Árbitros na berlinda - A questão da entrevista prévia pelas partes
A arbitragem interna nada terá a ganhar com a regulamentação da entrevista prévia de candidato a árbitro, uma vez já feito o estrago lá fora. Mas talvez possamos dar o desconto da orientação tomada alhures, pois cada lugar deve ter o direito que lhe seja adequado.
segunda-feira, 15 de junho de 2020
Atualizado às 14:21
Em artigo publicado neste mesmo "Migalhas", do dia 26 do mês passado, o dr. Thiago Marinho Nunes publicou artigo intitulado "Entrevistas com potenciais árbitros", no qual abordou diversas questões relativamente a esse assunto, ao qual passo a fazer algumas considerações. O autor é titular da página "Arbitragem Legal" do mencionado periódico, cujos textos leio sempre com grande proveito e prazer. A minha presente abordagem tem por objetivo levantar questões sobre o tema em apreço, de acordo com a sistemática de análise da tese que foi apresentada; da antítese feita por mim; e da síntese à qual se possa chegar por meio do diálogo proveitoso.
A partir do texto vertente podem ser organizadas as alegadas razões para a utilização desse processo preliminar destinado à escolha de árbitros, relativamente a uma arbitragem que está sendo preparada:
1. Meio para que a parte conheça a trajetória educacional e profissional do candidato;
2. Tal medida permitiria que seja atendido o princípio da confiança naquele candidato, no sentido técnico e moral; e
3. Ensejo para que as partes se conscientizem de que os profissionais atuantes na área da arbitragem são pessoas que participam de um determinado "mercado" no qual atuam cultivando relações com os seus clientes e com terceiros, buscando prosperar;
4. A cautela do potencial árbitro que deve prevalecer, de modo a preservar sua independência e imparcialidade e, é claro, a higidez do procedimento arbitral.
Em relação a esses itens passamos a fazer algumas considerações.
Quanto à trajetória do árbitro, nos planos de sua formação e da sua atividade profissional as informações correspondentes estão cada vez mais disponíveis no mundo eletrônico. Querendo ou não querendo todos nós temos um "cadastro" no Google e em outros diversos repositórios de arquivos e de busca. Nos dias que correm cada vez é menor o espaço reservado à vida privada e às informações sobre as pessoas porque basta, por exemplo, fazer-se uso de um cartão de débito ou de crédito para que algoritmos especialmente construídos dissequem os dados sobre as preferências dos usuários, com finalidades diversas.
Por sua vez, em se tratando de arbitragem institucional o perfil dos árbitros pode ser aquilatado com uma transparência bastante efetiva, pois cada câmara de arbitragem faz uma investigação sobre os interessados ou pessoas indicadas como candidatos, antes de incluí-los no rol correspondente (quando esse existe), fazendo incluir na página apropriada o seu currículo, ainda que abreviado. Ainda mais, no tocante aos árbitros que tenham uma atividade acadêmica ou que são mestres ou doutores (situação extremamente comum no meio arbitral), informações bem completas são encontradas internamente na Plataforma Lattes (e em outras similares em diversos países), livremente disponíveis a todos os interessados.
É claro que, exceto os presidentes de tribunais arbitrais, em relação aos quais muitas vezes somente podem ser escolhidos de primeira mão pessoas incluídas no rol de câmaras de arbitragem, as partes são livres para indicarem qualquer profissional que julguem capaz para atuar no caso do seu interesse. Quando se trata de uma indicação livre, a parte deverá procurar levantar informações sobre o perfil dos candidatos, capazes de lhe darem tranquilidade no sentido de que o escolhido tem experiência na área em relação à qual se desenvolverá a pendência. Mas, como visto, no mundo moderno o que não faltam são informações sobre as pessoas.
No tocante ao fato de que o árbitro deve ser pessoa de confiança da parte, na forma da Lei de Arbitragem1, alto lá! Precisamos ver como se interpreta adequadamente o dispositivo em questão, exegese a ser feita a par com a parte inicial do art. 18 do mesmo texto legal, ou seja, o árbitro é juiz2, dotado das mesmas prerrogativas daqueles, exceto aquelas que a mesma lei expressamente não lhe concede, como é o caso do enforcement. Os dispositivos legais referidos afastam cabalmente qualquer tipo de relação fiduciária que a parte pudesse ter com o árbitro por ela indicado. Ele não é nem pode ser representante da parte na arbitragem para o fim da defesa dos interesses desta. Essa interpretação é a única que pode ser construída dentro do sistema jurídico arbitral.
