Testamentos em tempos de covid-19: vale a pena planejar?
Nos primeiros dias da quarentena, o número de testamentos lavrados aumentou em 70%, conforme dados da ANOREG-PR.
segunda-feira, 15 de junho de 2020
Atualizado às 14:29
Existe uma barreira cultural que impede os brasileiros de pensar em como se dará a administração de seu patrimônio e a quem serão destinados os seus bens após a morte. Contudo, diante dos avanços de covid-19, esse pensamento começou a mudar, principalmente na população enquadrada no grupo de risco.
Nos primeiros dias da quarentena, o número de testamentos lavrados aumentou em 70%, conforme dados da ANOREG-PR. Não há dúvidas de que, sempre vale a pena planejar uma sucessão patrimonial, ainda mais considerando que um testamento realizado em atenção à legislação (conteúdo e forma) tem a função de evitar litígios entre os herdeiros.
O testamento pode ser realizado por qualquer pessoa maior de 16 anos e que tenha pleno discernimento no momento do ato (art. 1860, CC), podendo ser revogado a qualquer tempo pelo testador, e pode ocorrer em 3 formatos: testamento público, cerrado ou particular.
Porém, como estamos em tempos de exceção e talvez as formalidades não possam ser cumpridas (mesmo com a adaptação dos Tabelionatos à situação atual), poderá ser escolhida uma espécie do gênero de testamento particular, previsto no art. 1.879 do Código Civil: o testamento hológrafo. Nessa modalidade, o testador que estiver sozinho e em "circunstâncias excepcionais" testará de próprio punho, justificando a excepcionalidade (fazendo menção ao isolamento), indicando data e assinando, sem a presença de testemunhas. Sugere-se, ainda, a gravação de um vídeo para demonstrar a lucidez e a vontade do testador.
Apesar de inexistir disposição acerca da caducidade deste testamento, a doutrina vem defendendo que, caso o testador não faleça durante o isolamento social nem nos dias subsequentes, o testamento caducará, nos termos do que dispõem o enunciado 611 da VII Jornada de Direito Civil: "perderá sua eficácia se, nos 90 dias subsequentes ao fim das circunstâncias excepcionais que autorizaram a sua confecção, o disponente, podendo fazê-lo, não testar por uma das formas testamentárias ordinárias".
As explicações acima dizem respeito às formalidades do testamento. Quanto ao conteúdo, há inúmeras possibilidades de personalizar as vontades do testador, como por exemplo: gratificar um herdeiro que tenha auxiliado mais o autor do testamento; equiparar doações já realizadas; resguardar a administração patrimonial de filhos menores de idade; dentre outras.
Vale lembrar que existe também um instrumento não previsto em lei, mas que vem sendo utilizado pela comunidade jurídica, que é denominado de "Escritura Pública de Diretivas Antecipadas da Vontade", vulgarmente chamado de testamento vital. Este documento tem como objetivo registrar a vontade do testador para quando estiver incapacitado de se expressar (em razão de doença grave), em relação a cuidados e tratamentos médicos, bem como indicação de curador para a administração de seu patrimônio.
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*Thais Guimarães é advogada e sócia do Núcleo de Direito de Família e Sucessões do Escritório Professor René Dotti.