Telemedicina - A nova lei decorrente da crise da covid-19
Durante este momento de crise a assistência médica remota é imprescindível para que, dentro das possibilidades inerentes a cada caso, o paciente seja atendido por equipe especializada e preparada, evitando o contato físico e propagação do contágio pelo novo coronavírus.
quarta-feira, 8 de julho de 2020
Atualizado em 9 de julho de 2020 08:48
A telemedicina foi aprovada na 51ª Assembleia Geral da Associação Médica Mundial em Tel Aviv, Israel, em outubro de 1999, através da Declaração de Tel Aviv, que dispôs sobre Responsabilidades e Normas Éticas na Utilização da Telemedicina.1
No Brasil, somente em 2002, através da resolução CFM 1.643, de forma insuficiente foi regulada, recebendo a seguinte definição2:
"Art. 1º - Definir a Telemedicina como o exercício da Medicina através da utilização de metodologias interativas de comunicação audiovisual e de dados, com o objetivo de assistência, educação e pesquisa em Saúde".
Posteriormente, em 2018, o Conselho Federal de Medicina publicou nova resolução que "Define e disciplina a telemedicina como forma de prestação de serviços médicos mediados por tecnologias", 2.227/183, contudo foi revogada pela resolução CFM 2.228/194.
Desta forma, com a revogação da resolução CFM 2.227/18, ocorreu repristinação de forma expressa, visto que restabeleceu a vigência da resolução CFM 1.643/02.
Em razão do momento histórico de batalha e combate ao contágio da covid-19, em 19.03.20, sob pressão, o Conselho Federal de Medicina oficiou ao Ministério de Estado da Saúde5, informando que para melhoria e aperfeiçoamento dos serviços médicos prestados, de forma excepcional enquanto durar a pandemia da covid-19, reconheceu-se a necessidade da prática da telemedicina, além do disposto na resolução CFM 1.643, para aplicação da teleorientação, telemonitoramento e teleinterconsulta.
Ato continuo, foi publicada portaria 467, de 20 de março de 2020, pelo Ministério da Saúde que "Dispõe em caráter excepcional e temporário, sobre as ações de Telemedicina, com o objetivo de regulamentar e operacionalizar as medidas de enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional previstas no art. 3º da lei 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, decorrente da epidemia de covid-19".6
A referida portaria validou o atendimento pré-clínico, suporte assistencial, consulta, monitoramento e diagnósticos, com garantia da integridade, segurança e o sigilo das informações. A finalidade principal é reduzir a propagação da covid-19 e proteger as pessoas, evitando o abandono médico dos pacientes que precisam de atendimento diversos, seja porque são portadores de doenças crônicas ou porque necessitam iniciar algum tratamento ou investigação de diagnóstico.
Os médicos utilizarão de assinatura eletrônica (certificado digital/ICP Brasil), para assinar as receitas e atestados, usando também dados associados e identificação, para confirmação da parte que receberá o documento.
Posterior a publicação da portaria do Ministério da Saúde, foi publicada lei 13.989, de 15 de abril de 2020, que autoriza o uso da telemedicina enquanto durar a crise ocasionada pelo coronavírus (SARS-CoV-2).
Contudo, conforme exposto acima, a telemedicina já havia sido autorizada pelo conselho de medicina, inicialmente pela declaração de Tel Aviv e no Brasil através da resolução CRM 1643, portanto, não há que se falar em prazo de validade para tal prática. Frisamos que, pós pandemia o atendimento remoto continuará sendo de grande valia para a sociedade e todo sistema de saúde, privado ou público.
Imperioso ressaltar que o Código de Ética Médica, resolução CFM 2.217/187, em seu artigo 37, aduz no parágrafo primeiro que "O atendimento médico a distância, nos moldes da telemedicina ou de outro método, dar-se-á sob regulamentação do Conselho Federal de Medicina".
Demais disso, o que mais causou inquietude ao CFM, foram os vetos e suas razões, pois a nova lei sancionada em nada somou as resoluções e portarias vigentes. Vejamos:
O primeiro veto, foi o parágrafo único do artigo 2º, que teve as seguintes razões:
"A propositura legislativa, ao dispor que serão válidas as receitas médicas apresentadas em suporte digital, desde que possuam assinatura eletrônica ou digitalizada do profissional que realizou a prescrição, sendo dispensada sua apresentação em meio físico, ofende o interesse público e gera risco sanitário à população, por equiparar a validade e autenticidade de um mero documento digitalizado, e de fácil adulteração, ao documento eletrônico com assinatura digital com certificados ICP-Brasil (Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira), como meio hábil para a prescrição de receitas de controle especial e nas prescrições de antimicrobianos, o que poderia gerar o colapso no sistema atual de controle de venda de medicamentos controlados, abrindo espaço para uma disparada no consumo de opioides e outras drogas do gênero, em descompasso com as normas técnicas de segurança e controle da Agência de Vigilância Sanitária - Anvisa."
Com o veto acima, iniciou-se uma grande celeuma, pois colocou em xeque a portaria do Ministério da Saúde 467/20, deixando dúvida se esta foi recepcionada pela lei da telemedicina.
O segundo veto, foi o artigo 6º, que teve as seguintes razões:
"A regulação das atividades médicas por meio de telemedicina após o fim da atual pandemia é matéria que deve ser regulada, ao menos em termos gerais, em lei, como se extrai do art. 5º, incisos II e XIII, da Constituição."
Ora, compete ao Conselho Federal de Medicina a regulamentação, inclusive já iniciada conforme resolução CFM 1.643/02. Ainda, a lei que criou o conselho, deu pleno poder para regulamentação da medicina, lei 3.268/57.
Por outro lado, frisamos que a prática da telemedicina é optativa ao médico, pois o profissional não é obrigado a usar essa modalidade de teleatendimento. À vista disso, a referida lei que criou o CFM estabeleceu autonomia ao conselho para regulamentação de suas atividades.
Por fim, a nova lei levantou os seguintes questionamentos: a telemedicina cairá em desuso com o fim da pandemia? A nova lei revogou as resoluções do Conselho Federal de Medicina e a portaria do Ministério da Saúde que regulamentam a telemedicina?
Em que pese as discussões acima, durante este momento de crise a assistência médica remota é imprescindível para que, dentro das possibilidades inerentes a cada caso, o paciente seja atendido por equipe especializada e preparada, evitando o contato físico e propagação do contágio pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2), principalmente para os pacientes que são do grupo de risco e necessitam de atendimento médico ou de continuidade de tratamento.
Inferimos que a regulamentação apresentada pela resolução CFM 1.643/02, associada aos padrões e protocolos médicos já aplicados a este tipo de assistência, oportunamente auxiliam o exercício da telemedicina com eficácia a população.
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*Annie Kelyne Onofre Gusmão é advogada especialista em Direito Médico pela Faculdade Verbo Educacional e advogada associada do escritório MoselloLima Advocacia.