A possibilidade da manutenção do home office/teletrabalho após a pandemia do coronavírus
Como um todo, a adoção do regime de home office ainda poderá significar uma grande evolução das relações de trabalho.
terça-feira, 2 de junho de 2020
Atualizado às 09:23
Dentre as diversas medidas preventivas adotadas no país visando o enfrentamento do estado de emergência em saúde pública em decorrência da pandemia do coronavírus, destaca-se a adoção da quarentena e distanciamento social.
O home office/teletrabalho, que consiste no trabalho remoto ou à distância, realizado de forma preponderante ou totalmente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias da informação e comunicação, foi amplamente adotado durante a pandemia para viabilizar a implementação das medidas preventivas de saúde, bem como para o enfrentamento dos efeitos econômicos e preservação de empregos.
A MP 927 foi a primeira legislação relevante a dispor sobre direito do trabalho durante o estado de calamidade pública em nível nacional declarado, de forma inédita, pelo decreto legislativo 6/2020.
Com relação ao home office, a MP autorizou a adoção do regime com a notificação prévia do empregado com antecedência de 48 horas, por escrito ou meio eletrônico, dispensando a exigência de acordos individuais ou coletivos e a alteração prévia do contrato de trabalho.
Ficou definido que a responsabilidade pela aquisição, manutenção, fornecimento dos equipamentos e infraestrutura seriam firmadas em contrato específico, prévio ou no prazo de 30 dias, bem como que o empregador poderá fornecer os equipamentos em regime de comodato e na impossibilidade, que a jornada normal será computada com tempo a disposição. Fixou-se também que o tempo de uso de aplicativos e programas de comunicação fora da jornada não constituem tempo a disposição, regime de prontidão ou de sobreaviso, exceto se houver previsão em acordo individual ou coletivo.
O regime também foi autorizado para estagiários e aprendizes.
Antes da pandemia e da MP 927, a CLT já admitia o trabalho em home office, no domicílio do empregado e realizado a distância, conforme o seu artigo 6º. A CLT esclarecia ainda que o modo que o trabalho nessa modalidade se subordina as demais disposições vigentes aplicáveis as relações do trabalho, prevendo os mesmos direitos trabalhistas e previdenciários dos trabalhadores internos.
A reforma trabalhista, implementada pela lei 13.467/17, incluiu o capítulo II-A na CLT e estabeleceu, entre os arts. 75-A - 75-E, os requisitos legais do teletrabalho, ou seja, o home office, tais como:
- Necessidade de previsão contratual expressa de teletrabalho, explicitando as atividades a serem realizadas;
- Necessidade de mútuo consentimento para alteração do regime presencial para o regime de teletrabalho, com exigência de aditivo contratual;
- Necessidade de previsão contratual explicita de responsabilidade pela compra, manutenção, fornecimento, infraestrutura para o trabalho e reembolso de despesas;
- Possibilidade de alteração do regime de teletrabalho para presencial por determinação do empregador, garantido prazo de 15 dias e com aditivo contratual;
- Obrigação do empregador instruir o empregado de maneira expressa e ostensiva das precauções para evitar doenças e acidentes de trabalho, com termo de responsabilidade do empregado;
Portanto, para implementação e manutenção do home office após a pandemia é importante que as empresas se adaptem para atender todos os requisitos formais previstos na CLT, que são mais rígidos que os autorizados pela MP 927, para adoção desse regime de trabalho.
Além desses requisitos, também é importante destacar as seguintes condições:
- Possibilidade de realização das atividades exigidas em home office;
- Viabilizar os meios para que seja possível realizar as atividades exigidas;
- Resguardar os mesmos direitos trabalhistas e previdenciários ao trabalhador em home office, que aqueles devidos ao trabalhador interno da empresa;
- É recomendável que a empresa adapte sua forma de controle, para a modalidade de trabalho, por exemplo, usando um estilo de gestão focado em prazos, metas, entregas e resolução de demandas pré-determinadas em prazos pré-estabelecidos;
- As horas extras e controle de jornada poderão ser afastados na forma prevista no art. 62, III da CLT, mas se houver a comprovação de possibilidade de controle, serão devidas horas extras com base no art. 6º da CLT;
- Risco de acidente de trabalho, sujeito a comprovação;
- Desnecessidade de pagamento de vale transporte, exceto em relação aos deslocamentos realizados por determinação da empresa, inclusive para comparecer à empresa.
Dentre as exigências formais que precisaram ser cumpridas para manutenção do home office, há a necessidade de previsão expressa do teletrabalho em contrato ou aditivo contratual, com requisitos específicos quanto as atividades e despesas, assim como a exigência de termo de responsabilidade do empregado, quanto a adoção das medidas instruídas pelo empregador como precauções para evitar doenças e acidentes de trabalho.
A alteração de contratos já existentes para a modalidade de trabalho em home office também não poderá ocorrer em prejuízo do empregado e deverá ter a sua concordância, conforme o art. 468 da CLT.
Considerando as exigências legais ao desempenho do teletrabalho, recomenda-se que o contrato ou aditivo contenha essencialmente as seguintes informações:
- Que o empregador e o empregado concordam mutuamente em continuar exercendo o contrato de trabalho em regime de teletrabalho após o fim da pandemia e emergência de saúde pública causada pelo coronavírus;
- Descrição das atividades realizadas em regime de home office, com inclusão de "todas as atividades de igual complexidade e compatíveis com as contratadas, que possam ser realizadas no mesmo regime";
- A responsabilidade pelo equipamento e infraestrutura para o trabalho e reembolso de despesas;
- Instruções das precauções para evitar doenças e acidentes de trabalho, havendo possibilidade desse último requisito ser incluído em documento diverso, tal como o termo de responsabilidade elaborado por profissional com prerrogativas para tanto, como a medicina do trabalho.
Portanto, há a possibilidade de manutenção dos contratos de trabalho em regime de home office após o fim da pandemia do coronavírus, desde que cumpridas todas as exigências formais legalmente previstas para a modalidade de trabalho, que são mais rígidas que as autorizadas pelo Governo Federal durante a crise de saúde pública.
Ressalta-se que a continuidade do home office após a pandemia poderá ser vantajoso para o empregado, no que diz respeito a flexibilidade das suas tarefas e horários, comodidade e conforto do ambiente residencial, melhor qualidade de vida conciliada com uma melhor forma de trabalhar, em casa e sem a necessidade de perder tempo com deslocamento para a empresa.
Por outro lado, a manutenção do home office também poderá beneficiar a empresa quanto a economia com despesas para manter o estabelecimento empresarial e com os deslocamentos diários dos seus empregados e ainda poderá contar com uma maior produtividade e motivação dos seus empregados.
Como um todo, a adoção do regime de home office ainda poderá significar uma grande evolução das relações de trabalho, com uma maior responsabilidade dos trabalhadores com a possibilidade de organizar o próprio tempo e tarefas conforme a própria conveniência, assim como com as empresas passando a controlar demandas e produção e não tempo dos seu empregados.
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*Julio Cesar Dias é sócio do escritório Petrarca Advogados.
*Carla Louzada Marques Carmo é sócia do escritório Petrarca Advogados.