Suspendam o porte dos policiais
O episódio grotesco, registrado em cumprimento de mandado de prisão, no qual policiais corriam com suas câmeras para filmar o preso em seu quarto, sendo possível ver um celular se sobrepondo ao outro, para, logo depois, divulgarem os vídeos à imprensa, leva-nos a uma única conclusão: a Lei de Abuso de Autoridade foi tímida.
terça-feira, 7 de julho de 2020
Atualizado às 13:55
Suspendam o porte dos policiais. Não, eu não me refiro ao porte de armas. Refiro-me ao porte de celulares. Deve ser suspenso o porte de celulares por policiais no momento do cumprimento de mandados de prisão e/ou busca e apreensão.
O episódio grotesco, registrado em cumprimento de mandado de prisão, no qual policiais corriam com suas câmeras para filmar o preso em seu quarto, sendo possível ver um celular se sobrepondo ao outro, para, logo depois, divulgarem os vídeos à imprensa, leva-nos a uma única conclusão: a Lei de Abuso de Autoridade foi tímida. O espetáculo persiste.
Em verdade, há de se questionar se o constrangimento do preso a exibir-se se deu mediante redução de sua capacidade de resistência. Se sim, houve, em tese, crime abusivo funcional. Basta ler o artigo 13, inciso I, da lei 13.869/19.
Mas, interpretando-se a norma penal de forma restritiva, afirma-se que os policiais tangenciaram o tipo, namoraram a descrição penal, mas coabitaram apenas com a ilicitude administrativa. A priori, parece não haver subsunção do fato à norma. O fato "francamente lesivo do minimum de moral prática", para usar expressão de Hungria, escapou à previsão do legislador.
Mas, como o direito é fato, valor e norma (teoria tridimensional de Miguel Reale) e houve conduta (fato) causadora de repulsa em qualquer defensor da dignidade humana (valor), cabe ao legislador positivar a revolta. Portanto, segue sugestão de novo tipo penal, a ser acrescido à Lei de Abuso de Autoridade:
Art. 13-A. Divulgar imagem de preso ou detento, sem sua prévia autorização, ofendendo lhe a dignidade ou expondo sua privacidade.
Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Esclarece-se, desde já, que o preceito secundário sugerido é idêntico ao definido pelo legislador para o crime do artigo 13 da lei 13.869/19. Trata-se de conduta com idêntica reprovabilidade e, portanto, merecedora de igual sanção.
Por fim, como ainda não há norma penal, resta a lamentação dos amantes da dignidade. O "show" não tem que continuar.
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*Samer Agi é juiz de Direito substituto do TJ/DF, mestrando em ciências jurídicas pela Universidade Autônoma de Lisboa, autor do livro "Comentários à nova Lei de Abuso de Autoridade e coautor da obra "Os 23 pontos da sentença penal", ambas pela editora CP Iuris.