Os idosos em asilo e a pandemia
O Estatuto, em seu artigo 15, além de assegurar ao idoso atenção integral à saúde, inclui também a atenção especial às doenças que afetam preferencialmente os idosos.
domingo, 28 de junho de 2020
Atualizado em 29 de junho de 2020 07:10
Ao mesmo tempo em que decretou a pandemia, a Organização Mundial de Saúde chancelou os alvos preferidos do coronavírus, localizados nos grupos de risco compreendidos pelos idosos e pessoas com comorbidades, ambos considerados vulneráveis. Os idosos, em razão da idade que provoca profundas alterações no sistema imunológico pelo envelhecimento - principalmente aqueles com mais de 80 anos -, apresentam um índice de morbidade mais acentuado. O segundo grupo, mesmo não sendo idoso, é portador de comorbidade e, como tal, torna-se de risco em razão de doença pré-existente que, somada à infecção pelo vírus, aumenta e em muito a probabilidade de evolução para o óbito.
A legislação brasileira considera idoso a pessoa com idade igual ou superior a 60 anos, de acordo com a lei 10.741/2003, embora a lei 13.466/2017 tenha ampliado este teto para 80 anos, criando uma nova categoria de absoluta prioridade no confronto com os demais idosos. Pode-se dizer que foi instituída a quarta idade. Na medida em que o avanço científico vai proporcionando ao homem uma longevidade que seja saudável e condizente com a dignidade humana apregoada constitucionalmente, a lei, por sua vez, vai se ajustando à nova realidade e criando dispositivos tuteladores que oferecem uma qualidade de vida saudável na derradeira fase da vida. E nada melhor do que um estatuto, que pode ser definido como um conjunto de normas que compreendem um regramento jurídico a um determinado grupo de pessoas com características comuns, para alojar tamanha conquista. Na realidade, se o país tivesse sido culturalmente preparado, não se valeria de estatuto, principalmente para proteger as extremidades da vida, compreendendo seu início e seu final, justamente os polos mais vulneráveis.
O Estatuto, em seu artigo 3º, V, prioriza a permanência do idoso no convívio com a família, salvo se ela não possuir condições de manutenção da própria sobrevivência, caso em que prevalecerão o atendimento asilar ou o abrigo nas Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPIs), segundo a conceituação da ANVISA1.
O Estatuto, em seu artigo 15, além de assegurar ao idoso atenção integral à saúde, inclui também a atenção especial às doenças que afetam preferencialmente os idosos. É certo que a legislação, como sói acontecer, não traz expressamente o caso específico da pandemia, mas para o bom intérprete as palavras da lei são suficientes para traduzir a situação de perigo para o cidadão considerado.
Assim, se o idoso permanecer com sua família em tempo de pandemia, presume-se que deverá receber os cuidados necessários. Porém, quando se encontrar em regime asilar, compreendendo a convivência coletiva, há necessidade premente de se atender os protocolos recomendados pelas autoridades de saúde, como a higienização das mãos, o isolamento social e o uso de máscaras faciais. E, principalmente, como responsabilidade inadiável do gestor público, a realização de testes de diagnósticos, extensivos aos funcionários das ILPIs, para detectar o contágio e transmissão da Covid-19, que já contabiliza, nesta faixa etária, uma alta taxa de letalidade em todo o país.
Se o distanciamento social já se torna difícil de implantar em razão da própria desídia da população, em um local restrito, habitado por pessoas consideradas de alto risco e que circulam praticamente pelos mesmos espaços, com vulnerabilidade extremada em razão das dificuldades naturais da idade, se, por ventura, uma pessoa for infectada, certamente propagará o vírus para as demais, provocando, desta forma, sérios danos aos moradores, além do inevitável e temido colapso da rede de saúde, principalmente nas cidades menores com serviços limitados nesta área.
O quadro é realmente preocupante, tanto é que algumas prefeituras, de forma consciente, já se anteciparam e elegeram a testagem como prioridade no combate ao coronavírus. A medida, portanto, é salutar e trará incontáveis benefícios diretos de proteção aos mais vulneráveis e indiretos à sociedade, como determina a própria lei.
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*Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de justiça aposentado/SP, mestre em direito público, pós-doutorado em ciências da saúde, reitor da Unorp, advogado.