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Classificação e descarte das máscaras faciais de uso não profissional - Uma abordagem à luz das orientações da Anvisa e da normativa ambiental

De acordo com a Anvisa, as máscaras não profissionais atuam como barreiras físicas, diminuindo a exposição e o risco de infecção para a população em geral, fazendo o alerta de que as máscaras profissionais devem ter seu uso dedicado e exclusivo aos profissionais de saúde e pacientes contaminados.

sexta-feira, 10 de julho de 2020

Atualizado às 13:10

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O presente artigo passa longe da pretensão de endereçar todos os aspectos jurídicos que permeiam as circunstâncias trazidas pela covid-19. A presente abordagem não está imune ao avanço científico e às novas descobertas a respeito da doença, de modo que as orientações ora ventiladas atendem a um propósito específico e circunscrito ao momento de sua edição.

Com isso em mente, buscamos - em certa medida - trazer alguns esclarecimentos e uma opinião fundamentada a respeito do gerenciamento, classificação e descarte das máscaras faciais de uso não profissional, equipamento indispensável nas atuais circunstâncias de pandemia e à necessária manutenção do setor produtivo.

De acordo com as informações oficiais da Agência Nacional de Vigilância Sanitária1, com base no que a ciência conhece até o momento, o novo coronavírus (SARS-CoV-2) pode ser enquadrado como agente biológico classe de risco 3, seguindo a classificação de risco dos agentes biológicos, publicada em 2017 pelo Ministério da Saúde2, sendo sua transmissão de alto risco individual, e moderado risco para a comunidade. Desse modo, ainda de acordo com a Anvisa, todos os resíduos provenientes da assistência a pacientes suspeitos ou confirmados de infecção pelo novo coronavírus devem ser enquadrados no Subgrupo A13 de resíduos.

Esse tratamento de resíduos indicado, contudo, está relacionado apenas aos serviços de saúde.

Recentemente, a Anvisa publicou orientações gerais a respeito das máscaras de uso não profissional4. De acordo com a Agência, as máscaras não profissionais atuam como barreiras físicas, diminuindo a exposição e o risco de infecção para a população em geral, fazendo o alerta de que as máscaras profissionais (material médico cirúrgico industrializado) devem ter seu uso dedicado e exclusivo aos profissionais de saúde e pacientes contaminados. Por esses fatores, as máscaras de uso não profissional têm sido utilizadas pelos diversos setores produtivos.

Entretanto, à míngua de uma legislação clara ou orientações expressas dos agentes reguladores, somado à atual circunstância de incertezas científicas a respeito da covid-19, surgem dúvidas a respeito da forma adequada de classificação e descarte das máscaras de uso não profissional utilizadas fora dos ambientes de ensino, pesquisa ou atenção à saúde - se resíduos biológicos (Grupo A) ou comuns (Grupo D).

A resolução RDC/Anvisa 222, de 28 de março de 20185, classifica os resíduos de serviços de saúde do Grupo A como resíduos com a possível presença de agentes biológicos que, por suas características, podem apresentar risco de infecção. Por sua vez, os resíduos enquadrados no Grupo D são aqueles que não apresentam risco biológico, químico ou radiológico à saúde ou ao meio ambiente, podendo ser equiparados aos resíduos domiciliares. A mesma forma de classificação é vista na resolução CONAMA 358/056.

Até esse momento, portanto, vê-se que o cerne da questão sob exame está na verificação da existência do risco biológico nas referidas máscaras não profissionais descartadas, assim como na persistência do novo coronavírus como agente apto a trazer o risco biológico.

De acordo com a Fiocruz7, citando um estudo publicado no New England Journal of Medicine8, o novo coronavírus pode persistir por dias, a depender da superfície. Ao que se tem conhecimento, não há literatura científica que ateste o tempo máximo de persistência do novo coronavírus. Com isso, é razoável afirmar que não é sabido - com precisão médica e científica - o tempo máximo de persistência do novo coronavírus nas máscaras não profissionais para dimensionar o risco biológico.

Sem a certeza do risco biológico, como enquadrar, portanto, as máscaras de uso não profissional descartadas?

Para efeito da Política Nacional de Resíduos Sólidos9, os resíduos são classificados de acordo com a sua origem (domiciliares, limpeza urbana, saneamento básico, industriais, serviços de saúde, construção civil, etc.) e a sua periculosidade (perigosos ou não perigosos).

Para que um resíduo seja considerado perigoso, na acepção legal do termo10, ele deve apresentar características de inflamabilidade, corrosividade, reatividade, toxicidade, patogenicidade, carcinogenicidade, teratogenicidade e mutagenicidade, resultando em significativo risco à saúde pública ou à qualidade ambiental.

