O inimigo invisível e seus reflexos na atividade jurisdicional
Todos teremos prejuízos decorrentes do novo vírus que estamos enfrentando, incluindo os que trabalham na Justiça e os advogados que têm que suportar uma crise sem precedente neste país
segunda-feira, 22 de junho de 2020
Atualizado às 13:58
Foi no dia 31 de dezembro de 2019, quando autoridades chinesas da cidade de Wuhan, sétima maior cidade da China, com 11 milhões de habitantes e uma das maiores produtoras de produtos hospitalar, noticiaram a existência de um vírus mortal, cujo início e origem da transmissão, além de sua vacina, ainda persiste num mistério indecifrável.
Seu epicentro foi inicialmente naquele país chegando nos demais países e no Brasil, o novo coronavírus foi identificado pela primeira vez no dia 26 de fevereiro com o teste positivo em um homem de 61 anos, morador de São Paulo, que havia viajado à Itália entre 9 e 21 de fevereiro, país este que sofreu revês econômico, social e político de grande monta e se recupera até os presentes dias.
O cenário nacional e internacional ficou cada vez mais assustador dando início a uma pandemia e a adoção de novas medidas comportamentais tanto com referência aos cidadãos quanto ao setor político, econômico, social e psicossocial de cada país.
Nas pessoas inaugurou-se uma fase de confinamento social, suspensão de aulas de escola e universidades, bem como de lojas, shopping, salas de ginástica, cabelereiros, cinemas, teatro e demais atividades de concentração de pessoas e renascia o home office como forma útil de trabalho e comunicação em tempo real neste novo trabalho remoto.
O confinamento se tornou necessário para que a disseminação do vírus no país não se desse tão rapidamente, de modo a que o sistema de saúde pudesse acolher os casos mais graves tornando os hospitais capazes de suportar a demanda de doentes.
A solidão passou a rimar com solidariedade e até o Poder Judiciário parou, causando disparidades em várias cortes do país com suspensão das sessões presenciais em uma diversidade de decisões administrativas.
No Superior Tribunal de Justiça, inicialmente foram canceladas todas as sessões de julgamento e audiências presenciais, a partir de 17 de março, seguindo até o dia 27 de março de 2020, sem qualquer suspensão de prazos processuais.
Na resolução 04, de 16 de março de 2020, também se estimulou que os gestores adotassem o regime de trabalho remoto, por precação necessária, suspendendo-se ainda a entrada de público externo no tribunal, evitando qualquer tipo de contato para prevenir do contágio.
Quando a bolha do medo e da cautela começou a preocupar ainda mais, em 18 de março de 2020, o STJ editou a resolução 05, em que suspendeu a prestação presencial de serviços não essenciais e expressamente suspendeu todos os prazos processuais no período de 19 de março de 2020 a 17 de abril de 2020. Estava proclamada a terapia do medo e a angústia do contágio.
Na área do direito do Trabalho, em março deste ano, o TST (Tribunal Superior do Trabalho) suspendeu todos os prazos processuais e as sessões presenciais entre magistrados, advogados e servidores indiretos da corte estimulando o trabalho a distância, enquanto os tribunais Regionais Federais adotaram outras medidas ocasionando uma nítida diversidade de deliberações dos Tribunais. É o vírus amedrontando as cortes de Justiça.
O problema maior é que medidas restritivas de acesso ao público são decorrentes desta nova forma de trabalho a distância (teletrabalho), que não deverá sair de sua forma nativa mesmo quando a vacina contra este vírus vier, face a comodidade que esta nova forma de trabalho acarreta, bem como as reuniões presenciais são facilmente substituídas por meio eletrônico, visualizando as pessoas e compreendendo suas falas.
Problemas podem surgir quando se trata de processos físicos que provocará mudanças sensíveis para adaptação desta nova forma de trabalho a distância, em que pese, no meu entender, um certo desconforto quando as reuniões com os clientes não são presenciais, face ao tempo de fala que se respeita até que o próximo se manifesta, tempo este que causa um freio naquele que contraria o provocador.
As medidas adotadas de restrição comportamental foram necessárias para evitar ao máximo a propagação deste vírus, que cairá em um certo tempo, e os casos graves possam ser melhor tratados em hospitais que foram surpreendidos pelo volume de pacientes em seus leitos, nem todos capacitados para tratar os doentes comedidos por esta doença sinistra.
Por esta razão é que todo sacrifício é importante, inclusive daqueles que exercem qualquer atividade no setor jurídico alocados para o regime de trabalho remoto de suas residências, não se tratando de recesso, tampouco de férias forenses, mas sim um trabalho excepcional e emergencial face este período de provação, trabalhando em home office.
Nada disto impede que o magistrado, em todas as esferas jurisdicionais promova seus atos processuais, o que é seguido por todos os profissionais que militam nesta área, ou seja, todos fechados e operando home office e até mesmo audiências virtuais não escapariam de ser uma nova forma de desenvolvimento de trabalho. Entretanto, há movimentos para que as audiências voltem a ser presenciais, o que tem gerado várias posições duvidosas sobre a medida mais correta, vez que o teletrabalho mesmo não estando em nossos planos de trabalho tem que ser aceitos e adaptados a uma nova realidade pela anormalidade que nos acometeu.
Todos nós teremos prejuízos, sejam comerciantes, industriais, donos de restaurantes, bares, academias, institutos de beleza, esportistas etc, incluindo neste rol os que trabalham na Justiça e os advogados que tem que suportar uma crise sem precedente neste país, estes tendo que conviver com a incerteza de alguns tribunais que fecham integralmente seus acessos como se fosse a medida mais acertada a ser adotada gerando um clima de incerteza e ansiedade, mas os prazos peremptórios continuam a vigorar.
Só o tempo consertará estas discrepâncias pois despachos presenciais com Juízes podem ficar tolhidos dependendo da região e nem todos os tribunais estão aparelhados para trabalhar com vídeo conferência, essencial em face dos fechamentos dos prédios onde os foros e tribunais operam.
Consequencial disto é que processos tramitarão com maior lentidão, prazos processuais, sejam quanto à sua natureza jurídica ou sua origem, poderão ser perdidos e alguns advogados não terão condições de se suportarem economicamente com suas estruturas para manter suas próprias subsistências.
Neste caso, os órgãos que constituem o sistema processual brasileiro, dentre tantos, o Supremo Tribunal Federal, o Conselho Nacional de Justiça, a Ordem dos Advogados do Brasil e a Procuradoria-Geral da República, devem se unir num esforço comum com medidas que possam ser adotadas de modo mais coerente para dar continuidade na atividade jurisdicional.
Conclui-se que há uma guerra a ser enfrentada, cujo inimigo é invisível e a melhor forma de combatê-lo, antes que a vacina apareça, é ficar em isolamento social, pois quando esta tormenta acabar poderemos nos abraçar uns aos outros e termos tempo de entender que, para viver, não precisamos de tudo que está a nosso dispor.
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*Claudio Felippe Zalaf é sócio conselheiro do escritório Claudio Zalaf Advogados Associados.