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Uma breve análise dos Direitos de Propriedade Industrial sob a ótica do Direito Antitruste

Caso: ANFAPE X Volkswagen do Brasil Indústria de Veículos Automotivos Ltda.; Fiat Automóveis S.A. e Ford Motor Company Brasil Ltda.

quarta-feira, 17 de junho de 2020

Atualizado às 14:26

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I. Introdução

Partindo de um trocadilho com a expressão estrangeira Sham Litigation, esse ensaio se propõe a realizar uma breve análise teórica dos conceitos de Propriedade Industrial, especialmente do desenho industrial, sob a ótica do direito da concorrência, e, levando em consideração o caso concreto do processo 08012.002673/2007-51, do CADE, em que a ANFAPE figurou como representante e as empresas Volkswagen do Brasil Indústria de Veículos Automotivos Ltda.; Fiat Automóveis S.A. e Ford Motor Company Brasil Ltda. como representadas, comentar situações em que o exercício dos direitos exclusivos decorrentes da Propriedade Industrial podem, ou não, configurar monopólio ilícito.

II. Propriedade Industrial - Visão geral

No Brasil, os direitos e obrigações relativos à Propriedade Industrial são regulados pela lei 9.279/96 (LPI) em esfera infraconstitucional. A Constituição Federal, por sua vez, também trata do tema, na medida em que assegura privilégio temporário sobre inventos industriais e proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do país.

A Propriedade Industrial fomenta o desenvolvimento tecnológico e econômico do país, especialmente por meio do sistema de trocas. Tal sistema baseia-se em concessões mútuas entre o inventor, o Estado e a sociedade. O primeiro toma a iniciativa, se esforça e investe em sua criação que, em preenchendo os requisitos1, será merecedora da proteção legal temporária (monopólio) concedida pelo segundo. Ao buscar a proteção, o primeiro revela todos os detalhes técnicos, estéticos e de funcionamento da sua criação, sendo que o segundo publica tais detalhes e concede o título, após realizar as análises legais.

O período de exclusividade concede ao inventor uma oportunidade de recuperar os investimentos realizados. A sociedade, por seu turno, respeita essa exclusividade e se beneficia dos avanços tecnológicos criados e revelados pelo inventor.

III. Desenho industrial

A forma plástica decorativa de um objeto pode ser protegida via Desenho Industrial, desde que proporcione resultado visual novo e original. Novo é tudo que não está compreendido no estado da técnica, ou seja, nunca antes divulgado sob qualquer forma ou pretexto, respeitada as exceções legais. Original é diferente, distintivo em relação aos objetos anteriores.

O desenho industrial não possui qualquer função técnica, mas sim decorativa, ornamental. Conta com prazo de duração de 10 (dez) anos da data do depósito, renováveis por 3 períodos iguais de 5 (cinco) anos cada, totalizando 25 (vinte e cinco) anos ao máximo.

Após a concessão e a qualquer tempo de vigência do desenho industrial, o titular poderá solicitar ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) que realize o exame de mérito para fins de análise dos requisitos da novidade e da originalidade2. Sem esse exame, o registro se torna um ato declaratório e a sua eficácia é relativa perante terceiros, na medida em que o produto objeto pode não ser novo e nem mesmo original. 

O título expedido pelo INPI, especialmente após o exame de mérito, garante o uso exclusivo em todo o território nacional, e, por consequência, o direito de impedir terceiros, sem o seu consentimento, de produzir, usar, colocar à venda, vender ou importar objeto que incorpore ilicitamente desenho industrial registrado, ou imitação substancial que possa induzir em erro ou confusão.

Como todo Direito de propriedade, a Propriedade Industrial também está sujeita às limitações legais, tanto na esfera constitucional, quanto na esfera infraconstitucional. A Constituição prevê que será garantida a proteção às criações industriais tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do país. Ou seja, o Estado não garantirá a proteção, caso esses requisitos não restarem preenchidos.

Por sua vez, a LPI prevê situações3, de maneira exaustiva, em que o uso do objeto protegido por desenho industrial não será considerado ilegal. Tratam-se de exceções, limitações ao direito, quais sejam elas: atos praticados por terceiros não autorizados, em caráter privado e sem finalidade comercial, desde que não acarretem prejuízo ao interesse econômico do titular; atos praticados por terceiros não autorizados, com finalidade experimental, relacionados a estudos ou pesquisas científicas ou tecnológicas; e a produto fabricado de acordo com patente de processo ou de produto que tiver sido colocado no mercado interno diretamente pelo titular da patente ou com seu consentimento.

Por fim, merece destaque que os contornos da proteção serão delimitados pelos desenhos, e, quando houver, relatório descritivo e reivindicações, constantes do certificado emitido pelo INPI.

IV. A intersecção com o Direito Antitruste - caso: ANFAPE X Volkswagen do Brasil Indústria de Veículos Automotivos Ltda.; Fiat Automóveis S.A. e Ford Motor Company Brasil Ltda

A lei 12.529, de 30 de novembro de 2011 prevê que exercer ou explorar abusivamente Direitos de Propriedade Industrial, Intelectual, tecnologia ou marca caracteriza infração de ordem econômica.

