Impactos da indefinição do índice de correção monetária em processos trabalhistas
A não uniformização do tema no país acentuou-se ainda mais com a Reforma Trabalhista, que modificou o texto do artigo 879 da CLT para tornar expressa a atualização dos créditos trabalhistas pela TR que, posteriormente, teve a redação alterada pela medida provisória 905.
quarta-feira, 1 de julho de 2020
Atualizado às 08:18
Nos últimos anos a discussão sobre o índice de atualização dos créditos trabalhistas tem sido objeto de grande divergência, não somente entre os litigantes, como também entre os próprios Tribunais Regionais do Trabalho.
Rápida busca pela jurisprudência de cada um dos 24 Tribunais Regionais do Trabalho do país é o suficiente para evidenciar o antagonismo existente sobre o tema.
Aliás, é curioso notar também que muitas vezes no âmbito de um mesmo Tribunal a divergência a respeito do tema ocorre entre as próprias Turmas. É o caso, por exemplo, do TRT da 2ª Região que, embora tenha editado em 2016 a tese prevalecente 23 no sentido da aplicabilidade da TR, possui decisões variadas entre as suas Turmas acerca do índice de correção.
Por outro lado, há Tribunais que uniformizaram a questão por meio de súmulas, orientações jurisprudenciais ou mesmo precedentes normativos.
O TRT da 24ª Região, por exemplo, editou a súmula 23, determinando a aplicação do IPCA-E, trazendo como fundamento a segurança jurídica e tendo como parâmetro a modulação de efeitos concretizada pelo Supremo Tribunal Federal para atualizar os débitos dos precatórios.
Nesse mesmo sentido, o Tribunal da 3ª Região, em 2019, editou a súmula 73, que estabelece em seu item II que será aplicado "o índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança (TR) para atualização monetária dos débitos trabalhistas até 24.03.15, e a partir de 25.03.15, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E)". Ou seja, trouxe a figura do IPCA-E modulado para atualizações decorrentes de condenação judicial.
O Tribunal da 15ª Região em 2018, por meio da súmula 118, declarou a inconstitucionalidade da TR, assim como o Tribunal da 9ª Região.
Ainda a título de exemplo, os Tribunais Regionais do Trabalho da 1ª, 4ª e 7ª Regiões não editaram súmulas, entretanto têm se posicionado de forma majoritária pela aplicação do IPCA-E como índice de atualização dos créditos trabalhistas.
Em março deste ano, em decisão liminar do ministro Gilmar Mendes, o Supremo Tribunal Federal nos autos ARE 1.247.402 determinou que o Tribunal Superior do Trabalho revisse seu entendimento acerca do índice de correção, cassando a decisão que havia determinado a aplicação o IPCA com fundamento no Tema 810 do STF.
Nessa decisão liminar, o ministro Gilmar Mendes entendeu que a Corte Trabalhista aplicou de maneira equivocada a jurisprudência da Suprema Corte e determinou que a esfera trabalhista, se oportuno entender, exerça juízo de retratação a respeito do tema.
Já o Pleno do Tribunal Superior do Trabalho, no dia 15 de junho de 2020, nos autos do processo 0024059-68.2017.5.24.0000, iniciou a votação sobre a inconstitucionalidade da TR. Até o momento, o posicionamento da maioria foi pela inconstitucionalidade da TR.
No último dia 27 de junho, porém, o Supremo Tribunal Federal, por meio de decisão liminar proferida pelo ministro Gilmar Mendes nos autos da Ação Declaratória de Constitucionalidade 58, determinou a suspensão de todos os processos trabalhistas que discutam a constitucionalidade da TR como índice de correção monetária.
O Plenário do Supremo Tribunal Federal estava programado para julgar tal Ação Declaratória de Constitucionalidade em maio de 2020, mas o feito foi retirado de pauta pelo Presidente da Corte.
A não uniformização do tema no país acentuou-se ainda mais com a Reforma Trabalhista, que modificou o texto do artigo 879 da CLT para tornar expressa a atualização dos créditos trabalhistas pela TR que, posteriormente, teve a redação alterada pela medida provisória 905.
Tal indefinição, para além da insegurança jurídica que causa, traz outros efeitos negativos aos jurisdicionados, especialmente porque a aplicação de um ou outro índice pode significar uma variação de até 25% nos cálculos trabalhistas.
Essa discussão protraída indefinidamente no tempo faz com que muitos processos tenham sua duração elastecida, já que as partes buscam levar às instâncias superiores (tanto na fase de conhecimento, quanto na fase de execução) o debate sobre o índice de correção monetária, retardando sobremaneira o encerramento do processo e sobrecarregando o Judiciário.
A jurisprudência vacilante do tema também causa severo impacto nas tentativas de conciliação, já que a divergência entre as partes sobre qual índice ser adotado reflete em diferenças insuperáveis de valores, levando muitas vezes à inviabilização do acordo, especialmente nos casos em que já há trânsito em julgado e o título executivo fora omisso quanto ao índice de correção monetária.
A incerteza que hoje reveste essa questão leva, ainda, a uma imprevisibilidade no provisionamento dos passivos trabalhistas das empresas. Afinal, evidentemente, uma diferença de até 25% no valor de uma única condenação trabalhista pode causar significativo impacto no orçamento da empresa.
Sem a pacificação sobre qual índice presta-se à atualização dos débitos trabalhistas, as empresas podem correr o risco de "superprovisionar" ou "subprovisionar" o seu passivo.
O que se vê, portanto, é que não basta a lei ser indene de dúvida sobre qual índice de correção monetária ser utilizado nos créditos trabalhistas se a jurisprudência seguir vacilante.
Urge um posicionamento pacificador sobre o tema, visando maior segurança jurídica e assertividade na apuração dos créditos o que, certamente, impactará na velocidade da marcha processual e, consequentemente, na diminuição da sobrecarga do aparelho Judiciário.
A expectativa é de que a Ação Declaratória de Constitucionalidade seja reincluída na pauta do Plenário do Supremo Tribunal Federal com urgência, para que o cenário jurisprudencial fique mais delineado - inclusive quanto aos possíveis efeitos modulatórios - e mais próximo da pacificação deste tema tão substancial nas contendas trabalhistas e na gestão das empresas.
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*Priscilla Pacifico Paghi é advogada do escritório Zarif e Nonaka Advogados.
*William Margreiter Alves é advogado do escritório Zarif e Nonaka Advogados.