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Covid-19: Precisamos de uma patente para inovar?

Deixando de lado a incontestável emergência mundial, seria razoável que o inovador tenha 20 anos de exclusividade para a exploração desse invento? Não deveria ser menos? Ou mesmo mais?

sexta-feira, 5 de junho de 2020

Atualizado às 12:08

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O sonho de todo e qualquer agente de mercado é desfrutar, com deleite, a pacata vida do monopólio. Enquanto advogado, imagino com desejo a possibilidade de ser o último dos causídicos, o verdadeiro "príncipe da lei". Na minha fase de hegemonia, determinaria o preço da consulta, a qualidade do serviço prestado e o tempo para a entrega de cada demanda. Teria uma única certeza: não trabalharia às sextas-feiras e as coisas que não gosto de fazer, só faria a cada ano bissexto, pouco importando a urgência dos clientes. E quem não concordasse com os meus termos, poderia ir procurar outro advogado. Opa... qual outro mesmo?

O cenário utópico descrito - ainda mais em se tratando do mercado da advocacia, no qual os advogados se reproduzem por mitose - pode ser, em certos casos, promovido pela legislação. Basta, para tanto, inovar.

A lei 9.279/96, a chamada Lei de Propriedade Industrial, prevê a possibilidade de concessão de um monopólio temporário para o inventor que promover uma relevante superação do chamado estado da técnica, que deve ser entendido, em linhas gerais, como a soma de toda a tecnologia existente, no mundo, até aquele momento. Trata-se da proteção conferida pela patente, cujo tempo de proteção pode ser, em regra, de 15 ou 20 anos, a depender da modalidade de patente e do grau de inventividade alcançado.

Em contrapartida, o inovador deve dar publicidade para o seu invento, possibilitando que os demais agentes de mercado entendam como se chegou naquela inovação. Em uma primeira leitura, a lógica por trás dessa dinâmica é clara: com o objetivo de incentivar a inovação e o desenvolvimento tecnológico, recompensa-se o inovador. Ou seja, a patente é vista como o motor para a inovação, sendo que, para esta visão - limitada, diga-se de passagem -, sem patente não há inovação.

Será que isso é verdade?

Pegue-se, por exemplo, a corrida tecnológica entre a Apple e a Samsung, na qual se lançam inúmeros modelos de IPhone e de Galaxy por ano. A intensidade inovativa é incontestável. É razoável pensar que se inova com o intuito de ser premiado com uma exclusividade temporária, ou a inovação é condição para a sobrevida no mercado? Imaginem o impacto de se passar uma volta completa ao redor do Sol sem um novo modelo de smartphone para qualquer uma dessas empresas!

A patente não é, sempre, necessária!

Em muitos dos casos, a preocupação competitiva que incentiva, de fato, o desenvolvimento tecnológico. Com o intuito de superar os competidores, inova-se. Afinal, a busca por novas tecnologias e a oportunidade de protagonizar um novo ciclo da "destruição criativa" é certamente um dos motores das relações econômicas. A inovação possibilitará um período de hegemonia, um monopólio temporário, que não necessariamente alcançará 15 ou 20 anos e que poderá ser desfrutado intensamente pelo inovador até que os demais competidores alcancem o grau tecnológico do inventor. Neste momento, estabelece-se um novo patamar de competição, até que mais alguém se alce ao posto de inovador.

Em realidade, são poucos os cenários em que a promessa de exclusividade legal promovida pela patente é realmente essencial para incentivar os agentes de mercado a buscarem a inovação. Sendo bastante criterioso, só seria razoável pensar na necessidade de uma patente nos casos em que a sua ausência implicaria um desincentivo cabal à inovação.

Vejamos o tema de inovação do momento, no qual uma vacina para o coronavírus é o Santo Graal da tecnologia. Vários são os laboratórios investindo montanhas de recursos com o intuito de encontrar a solução para a pandemia. Trata-se de uma roleta inovativa, sem garantia de sucesso, tampouco de retorno financeira caso se chegue lá.

Deixando de lado a incontestável emergência mundial, seria razoável que o inovador tenha 20 anos de exclusividade para a exploração desse invento? Não deveria ser menos? Ou mesmo mais? Em uma abordagem meramente financeira e, em certa medida, privatista, depende do volume de recursos investidos e do tempo necessário para ter o retorno pecuniário pela inovação proposta. Porém, deve-se ter em mente que a legislação mundial adota o sistema de one size fits all, ou seja, em sendo uma invenção, tendo sido concedida a patente, 20 anos será, em regra, o prazo.

Olhando mais a fundo, sejamos ainda mais críticos: não existisse patente, haveria a incentivo à inovação neste caso?

Se a resposta for positiva, vislumbro dois cenários: ou a patente não é, de fato, tão necessária para atender à necessidade econômica dos laboratórios neste caso, ou estamos começando a pensar na função social da atividade empresarial de um jeito diferente.

Em ambos os casos, esboço um sorriso.

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*Pedro A. L. Ramunno é advogado e professor de Direito Empresarial da Faculdade de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Criador do canal Ramunno Academy.

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