Por outro lado, o exercício regular do Direito de Propriedade Industrial, apesar de constituir um monopólio de mercado temporário, não é considerado como infração à ordem econômica.

Em termos práticos, exercer abusivamente Direito de Propriedade Industrial é se valer de meios judiciais, extrajudiciais e administrativos visando ampliar ou falsear a proteção concedida pelo Estado. Tal ampliação pode se dar tanto no escopo, quanto no prazo da proteção. Ainda, adotar ações judiciais ou encaminhar notificações extrajudiciais de maneira sistemática, fundamentadas em certificados de desenhos industriais que não sofreram análise de mérito, em tese, poderiam configurar exercício abusivo. Outros exemplos são: propor medidas com base em títulos de Propriedade Industrial cujo prazo de proteção se expirou e apresentar ou renovar pedidos de patente e desenhos industriais manifestamente impossíveis de proteção.

Contudo, ao que nos consta, nenhuma dessas situações foi identificada no Processo Administrativo para imposição de sanções administrativas por Infrações à Ordem Econômica 08012.002673/2007-51, em que a Associação Nacional dos Fabricantes de Autopeças - ANFAPE figurou como representante e Volkswagen do Brasil Indústria de Veículos Automotivos Ltda.; Fiat Automóveis S.A. e Ford Motor Company Brasil Ltda. figuram como representadas.

No âmbito desse processo, as representadas foram acusadas de exercer abusivamente seus Direitos de Propriedade Industrial, mediante a propositura de ações judiciais e o envio de notificações extrajudiciais a fabricantes independentes de autopeças, com base nos Certificados de Desenhos Industriais sobre as peças automotivas. Conforme relatório preparado pelo conselheiro Mauricio Oscar Bandeira Maia, o argumento central da representante seria, em resumo, o de que os Direitos de Propriedade Intelectual detidos pelas representadas somente podem ser legitimamente exercidos no mercado primário (foremarket), isto é, no mercado de produção de veículos e de venda de veículos novos, e não no mercado secundário de reposição de peças (aftermarket). A imposição dos direitos das produtoras de veículos no mercado secundário configuraria, a seu ver, um abuso de Direito de Propriedade Intelectual, com a geração de efeitos anticompetitivos a serem identificados e reprimidos mediante a autuação do CADE.

O argumento da representante não prosperou e as representadas não foram condenadas. Parece-nos que o resultado foi acertado, já que a representante fundamentou sua queixa em exceção não prevista pela Lei da Propriedade Industrial. Como bem preceituado pela Conselheira Polyanna Ferreira Silva Vilanova em seu voto, em momento algum, a Constituição ou a legislação infraconstitucional - expressa ou implicitamente - determinam (ou sequer insinuam) a existência de limitação do Direito de Propriedade Industrial (desenho industrial) relativa ao setor do mercado da montadora - primário ou secundário.

A regra legal é que a fabricação, sem autorização do titular, de produto que incorpore desenho industrial registrado ou imitação substancial que possa induzir em erro ou confusão é considerada conduta antijurídica punível na esfera criminal e cível. Em tese, ainda que essa produção esteja à cargo dos fabricantes independentes de autopeças de reposição que trabalham e destinam à sua produção ao mercado secundário, a conduta seria violadora.    

V. Conclusão

A defesa da Propriedade Industrial, quando exercida nos exatos limite e extensão previstos pelo Certificado validamente expedido pelo INPI, não pode ser considerada abusiva e muito menos classificada como Sham litigation. Não há e não pode haver vergonha em litigar nessas situações, em exercer o Direito de Propriedade Industrial contra terceiros. O uso exclusivo é uma premissa decorrente desse tipo de proteção. Assim como qualquer propriedade, estando sujeita apenas e tão-somente às limitações legais. É como funciona o sistema.

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1 Art. 8º da Lei da Propriedade Industrial: É patenteável a invenção que atenda aos requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial.

Art. 9º da Lei da Propriedade Industrial: É patenteável como modelo de utilidade o objeto de uso prático, ou parte deste, suscetível de aplicação industrial, que apresente nova forma ou disposição, envolvendo ato inventivo, que resulte em melhoria funcional no seu uso ou em sua fabricação. 

Art. 95. Considera-se desenho industrial a forma plástica ornamental de um objeto ou o conjunto ornamental de linhas e cores que possa ser aplicado a um produto, proporcionando resultado visual novo e original na sua configuração externa e que possa servir de tipo de fabricação industrial.

2 Artigo 111 da Lei da Propriedade Industrial.

3 Leitura combinada do artigo 43 e Parágrafo único do artigo 109 da Lei da Propriedade Industrial.

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t*Eduardo Ribeiro Augusto é sócio advogado do escritório Siqueira Castro Advogados. Pós-graduado em Direito da Propriedade Intelectual.

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