a aplicação de um programa de integridade.
Embora seja louvável a tentativa de esclarecer quais são os parâmetros a serem observados para a reabilitação, a legalidade da portaria é questionável, visto que seus dispositivos alteram e inovam consideravelmente o ordenamento jurídico. Como se sabe, o sistema jurídico brasileiro só aceita a criação e alteração de direitos e obrigações por intermédio de leis, sendo que as normas infralegais, como decretos, portarias e instruções normativas, por exemplo, só podem regulamentar os dispositivos legais.
Para analisar corretamente a portaria, faz-se necessário rememorar o disposto no artigo 87 da lei 8.666/1993:
Art. 87. Pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração poderá, garantida a prévia defesa, aplicar ao contratado as seguintes sanções:
(...)
III - suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, por prazo não superior a 2 (dois) anos;
IV - declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, que será concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes e após decorrido o prazo da sanção aplicada com base no inciso anterior.
Como se percebe, o inciso IV do artigo 87 da lei prevê expressamente uma alternância de hipóteses. A sanção referente à declaração de inidoneidade subsistirá (i) enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição; OU (ii) até que seja promovida a reabilitação, nos termos ali previstos.
Dessa forma, ao prever no inciso III do artigo 2º que a própria reabilitação requer a adoção de medidas que demonstrem a superação dos motivos que levaram à punição, a portaria cria uma relação de prejudicialidade entre as duas partes do inciso IV da lei e acaba por tornar o mecanismo de reabilitação inócuo. A única conclusão lógica é que nunca será necessária a reabilitação, pois necessariamente não existirão mais os motivos determinantes da punição, razão pela qual a inidoneidade não pode subsistir.
Mais grave, porém, são pelo menos duas inovações ao ordenamento jurídico trazidas pela portaria.
Em primeiro lugar, a reabilitação, nos termos da portaria, só será concedida pela CGU após o prazo de dois anos da data de publicação da sanção. Ocorre que, como já indicado acima, a lei 8.666/1993 estabelece que a reabilitação "será concedida sempre" após decorrido o prazo da sanção de suspensão temporária aplicada com base no inciso III do artigo 87. Ora, a suspensão temporária não é necessariamente de dois anos. Aliás, a punição não pode superar dois anos, o que significa que pode, e em muitos casos deve, ser inferior a esse prazo em função da severidade e dos potenciais impactos dessa penalidade. Assim, se a sanção de suspensão temporária for, por exemplo, de um ano, não há base legal ou mesmo lógica que justifique que a CGU prorrogue o prazo para dois anos para conceder a reabilitação. Em outras palavras, ainda que a declaração de inidoneidade estabeleça um prazo inferior a dois anos, a portaria estabelece que a penalidade deverá durar por dois anos, já que a reabilitação só ocorrerá após tal período.
Em segundo lugar, a lei 8.666/1993 deixa claro que a reabilitação será concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes e após decorrido o prazo da penalidade imposta. Não se trata de ato discricionário, mas vinculado. Portanto, não há dúvida de que a portaria 1.214/2020 extrapola o que determina a lei 8.666/1993 e inova ilegalmente ao estabelecer a necessidade de adoção de medidas que demonstrem a superação dos motivos que levaram à punição, incluindo a implementação e a aplicação de um programa de integridade.
Essa inovação é reconhecida pela própria CGU. No texto em que apresenta a nova norma, publicado no site da CGU, é estabelecido que "uma das novas exigências, por exemplo, é a implementação e aplicação de um programa de integridade pelo fornecedor apenado". Ora, a regulamentação não pode estabelecer nova exigência, principalmente diante do termo taxativo da lei 8.666/1993 estabelecendo os critérios que deverão ser observados sempre para a reabilitação. Uma inovação no ordenamento jurídico como aquela que a CGU buscou introduzir por portaria só pode ocorrer via regular processo legislativo.
Por todos esses motivos, e novamente sem desmerecer a importância do tema e da implementação de programas de integridade, a portaria é eivada de ilegalidades.
Por fim, vale destacar que a portaria, aí sim regulamentando devidamente a lei, estabelece os seguintes procedimentos a serem realizados para a reabilitação:
1. Protocolo do pedido de reabilitação, acompanhado de documentação que comprove o preenchimento dos requisitos perante a Corregedoria-Geral da União (CRG), que, por sua vez, processará a solicitação5;
2. Processamento do pedido pela CRG, que adotará as providências necessárias para a sua instrução, por intermédio da Diretoria de Responsabilização de Entes Privados (DIREP);
3. Encaminhamento do processo para a Diretoria de Promoção da Integridade (DPI), que terá competência para examinar o programa de integridade implementado pelo interessado;
4. Elaboração de análise técnica pela GRG, que conterá recomendação expressa sobre o deferimento ou indeferimento do pedido de reabilitação;
5. Remessa dos autos processuais à Consultoria Jurídica para parecer jurídico e
6. Remessa dos autos processuais ao Ministro de Estado da CGU para decisão final.
Caso a decisão final seja negativa, a portaria estabelece que caberá pedido de reconsideração. Além disso, novos pedidos poderão ser feitos a qualquer tempo, desde que fundamentados em provas ou fatos novos. A indicação de critérios e a clareza com relação ao procedimento de reabilitação certamente facilitarão os pedidos das empresas, embora convenha que a primeira parte da portaria seja revista para não resultar em questionamentos.
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I - tenham sofrido condenação definitiva por praticarem, por meios dolosos, fraude fiscal no recolhimento de quaisquer tributos;
II - tenham praticado atos ilícitos visando a frustrar os objetivos da licitação;
III - demonstrem não possuir idoneidade para contratar com a Administração em virtude de atos ilícitos praticados.
3 Dados disponíves aqui.
4 Tendo em vista que a portaria é um ato infralegal da CGU, ela só pode tratar da reabilitação no âmbito da Controladoria. Caso os requisitos previstos na Portaria venham a ser utilizados por outros órgãos, sem o respectivo dispositivo equivalente, os atos podem ser considerados ilegais.
5 Mais uma vez, é importante reiterar que tal procedimento só pode dizer respeito aos casos em que a declaração de inidoneidade tenha sido estabelecida pela CGU.
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*José Alexandre Buaiz Neto é sócio de Pinheiro Neto Advogados.
*Daniel Costa Rebello é sócio de Pinheiro Neto Advogados.
*Luana Graziela Alves Fernandes é integrante de Pinheiro Neto Advogados.
*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.
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