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Professor Walter Ceneviva

Ao professor Walter Ceneviva, advogado, professor, jurista e, sobretudo, grande amigo querido, meu abraço afetuoso, com todas as forças de minha admiração.

segunda-feira, 15 de junho de 2020

Atualizado às 07:38

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1. Walter Vieira Ceneviva personifica o jurista que idealizamos como profissional da Justiça. Um desses grandes seres humanos, capazes de iluminar e abrir caminhos no sentido da realização do bem por meio da atividade intelectual e do exemplo em afinar-se com os mais elevados valores inerentes ao ser humano na vida em sociedade.

Não se sabe se pela fisionomia radiante, se pelo sorriso de crítica com compreensão tolerante, se pela extremada lhaneza a esbanjar amizade, a verdade é que sempre cativou e cativa, parecendo, ao primeiro contato, já um amigo vindo de todos os tempos, um irmão de outras eras.

Gentil ao extremo. Mas não se enganem. Vale a síntese atribuída a Carlos V, usada por Napoleão: "An iron hand in a velvet glove". Ou, como se dizia dos votos de rigoroso magistrado daquele saudoso Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo: "a música absolve, mas a letra condena...".

Aí está. Firme, com doçura, contestador, com mansuetude. Dizia-se de Sobral Pinto que "tinha o não na ponta da língua". Walter Ceneviva tem, na ponta da língua, o "não parecendo sim", com extrema cortesia, educação e consideração pelo pensamento contrário. Mas não arreda o pé, com a firmeza, que o faz respeitado inclusive por quem dele discorde.

2. Nunca vi Walter Ceneviva vangloriar-se da grande cultura jurídica, amparada em profunda cultura geral, produto de muito estudo e meditação, em todos os setores do conhecimento humano, como se espera do profissional que é "jurista além do Direito".

Advogado corretíssimo, competente estrategista, combativo e incansável. Professor construtor de gerações, chancelado como paraninfo. Como jornalista, um redator cativante, nutrido de subjacente meditação prévia e grande responsabilidade pública, bem consciente dos efeitos da palavra espargida pela sociedade atenta.

Nunca procurou o brilho fácil, típico dos "high lights hunters" que alardeiam feitos - efetivos ou imaginários. Frequentador dos clássicos, sempre relembrou, com o Vate, que "elogio em boca própria é vitupério".

3. Walter Ceneviva é advogado, professor, parecerista e jornalista.

Nasceu em Catanduva, em 19 de fevereiro de 1928, filho de Odorico Ceneviva e Lucia Rosa Paolozzi Ceneviva. Casado com Maria Evanira Vieira Ceneviva, também advogada, tendo o casal os filhos Laura Lúcia Vieira Ceneviva, arquiteta e bacharel em Direito; Márcia Vieira Ceneviva, advogada; Cláudia Ceneviva Auslenter, administradora e bacharel em Direito; Walter Vieira Ceneviva, advogado; e Paulo Vieira Ceneviva, advogado.

Formou-se em Direito pela Faculdade de Direito da USP, em 1954 (Turma IV Centenário). Inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil - Seção de São Paulo (1957), entidade de que foi conselheiro. Membro da Comissão de Ensino Jurídico do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (1993-1994). Associado honorário da Associação dos Advogados de São Paulo, de que foi vice-presidente (1976 e 1977) e conselheiro.

Foi examinador de concursos públicos para ingresso na magistratura paulista e do Exame de Ordem dos Advogados do Brasil - Seção de São Paulo.

Titular de Ceneviva Mari Sociedade de Advogados, com sede em São Paulo.

Diplomou-se em Especialização em Processo Civil e Processo Penal, pela Faculdade de Direito da USP, naquele extraordinário curso de especialização da época, de dois anos, requisito para o mestrado e o doutorado, com aulas semanais presenciais dos grandes professores catedráticos da faculdade (1967-1968). Mestrado em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1978), igualmente sob os grandes civilistas da PUC-SP, até hoje a fazer escola.

Foi professor regente de Direito Civil da mesma Faculdade Católica de São Paulo, de 1974 a 1984. Paraninfo da Turma de 1984.

Nomeado promotor do recém-criado Ministério Público do Distrito Federal pelo presidente Jânio Quadros em 6 de março de 1961, assumiu em 13 do mesmo mês, mas se exonerou, a pedido, em 25 de agosto de 1961, um dia após a renúncia do presidente, que o nomeara, lealmente seguindo-lhe o retorno a São Paulo.

Advogado, consultor e grande parecerista. Com a coragem tranquila de quem cumpre o dever cívico, foi o advogado da Faculdade de Direito da PUC-SP na ação indenizatória movida pela polícia de São Paulo quando da invasão da universidade, comandada pelo então secretário da Segurança Pública, coronel Erasmo Dias.

Recebeu o Colar do Mérito Judiciário do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Foi conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo e vice-presidente da Diretoria (1988-1991). É sócio emérito do IASP, tendo sido homenageado com a Medalha Barão de Ramalho nos 130 anos do instituto.

Experimentou a vida corporativa, tendo sido vice-presidente executivo da TV Bandeirantes (2007).

4. A obra jurídica de fôlego de Walter Ceneviva é grandiosa, variada, sistemática e definitiva. Além disso, benfazeja, isto é, útil para quem precisa de orientação doutrinária e prática, qualidades nem sempre frequentes em andar juntas. 

