O inquérito policial, como instrumento da defesa
A evolução do inquérito policial apresenta-se um dado da atualidade.
segunda-feira, 8 de junho de 2020
Atualizado em 9 de junho de 2020 09:45
Há trinta anos, parcela importante dos julgados afirmava que o inquérito policial seria apenas "peça meramente informativa". Era manifesto equívoco considerar que o procedimento administrativo, voltado a apurar materialidade e autoria delitivas, essencial para o oferecimento da denúncia, poderia ser classificado de informação.
A realidade mostrou, com o controle judicial do andamento dos inquéritos policiais e com a atuação mais atenta do Ministério Público, que a primeira fase da persecução penal - desenvolvida por meio dos atos praticados pela polícia judiciária e pelos peritos no inquérito policial (art. 6º, do CPP, v.g.) - era fundamental para o conhecimento dos fatos e para a imputação penal (art. 41, do CPP).
As qualidades do procedimento administrativo se sobrepuseram à burocracia, para nada dizer quanto às mazelas sofridas pelas polícias civis estaduais. O inquérito policial firmou-se, não obstante a criação de procedimentos investigatórios pelo Ministério Público, como principal meio para se aproximar da verdade, em investigação criminal sobre fato, tipo e autoria.
Com a Constituição de 1988, consagrou-se o direito de defesa no inquérito policial (art. 5º, LV, da CR), pondo-se fim ao antiquado estilo de defender o investigado que guardava os movimentos para a fase da ação penal. Defensores desenvolveram técnicas de peticionar e requerer provar pertinentes, bem assim relevantes, com o objetivo de evitar a acusação pública em face do inocente (art. 14, do CPP).
Mais à frente, com a intensificação das operações policiais, viu-se maior atividade dos Promotores Públicos e Procuradores da República no âmbito do inquérito policial, o que trouxe a proporcional reação dos advogados de defesa, em prol da par conditio. Encontra-se, assim, desde o início, firmada a importante dialética na apuração do quadro fático, sob a perspectiva da tipicidade penal, e da autoria, coautoria ou participação criminal (art. 29, do CP).
A evolução do inquérito policial apresenta-se um dado da atualidade, com os aprimoramentos dos tribunais quanto à legalidade das provas obtidas nessa etapa preliminar de perquirição criminal (art. 157 do CPP) e com os incrementos do legislador a contar da instituição da cadeia de custódia (artigos 158 A-F, do CPP).
Agora, a lei indica procedimentos para a conservação de vestígios, encontrados em locais, ou vítimas de infração penal. Organizam-se a coleta, o manuseio, a guarda, o depósito dos vestígios, com a intenção de ajudar os experts a melhor compreenderem a dinâmica do crime em apuração, bem como para se protegerem os indivíduos da introdução arbitrária de objetos, ou materiais, não condizentes com o fato ocorrido.
Mesmo não resolvida a polêmica quanto ao juiz das garantias (art. 3º-B, do CPP), o qual irá aperfeiçoar o desempenho da Justiça Penal, como a bem sucedida experiência paulista mostra faz tantas décadas, o inquérito policial pode ser visto como eficiente conjunto de atos investigatórios e instrutórios que podem contribuir para a solução do maior número de casos criminais.
Esses predicados convidam a se projetar uma nova quadra na história do inquérito policial. Quem sabe, dada a fidelidade com que se darão as investigações criminais, não se pode conjecturar a hipótese de inocentes procurarem a polícia judiciária para serem investigados, quando, contra si, se espalharem boatos, notícias falsas e infâmias quanto a supostas práticas de crime. Também, advogados podem implementar as investigações defensivas, regulamentadas pelo provimento 188/2018, do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, em sede de inquérito policial.
Talvez, com tal forma original de se utilizar o antigo instrumento de persecução penal se poderá melhor entender qual fim e sentido do processo penal pátrio, como sempre se reitera, a tutela da liberdade jurídica dos indivíduos.
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*Antonio Sergio Altieri de Moraes Pitombo é advogado. Mestre e Doutor na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. Pós-doutor no Ius Gentium Conimbrigae (Universidade de Coimbra). Do escritório Moraes Pitombo Advogados.