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Os impactos da nova lei da pandemia no âmbito do Direito do Trabalho

A Lei em epígrafe instituiu normas que incidirão sobre as relações jurídicas oriundas dos eventos derivados da pandemia a partir da publicação do decreto legislativo 6, qual seja, 20 de março de 2020.

segunda-feira, 22 de junho de 2020

Atualizado às 08:38

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Em 10 de junho de 2020, foi publicada a lei 14.010/20, fruto do PL 1.179, que dispõe sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) no transcorrer do hodierno estado de calamidade em saúde pública.

A Lei em epígrafe instituiu normas que incidirão sobre as relações jurídicas oriundas dos eventos derivados da pandemia a partir da publicação do decreto legislativo 6, qual seja, 20 de março de 2020. Houve a pactuação de suspensão de normas, explicitamente, mencionadas no diploma legal, até 30 de outubro do ano em curso, mas sem qualquer revogação ou alteração do seu conteúdo. Todos os prazos prescricionais e decadenciais encontram-se impedidos ou suspensos, consoante disposto no artigo 3º, "in verbis":

Art. 3º Os prazos prescricionais consideram-se impedidos ou suspensos, conforme o caso, a partir da entrada em vigor desta Lei até 30 de outubro de 2020.

§ 1º Este artigo não se aplica enquanto perdurarem as hipóteses específicas de impedimento, suspensão e interrupção dos prazos prescricionais previstas no ordenamento jurídico nacional.

§ 2º Este artigo aplica-se à decadência, conforme ressalva prevista no art. 207 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil). 

Com efeito, o tempo tem um impacto relevante nas relações jurídicas, o que se reflete em institutos como a prescrição e a decadência.

Neste contexto, conquanto prescrição e decadência sejam institutos do direito material, reguladas que são pela questão do tempo cronológico, fato é que a prescrição ocorre quando o tempo atua na exigibilidade de um direito, não desconstituindo uma relação jurídica preexistente; ao passo que na decadência o advento do tempo vem no sentido de não atingir apenas a exigibilidade do direito, mas fulminando o direito em si mesmo.

Também há diferença entre suspensão e interrupção. Essa se dá quando a contagem do prazo é interrompida e, ao voltar, reinicia a contagem do "zero", enquanto a suspensão consiste na paralização da contagem do prazo e, quando ele volta a contar, dará continuidade de onde parou.

Diante da carência de previsão no ordenamento laboralista, o Direito do Trabalho sempre importou a utilização do instituto da prescrição e decadência do Código Civil. Não por outra razão que § 1º do artigo 8º da CLT estabelece que direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho.

Parece-nos, portanto, que o Direito do Trabalho, fazendo parte do direito privado, também será impactado pelas alterações noticiadas da lei 14.010/20.

Ademais, não seria isonômico a nova lei da pandemia suspender dívidas civis, e não estender tal regramento às dívidas trabalhistas reputadas, inclusive, como créditos privilegiados.

Destacamos a suspensão ao recolhimento do FGTS abordada pela MP 927/20. Ou seja, interpretação contrária à aplicação desta lei ao Direito do Trabalho quanto às demais verbas trabalhistas feriria o princípio da igualdade.

É sabido que, via de regra, o prazo de decadência não se suspende ou se interrompe. Contudo, com a lei 14.010/20, parece que seus efeitos também impactam na decadência, haja vista se tratar uma lei especial que está excepcionando o regramento geral do Código Civil.

Ainda não menos importante é chamar atenção ao próprio artigo 207 do Código Civil, quando traz a seguinte previsão: "Salvo disposição legal em contrário, não se aplicam à decadência as normas que impedem, suspendem ou interrompem a prescrição.".

No tocante à relativização da norma decadencial, o próprio Tribunal Superior do Trabalho já vinha aplicando os termos da Sumula 100 (AÇÃO RESCISÓRIA. DECADÊNCIA), que fala do prazo de propositura da Ação Rescisória.