Afinal de contas, que tipo de confiança é essa de que cuida a lei? É fácil responder, a mesma que o jurisdicionado tem em relação ao juiz togado. Quanto a este, nos regimes democráticos os cidadãos confiam nos sistemas de educação e judiciário que, via de regra, os selecionam e preparam adequadamente profissionais de diversas áreas o mesmo se dando quanto aos julgadores, investidos nos poderes correspondentes. Assim, tanto se constrói a confiança no juiz togado como no árbitro, sem mais nem menos. No caso do árbitro este - para fins de raciocínio do tipo caso-limite - até mesmo pode ser alguém que não tenha uma educação formal, mas ainda assim preencha o requisito legal, que se encontra inserido na parte inicial do art. 13, caput da Lei de Arbitragem (pessoa capaz).
Dessa forma nós somos forçados a concluir que é evidente ter sido mal redigido o art. 13 no tocante ao requisito confiança, que necessita ser interpretado de forma sistêmica, isto é, particularmente por confiança no árbitro deve se entender a confiança que se estabelece quanto ao sistema da arbitragem como um todo, semelhantemente ao que ocorre em relação ao Judiciário.
Não se cuida de novidade trazida ao direito brasileiro pela Lei de Arbitragem. Trata-se de princípio longevo, nascido com o próprio Direito Comercial quando, nas corporações de mercadores, as questões eram resolvidas por tribunais não oficiais, constituídos por eles mesmos, atendida a mais absoluta confiança nos membros dos órgãos julgadores e nas decisões por eles proferidas. Como se estava no plano de uma justiça privada, o enforcement era inicialmente indireto, constituído pela marginalização no mercado do comerciante condenado que não cumpria a sentença3.
E o nosso Código Comercial de 1850 - integrante de um ordenamento jurídico de base romano-germânica de 1850 - agasalhava a arbitragem, que veio a ser abandonada como instituto fundado em norma vigente até o advento da lei atual.
Ainda a respeito da confiança, vemos que no sistema italiano a regulamentação da arbitragem de direito comum encontra-se nos arts. 806 a 840 do Código de Processo Civil, que foram reformados com a lei 28/1983, a lei 25/1994 e o decreto legislativo 40/2006. No artigo 809 que cuida dos árbitros não há qualquer referência à qualificação dos árbitros, entendendo-se aplicar-se a regra geral da capacidade civil, que não poderia ser obstaculizada no plano de regulamentos de câmaras arbitrais.
Para não irmos muito longe bastará mais um exemplo, o do regime jurídico francês de arbitragem, tratado pelo Código de Processo Civil, objeto de reforma pelo decreto 2011-48, de 13.01.2011. No seu art. 1.450, ao cuidar do árbitro, é dito apenas que pode ser tão somente pessoa física e capaz. Não há outra qualquer referência, especialmente no tocante à aludida confiança das partes.
Na abertura do seu texto, citando terceiro autor, o dr. Thiago menciona a existência de um mercado, no qual se colocariam pessoas que atuam profissionalmente na área da arbitragem, onde acontece um relacionamento entre outras pessoas que trabalham na mesma área, a par do estabelecimento de relações com seus clientes e com terceiros.
Observe-se que com Natalino Irti4 aprendemos que o mercado é o lugar no qual negócios são realizados sobre uma base legislativa previamente construída, ensino que contrariou uma errônea noção econômico operada no sentido contrário, isto é, primeiro se formaria livremente um mercado para que depois, a partir da prática mercantil, pudessem ser estabelecidas as regras jurídicas que o tutelariam. Ora, a necessidade de segurança e certeza jurídicas que devem estar presentes nas relações mercantis mostram claramente a necessidade da existência de um ordenamento prévio, ainda que juridicamente rudimentar, mas sempre eficiente.
De outro lado Ronald Coase nos ensinou que ao agir no mercado os participantes conseguem de forma também eficiente reduzir os seus custos de transação (simplificadamente, todos os custos diretos e indiretos que recam sobre determinado negócio)5.