Uma ilação que se faz é a de que um resíduo pode possuir características de patogenicidade sem que a sua origem seja, necessariamente, de serviços de saúde. Parece-nos ser este o caso das máscaras de uso não profissional. Ainda que sua origem não guarde relação com serviço de saúde, o critério da periculosidade parece-nos razoável o suficiente para equiparar as máscaras de uso não-profissional - quando utilizadas por pessoas com suspeita ou certeza de contaminação pelo novo coronavírus - aos resíduos biológicos do Grupo A.

No âmbito da gestão integrada de resíduos sólidos, em conformidade com a Política Nacional de Resíduos Sólidos, deve-se levar em conta as atuais dimensões sociais trazidas pela pandemia e o uso eficiente das ferramentas de gestão. Não nos pareceria razoável, dentro desse contexto, enquadrar inadvertidamente todas as máscaras não profissionais descartadas como resíduos biológicos (Grupo A), havendo ou não no ambiente de trabalho pessoas com suspeita de covid-19.

A Confederação Nacional de Municípios - CNM divulgou11 as recomendações da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais - ABRELPE, para assegurar uma adequada gestão dos resíduos sólidos em tempos de pandemia.

De acordo com o texto orientativo, os resíduos sólidos contaminados ou com suspeita de contaminação por covid-19 gerados em unidades de atendimento à saúde, ou locais com grande concentração de pessoas infectadas (hotéis, navios, aeroportos, etc.), devem ser classificados como A1. Os resíduos devem ser acondicionados em sacos vermelhos, que devem ser substituídos quando atingirem 2/3 de suas capacidades ou, pelo menos, 1 vez a cada 48 horas, devendo ser identificados pelo símbolo de substância infectante, com rótulos de fundo branco, desenho e contornos pretos. Os sacos devem estar contidos em recipientes de material lavável, resistente à punctura, ruptura, vazamento e tombamento, com tampa provida de sistema de abertura sem contato manual, com cantos arredondados. Os sacos contendo tais resíduos devem ser objeto de coleta e transporte especializados para Resíduos de Serviços de Saúde - RSS, e submetidos a processos licenciados de tratamento, antes de sua disposição final. Essa é a mesma orientação da Anvisa e para a qual subscrevemos integralmente.

No que toca às orientações destinadas à população, a orientação da ABRELPE reside no descarte dos resíduos (aí inseridas também as máscaras de uso não profissional) no lixo comum, fazendo a ressalva para utilização de dois sacos plásticos resistentes e sobrepostos para as situações de confirmação para covid-19, ou em quarentena obrigatória.

Diante desse contexto ora apresentado, sugere-se, portanto, (I) a avaliação individualizada dos planos municipais de gestão integrada de resíduos sólidos e aderência dos procedimentos internos das empresas; e, (II) em adição às medidas de fiscalização e profiláticas adotadas (controle de temperatura dos colaboradores, disponibilização de álcool-gel, orientações a respeito da higiene, etc.), o acondicionamento isolado e em dois sacos plásticos resistentes e sobrepostos das máscaras de uso não profissional descartadas, enquadrando-as como resíduos classe D, e destinando-as à coleta municipal. Caso algum profissional do mesmo ambiente de trabalho apresente indício ou suspeita de contaminação pelo novo coronavírus, sugere-se que todas as máscaras de uso não profissional utilizadas por todos os colaboradores, tenham a classificação alterada para o Grupo A e passem à configuração de resíduo biológico.

Num breve resumo, temos que o cenário de incertezas trazido pela pandemia gera inúmeras dúvidas no plano social, econômico, político, científico e, também, legal. No universo desse último, com fundamento em normativa legal e infralegal, assim como em orientações dos agentes reguladores, permitimo-nos trazer estas ponderações e reflexões.

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1 Clique aqui, acessado em 07.07.20.

2 Clique aqui, acessado em 07.07.20.

3 Anexo I da Resolução RDC/Anvisa 222/18.

4 Clique aqui, acessado em 06.07.20.

5 Clique aqui, acessado em 07.07.20.

6 Clique aqui, acessado em 07.07.20.

7 Clique aqui, acessado em 07.07.20.

8 Clique aqui, acessado em 07.07.20.

9 Clique aqui, acessado em 07.07.20.

10 Art. 13, II, "a" da Lei Federal 12.305/10.

11 Clique aqui, acessado em 07.07.20.

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*Luiz Gustavo Escorcio Bezerra é sócio da Prática Ambiental de Tauil & Chequer Advogados.

*Jorge Tuffi Pasin Dib Cassab é advogado corporativo no setor de energia, especialista em meio ambiente.

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