A par do exposto, diante do contexto abordado no artigo 3º da lei 14.010/20, indicamos quatro principais datas a serem analisadas como possíveis marco de início da contagem referida neste artigo:

  • Portaria 188, de 3.2.2020 - Declara Emergência em Saúde Pública de importância Nacional (ESPIN) em decorrência da Infecção Humana pelo novo Coronavírus (2019-nCov).
  • Lei 13.979, de 6.2.2020 - Dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019. 
  • Decreto 6 da Pandemia, de 20.3.2020 - Reconhece, para os fins do art. 65 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, a ocorrência do estado de calamidade pública nos termos da solicitação do Presidente da República encaminhada por meio da Mensagem nº 93, de 18 de março de 2020. 
  • Lei 14.010, de 12.6.2020 - Dispõe sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET) no período da pandemia do coronavírus (Covid-19). 

Ressaltamos também como ponto de reflexão a Resolução nº 313, de 19 de março de 2020, do Conselho Nacional de Justiça, quando estabelece, no âmbito do Poder Judiciário, regime de plantão extraordinário para uniformizar o funcionamento dos serviços judiciários, com o objetivo de prevenir o contágio pelo novo Coronavírus (Covid-19) e garantir o acesso à justiça neste período emergencial.

Neste contexto, para que a prescrição seja aplicada, imperativa a prévia ciência da parte que "possui" o direito, mas esse adormeceu. Em outras palavras, precisamos estar diante de inequívoca inércia. Ora, como podemos encarar a situação de pessoas que estão sem comunicação? É justo afirmar que a impossibilidade física de contato acarreta na inércia do exercício do direito? A resposta parece ser negativa!

De mais a mais, para melhor reflexão quanto ao início da contagem dos prazos estabelecidos no supracitado artigo 3º, importante relembrar o ditame constitucional previsto no inciso XXXV do artigo 5º da CF/88:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[...]

XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;

Desta forma, conforme previsto no artigo 5º da nossa Carta da República, todo cidadão tem direito à prestação jurisdicional a ser entregue pelo Estado. Diante da impossibilidade de acesso ao Poder Judiciário, prevista no própria Resolução 313 do CNJ, há que ser avaliado o real início da contagem desses prazos.

Quanto ao acesso ao Poder Judiciário, ainda recordamos que o exercício da advocacia não foi considerada como serviço essencial. E a situação é agravada pelo fato de os profissionais estarem isolados e, por conseguinte, impedidos de exercer o pleno acesso à justiça como garantia fundamental.

Além disso, ciente de que o instituto da prescrição demanda previsão expressa em lei, é certo que o artigo 3º estabelece que os prazos prescricionais se consideram impedidos ou suspensos, conforme o caso, a partir da entrada em vigor da lei 14.010 até 30 de outubro de 2020, como regra de fundo da segurança jurídica.

Contudo, a própria lei, no seu § 1º, estabelece que "Este artigo não se aplica enquanto perdurarem as hipóteses específicas de impedimento, suspensão e interrupção dos prazos prescricionais previstas no ordenamento jurídico nacional.". 

Logo, há que ser invocado o princípio da unidade e da sistematização e, em arremate, considerando a diretriz de orientação expressa "fique em casa", entendemos que tal prazo há que ser contado com início no dia 20/3/20.

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t*Renato Gouvêa dos Reis é  sócio responsável pelo administrativo e executivo do RGR advogados & Consultores, Bacharel em Direito pela Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais do Vale do Itajaí - CAMPUS IV. Especialista em Direito do Trabalho pela Fundação Universidade Regional de Blumenau FURB. Pós - Graduação MBA em Direito da Empresa e da Economia pela Fundação Getúlio Vargas.


t*Ricardo Calcini é mestre em Direito pela PUC/SP. Pós-Graduado em Direito Processual Civil (EPM TJ/SP) e em Direito Social (Mackenzie). Instrutor de eventos corporativos pela empresa Ricardo Calcini | Cursos e Treinamentos, especializada na área jurídica trabalhista com foco nas empresas, escritórios de advocacia e entidades de classe. Membro do IBDSCJ, do CEAPRO, da ABDPro, da CIELO e do GETRAB/USP.

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