Assim sendo, cabe indagar se quem atua como árbitro o está fazendo dentro de um determinado mercado, a cujas normas está sujeito, encontrando-se o sistema fundado na redução dos custos de transação. A resposta é ao mesmo tempo negativa e positiva. Vejamos.
Não existiria mercado porque as partes na grande maioria dos casos podem indicar qualquer pessoa capaz, que entendam ser apta a conduzir e julgar um processo arbitral. Na minha experiência em diversas ocasiões tribunais arbitrais contaram com pessoas que não eram advogados ou se tratava da primeira vez em que atuavam como tal. Esses árbitros had hoc (digamos assim), estavam fora do tal mercado, o que, por sua vez, pode apresentar um lado bom e outro ruim. Bom, porque se trataria de uma oxigenação de um tribunal arbitral, enriquecida por uma visão diferenciada ou não tradicional. Ruim, porque faltaria ao indicado o necessário conhecimento das particularidades processuais de uma arbitragem, considerando que ele dominaria a matéria de fato. A discutir em outro momento.
Existiria mercado, na medida em que se trataria de um campo de atuação no qual atuariam de forma costumeira e especializada pessoas competentes para dar cabo eficazmente da sua função julgadora.
Não me parece que o estudo do tema sobre a entrevista prévia do candidato a árbitros necessite se colocar no plano da discussão da existência ou não de um mercado para o fim de serem demarcados limites à vida e ao trabalho de pessoas que venham a atuar nesse setor. Os fatores determinantes para tal fim são precisamente os voltados para a sua independência e imparcialidade. Sendo o árbitro juiz de fato e de direito, ainda que não cabível à arbitragem o Código de Processo Civil, nele podemos encontrar critérios limítrofes de natureza ética inerentes às relações dos juízes com pessoas envolvidas em um processo judicial, encontrados nos seus artigos 144 e 145.
Não sendo o caso de nos aprofundamos no estudo dos elementos constantes das normas acima citadas, de sua leitura pode-se entender que o impedimento ou a suspeição de um juiz se dá em qualquer situação na qual ele apresente certo grau de interesse relativamente ao autor ou ao réu que pudesse influenciar o seu livre julgamento; ou que tenha julgado o mesmo caso em outra instância, em prejuízo da sua livre convicção.
Essa última situação estaria eventualmente presente quando se pudesse conhecer como um árbitro julgou anteriormente uma causa semelhante, do que decorreria, em tese, certa vinculação ao já decidido, em função de precedentes reconhecidos. Essa é uma matéria a ser discutida em outro lugar, destacando-se que o sigilo das arbitragens limita esse conhecimento e que, de outro lado, não há arbitragens iguais em relação às quais se pudesse estabelecer um parâmetro prévio de convicção e julgamento. De qualquer maneira, o pensamento jurídico não é estático na mesma pessoa, podendo mudar com o tempo, na evolução do pensamento de um autor. Isso foi precisamente o que acontecer com Cesare Vivante que, na quinta edição do seu Tratado de Direito Comercial, voltou atrás na tese que havia anteriormente apresentado, tendo passado a defender a autonomia do Direito Comercial. E Vivante era Vivante....
A nota que se destaca no campo desse alegado mercado é que ele estaria vinculado eventual e umbilicalmente a outro, como o da advocacia, em dois planos: (i) pessoas que atuam exclusivamente como árbitros; (ii) pessoas que atuam como advogados ou como profissionais de outras áreas, especializados em arbitragens e que atendem convites para a composição de tribunais arbitrais ou para agirem como árbitros únicos; e (iii) pessoas que agem da mesma forma que no item anterior, mas sem a dita especialização.
Vamos falar francamente, lembrando-nos de que na história dos tribunais consulares um comerciante julgava o outro que dele poderia ser compadre ou concorrente, significando dizer que as questões sobre independência e imparcialidade não são nada novas, voltando esse assunto à baila talvez porque a terra seja redonda e não plana.
No primeiro caso, a questão da existência ou não de interesse poderia estar afetada pela atuação de alguém em um mercado especializado, em relação ao qual poderia estar presente algum interesse em estar de bem com o mesmo mercado, de forma a dele não ficar alijado. Isto implica em que eventualmente a entrevista prévia do candidato possa ser considerada prejudicial porque ele tenderia sempre a procurar agradar o entrevistador.
