O direito à imagem e seus contornos na jurisprudência
A análise dos parâmetros que os tribunais têm seguido na proteção e mitigação do direito à imagem.
segunda-feira, 13 de julho de 2020
Atualizado às 11:45
O direito à imagem expressa a exteriorização da personalidade de um indivíduo. Sob o ângulo jurídico, não se restringe ao aspecto visual, mas abrange também toda exteriorização da personalidade, tais como gestos, voz, expressões e trejeitos. O direito à imagem é, pois, vinculado à personalidade, identidade e dignidade das pessoas, guardando, ainda, relação com sua intimidade e vida privada. Não pode haver dúvidas que se trata de direito fundamental com proteção constitucional (CF, art. 5°, X, o qual assegura expressamente a inviolabilidade da imagem das pessoas). A despeito do seu caráter de direito fundamental, e de ser expressão da dignidade humana, não se pode desconhecer que o direito à imagem não é absoluto e que existem situações em que é ponderado e mitigado, em decorrência de outras normas e valores constitucionais. Tampouco se pode desconhecer os reflexos patrimoniais do direito à imagem e a faculdade de autorização para produção e exploração da imagem. É flagrante a relação e tensão do direito à imagem com liberdade de informação/expressão, em seus múltiplos aspectos, como a divulgação publicitária.
No Brasil, o sistema de proteção à imagem se encontra sedimentado. É possível ter alguma dose de segurança em parâmetros a serem seguidos na proteção e mitigação desse direito. É firme a orientação pela qual, em se tratando de direito à imagem, a obrigação de reparação decorre do próprio uso indevido do direito, não havendo que se cogitar da prova de existência concreta de prejuízo ou dano (Súmula 403 do STJ). Sem embargo, atenua-se o direito à imagem em situações voltadas ao interesse geral (fins didáticos, científicos, jornalístico), no âmbito do espaço público, especialmente de pessoas que exerçam atividades públicas ou famosas, sempre se vedando o abuso (ilustrativamente, STJ, 4ª turma, REsp 1.594.865, rel. min. Luiz Felipe Salomão, por unanimidade, j. 18.08.17).
Com base nesses parâmetros, o STJ recentemente afastou a configuração de dano moral pelo uso, em campanha publicitária de automóvel, da imagem de torcedor, enquanto ele se encontrava no estádio assistindo à partida de seu time. Entendeu que não há que falar em violação à imagem, se não configurada a projeção, identificação e individualização da pessoa. O que se tinha na publicidade era o contexto de uma torcida, e não a individualização da imagem do torcedor (STJ, 3ª turma, REsp 1.772.593, rel. min. Nancy Andrighi, por unanimidade, j. 16.06.20). Aliás, ao afastar o pleito indenizatório, a decisão do STJ reafirma para fins publicitários o que o TJRJ já havia decidido para fins informativos, ao rejeitar pleito indenizatório de torcedor do fluminense, o qual, em foto tirada em estádio de futebol, estampou capa de jornal chorando, em decorrência da derrota do seu clube (TJ/RJ, 7ª câmara Cível, Ap. 69461-81.2005, rel. des. Maria Henriqueta Lobo, por unanimidade, j. 15.03.2007).
No âmbito do uso da imagem, como manifestação da liberdade de informação, é especialmente importante averiguar a pertinência da divulgação, a continência da narração e o dever de veracidade (melhor seria falar em dever de apuração - a jurisprudência norte-americana, sintomaticamente, impõe diferença de tratamento entre uso indevido para aqueles que exercem atividade pública, na qual o ofendido deve provar a actual malice, não bastando a negligência, da situação que não os envolva, em que basta a negligência em se apurar a verdade) (STJ, 3ª turma, REsp 1.382.680, rel. min. Nancy Andrighi, por unanimidade, j. 22.11.13). Pela pertinência da divulgação e interesse público, é que, por exemplo, o STJ afastou indenização por representação de imagem de jogador, terceiro coadjuvante, em representação cênica de jogada de futebol, no filme "Pelé Eterno" (STJ, 3ª turma, REsp 1.454.016, rel. min. Ricardo Villas boas Cueva, por maioria, j. 12.12.17).
Também em imagens captadas em espaço público se tem concedido maior amplitude à divulgação, desde que satisfeitos os requisitos de pertinência e continência acima expostos. Assim é que o STJ afastou indenização por divulgação pela imprensa de topless, praticado em local público (STJ, 4ª turma, REsp 595.600, rel. min. Cesar Asfor Rocha, por unanimidade, j. 18.03.04). Por outro lado, o STJ entendeu configurado o dano moral, em publicação por revista de fotografia de mulher, de forma individualizada, em ângulo provocante, de biquíni na praia, uma vez que o fato de estar em espaço público não autoriza a divulgação de sua imagem com conotação erótica (STJ, 4ª turma, REsp 1.243.699, rel. min. Raul Araujo, por unanimidade, j. 21.06.16). Conforme se pode perceber, a diferença entre os casos envolve a pertinência (interesse público) e continência do uso da imagem no espaço público.
Conforme já se pode intuir, o uso da imagem e sua eventual indenização não são infensos aos sujeitos envolvidos e ao meio em que é utilizado. A proteção a crianças e adolescentes, por exemplo, é especialmente vigorosa (Lei federal de n° 8.069/90, art. 17, e, ilustrativamente, STJ, 3ª turma, REsp 1.736.803, rel. min. Ricardo Villas Boas Cueva, por unanimidade, j. 28.04.20). Por outro lado, o uso de imagem de terceiros é mais tolerante em charges, em que se resguarda basicamente a imagem diante de fatos falsos (nesse sentido, por exemplo, é a jurisprudência norte-americana, no caso Falwell vs. Hustler Magazine, e o TJ/RJ, 3ª câmara Cível, Ap. 0000781-82.2017, rel. des. Mario Gonçalves, por unanimidade, j. 13.02.2019) (para a jurisprudência norte-americana, v. Luis Gustavo Grandinetti Castanho de Carvalho, Direito de Informação e Liberdade de Expressão. Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 1999, p. 41).
Em síntese, tem-se que a proteção à imagem tem assento constitucional no sistema jurídico brasileiro. A sua violação enseja dever de reparação pelo próprio uso indevido. E as circunstâncias do caso concreto, uso pertinente e continência da narração em que a imagem é usada, os sujeitos envolvidos, e meio empregado, são fundamentais para definir o uso abusivo ou não da imagem de terceiros no caso concreto.
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*Rodrigo Fonseca Alves de Andrade é advogado no escritório Alves Andrade & Oliveira Advogados Associados e mestre em Direito Público pela UERJ.