Vejam-se alguns títulos, nas datas de primeira edição - alguns dos quais com numerosas reedições 1) Lei dos Registros Públicos Comentada (1979 e com mais de uma dezena de edições); 2) Anotações à Legislação do Divórcio (1978); 3) Novo Registro Imobiliário Brasileiro (1979); Manual do Registro de Imóveis (1988); 4) Direito Constitucional Brasileiro (1989); 5) Publicidade e Direito do Consumidor (1991); Plebiscito e Direito do Consumidor (1991); 6) Segredos Profissionais (1996); Lei dos Notários e dos Registradores Comentada (1996).

Impossível deixar de ressaltar a obra de Direito Imobiliário, que conferiu substância ao setor em todo o país, seguindo a trilha de Serpa Lopes.

5. Como jornalista, um cronista admirável, escrevendo em jornal, como o fizeram Moura Bittencourt e Frederico Marques - naqueles tempos áureos em que a grande imprensa mantinha seções regulares com juristas de peso.

No prestigioso jornal Folha de S.Paulo - fazedor da História Nacional - foi responsável pela publicação semanal da Seção "Letras Jurídicas" de 1974 a 2014, sucedendo, nada mais, nada menos, que a Theófilo Cavalcanti Filho.

Publicou número imenso de crônicas jurídicas. Um ponto de nota: mesmo tratando temas atuais, sempre extrapolando ao "datado", à "fulanização" miúda de pessoas e fatos, que privam tantas crônicas da perenidade para perderem-se no desinteresse dos arquivos mortos. Muitas vezes uma pitada de fino humor, em fronteira com a ironia, sem perder a elegância, jamais.

Os títulos impressionam pela variedade, só possível ante a largueza da cultura geral e do conhecimento jurídico profundo. Alguns destaques, para ficar no mais recente: "Crise dos Poderes", "Supremo: supremo", "Complicações dos Direitos do Mar", "Religião e costumes no Estado atual", "Juiz faz a Lei?", "Injustiça no tempo da Justiça", "Francisco e o Direito Canônico", "O Ser Índio e Seu Direito", "A CLT e seu tempo", "Código Civil e suas mudanças", "Arrependimento do Papa é possível", "Parlamentar versus magistrado", "Nenhum Poder pode tudo", "Penas reais para crimes virtuais", "Dia da mulher e seu futuro", "O Judiciário e seus prazos", "Projetando efeitos do CNJ", "Limites do CNJ na Constituição", "Justiça e suas contorções", "A mídia na nova era", "Lutas de uma corregedora", "Ora, a lei?".

Sempre completo, sintético, direto, bom de ser lido, intimorato, recadeiro e definitivo, valendo para todos os tempos...

Como magistrado, utilizei muito a obra doutrinária de Walter Ceneviva, instruindo-me para julgar.

No Observatório da Imprensa destacam-se os mais diversos temas, por exemplo, os proveitos dos delitos ("A quem aproveita?"), a importância da imprensa ("A mídia na nova era"), a confidencialidade da advocacia ("O Sigilo garantido"), o desfile das garantias constitucionais ("Um direito novo em 90 anos"), a novidade da informação por internet ("Internet e direito de informação"), vazamentos de informações ("De jornalismo e vazamentos"), a censura judicial ("Censura judicial da mídia").

E por aí vai...

6. Como magistrado, utilizei muito a obra doutrinária de Walter Ceneviva, instruindo-me para julgar. E fui brindado por ele com o esclarecido patrocínio advocatício em causas que julguei. Em palestras e aulas, recebi seu ensinamento direto, ao vivo. Em reuniões, almoços, jantares, um "café em pé" ou uma breve palavra em encontro na rua, deliciei-me com a convivência.

Trocamos correspondência. Uma delas me é especialmente cara, pelo precioso que encerra. Ao acusar o recebimento de meu livro Da conduta do Juiz, enviou-me uma carta, que conservo entre os mais queridos guardados, escrevendo que o recebera como uma "Bíblia sobre a conduta do Juiz".

Convivemos muito especialmente nos áureos tempos da Escola Nacional da Magistratura, sob a presidência do saudoso amigo comum, ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira.

Desses tempos vem-me inesquecível flash de memória. Certa vez, em Brasília, caída a noite, após longa e pesada jornada de discussão de projetos de reforma do Código de Processo Civil de 1973, ao sermos conduzidos de volta ao nosso hotel pela querida amiga comum Nancy Andrighi, então desembargadora do Distrito Federal, secretária-geral da Escola Nacional da Magistratura e secretária-geral da Comissão de Reforma instituída pelo Ministério da Justiça, ao passar pela Praça dos Três Poderes, tendo ao lado o resplendor daquelas iluminadas palmeiras altivas, ao ouvir a palavra entusiasmada de Walter Ceneviva, pensei: "Com gente assim é que se constrói o melhor sistema de Justiça!".

Ao professor Walter Ceneviva, advogado, professor, jurista e, sobretudo, grande amigo querido, meu abraço afetuoso, com todas as forças de minha admiração. 

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tO artigo foi publicado na Revista do Advogado, da AASP, ano XXXX, nº 145, de abril de 2020.

 

 

 

 

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t*Sidnei Beneti é ministro aposentado do STJ. Professor titular emérito de Direito Processual Civil da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo-SP, livre-docente em Direito Processual Civil e doutor em Direito Processual Penal pela Faculdade de Direito da USP-SP. Ex-professor titular de Direito Processual Civil da Faculdade de Direito da Universidade Paulista-SP. Presidente honorário e ex-presidente da União Internacional de Magistrados (Roma). 

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