Nas outras duas situações haveria convivências aparentemente estranhas, pois em um caso A poderia ser árbitro e B advogado do caso; e em outro ambos poderiam ser árbitros no mesmo painel arbitral. Isso é extremamente comum nas nossas arbitragens internas. Então como considerar essas ligações perigosas? Na prática da arbitragem, o que tem valido para espancar a suspeição localiza-se principalmente na auto afirmação de independência e de imparcialidade (presente na convicção interna da pessoa do árbitro); e no reconhecimento de que, na maioria dos casos de arbitragens de grande impacto econômico, os árbitros indicados são pessoas de reconhecido valor profissional, estabelecido durante uma longa história, não se sujeitando eles a serem cooptados por uma parte ou outra, do que decorreriam serem livres para julgar da forma que atender o seu pleno convencimento, despidos de influências externas.
Tais considerações se estenderiam para arbitragens menores, tendo em vista que, para fins de honestidade profissional, tamanho não é documento.
Como temos visto ao longo desse estudo, a entrevista é quase absolutamente desnecessária.
Há falhas e/ou imperfeições no sistema? Claro que há, nada existe de perfeito na sociedade humana e nas inter relações dentro dela estabelecidas. Mas a exceção, como é sabido, não faz a regra.
Voltando ao texto do dr. Thiago, em apoio às suas ponderações ele apresentou os subsídios das diretrizes criadas pelo Chartered Institute of Arbitrators ("CIArb"). Segundo o autor comentado, o CIARB foi fundado em 1915, como uma organização que congrega inúmeros profissionais atuantes na seara da resolução de disputas (arbitragem, mediação, dispute boards, inter alia) em todo o mundo. Sua base é Londres, contando com aproximadamente 16.000 membros distribuídos em 39 branches em 133 países. Acrescenta o dr. Thiago que ela possui uma representação no Brasil (CIArb Brazil Branch) desde 2019 e que, ao longo de sua existência, editou uma série de diretrizes relativas à arbitragem internacional e que poderiam servir como guia útil para a orientação de advogados, in-house counsels e árbitros envolvidos em procedimentos arbitrais.
Anota o Dr. Thiago que a primeira diretriz do CIArb ("Guideline 1"), dispõe precisamente sobre as entrevistas com potenciais candidatos ao posto de árbitro, cuja Guideline 1 divide-se em quatro artigos:
Art. 1 - Princípios gerais;
Art. 2 - Matérias a serem discutidas na entrevista;
Art. 3 - Matérias que não devem ser discutidas; e
Art.4 - Entrevistas com potenciais candidatos a árbitro único ou presidentes de tribunais arbitrais.
Em seguida o dr. Thiago fez o destaque de alguns comentários do próprio CIARB, como sejam:
(i) As entrevistas não devem ser realizadas presencialmente, mas apenas por meio de áudio ou videoconferência;
(II) Os potenciais árbitros não devem aceitar qualquer remuneração, dádivas ou presentes pela participação na entrevista;
(III) É recomendável que a entrevista contenha uma agenda de tópicos previamente definida e acordada entre entrevistado e entrevistador;
(iv) Os potenciais candidatos a árbitros devem discutir com as partes ou seus advogados, além de sua independência e imparcialidade, questões relativas à sua experiência profissional, atitudes adotadas, de uma forma geral, na forma de condução dos procedimentos, expertise na matéria em discussão, estudos publicados, inter alia;
(v) É vedado aos potenciais candidatos ao posto de árbitro discutir matérias atinentes à causa propriamente dita, posições e argumentos das partes, fatos da disputa, quer dizer, tudo que tenha relação com o mérito da controvérsia. Se indagados para tanto, devem declinar de responder a tais questionamentos, diante de sua impropriedade;
(vi) No caso de entrevistas com candidatos a árbitros único ou a presidente de tribunal arbitral, tais candidatos só devem aceitar participar da entrevista na presença conjunta das partes e/ou seus advogados, excetuados os casos em que uma das partes/advogados prefiram não participar e não tenham objeção, após terem sido previamente informadas da entrevista.
A referência ao não recebimento pelo candidato a árbitro de qualquer tipo de benefício vindo da parte consulente é totalmente desnecessária em qualquer circunstância (caso de óbvio ululante), pois tal atitude decorre naturalmente do dever ético que é inerente à função a ser exercida. Trata-se, respeitosamente, de chover no molhado.
Quanto à realização da entrevista por meio remoto e a preparação de uma agenda de tópicos, a orientação em vista parece demonstrar o reconhecimento da necessidade de objetividade na entrevista, de forma que seria de nenhuma ou de menor eficácia qualquer tentativa da parte em convencer o árbitro sobre o seu pleito ou a permitir prova de que tal não aconteceu mediante a gravação da reunião ocorrida. É uma diferença a ser avaliada, mas que, a nosso ver, não enriquece o interesse ou necessidade pela entrevista.
A discussão entre a parte entrevistadora e o candidato a árbitro sobre a sua independência e imparcialidade pode colocar o entrevistado em situação constrangedora, pois a experiência têm mostrado que as avaliações de um e de outra sobre esses pontos frequentemente têm mostrado a existência entendimentos divergentes, objeto de frequentes impugnações de árbitros indicados em arbitragens já instauradas, a serem resolvidos pelos órgãos internos próprios das câmaras arbitrais. Nesse sentido são bem diversas as situações de impedimento do juiz togado e do árbitro. Muitas vezes se verifica a existência de uma zona cinzenta entre o que pensa cada um dos dois lados - parte e entrevistado - não existindo critério objetivo para se saber quando começa e quando terminam a independência e a imparcialidade.
Sobre a verificação da experiência profissional, a expertise do árbitro para a matéria a ser discutida na arbitragem e a existência de publicações de sua autoria, esses são assuntos que ficam dentro do campo da informação sobre os quais já foi falado acima. Se há um problema que se pode dizer premente nos dias atuais seria o do excesso de informação, quando se torna necessário separar o essencial do supérfluo.
A preocupação da parte em averiguar quais as atitudes que o entrevistado deverá adotar na condução do processo já está respondida pela Lei de Arbitragem e pelos regulamentos das câmaras arbitrais, que simplesmente devem ser cumpridos. Além de tudo, uma posição preliminar do entrevistado sobre o seu modo de agir deixa de lado o fato de que jamais uma arbitragem é igual a outra, como tem este autor aprendido nos anos em que vem atuando nessa área. Por diversos motivos circunstanciais e, é penoso dizer, muitas vezes deve o tribunal arbitral lidar com má-fé de uma das partes ou até mesmo de ambas. Isto sem nos esquecermos de que em muitos casos a litigiosidade das partes supera os limites do direito de manifestação, alcançando o plano das ofensas em relação às quais é necessário se tomar as medidas adequadas. Além disso, incidentes os mais variados acontecem durante o curso do processo arbitral, o que impede a consciência pelo árbitro de como lidará no futuro com algum problema que surja.
Em conclusão, a arbitragem interna nada terá a ganhar com a regulamentação da entrevista prévia de candidato a árbitro, uma vez já feito o estrago lá fora. Mas talvez possamos dar o desconto da orientação tomada alhures, pois cada lugar deve ter o direito que lhe seja adequado.
1 Art. 13. Pode ser árbitro qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das partes.
2 Art. 18. O árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário.
3 Como se sabe, o direito oficial vigente na Europa continental, de acordo com a história do Direito Comercial, praticamente cuidava do comércio, a não ser de forma muito esporádica. Paralelamente à competência dos governos, colocava-se o Direito Canônico, este sim muito preocupada com as questões mercantis, frequentemente as perseguindo, como foi o caso da tutela dos juros e do câmbio. Assim, as decisões dos tribunais consulares ficavam fora do foco governamental, quando se deixava que as coisas acontecessem no mercado sem a sua interferência, a não ser em situações excepcionais.
4 In "A Ordem Jurídica do Mercado", acesso em 10.6.2020.
5 In "The Nature of the Firm", 1937, acesso pelo "The Ronald Coase Institute".
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*Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa é sócio de Duclerc Verçosa Advogados Associados. Professor sênior de Direito Comercial da Faculdade de Direito da USP.