Em tramitação o PL 842/20 que visa suprir o nome de genitores agressores do assento de nascimento de seus filhos com preservação dos direitos sucessórios e os demais decorrentes da filiação
Diante do contexto atual de nossa sociedade, do aumento dos crimes cometidos por pais contra os filhos, firme no preceito da dignidade da pessoa humana, princípio constitucional que se sobrepõe a maioria dos demais, é necessário majorar a sanção cível em tais situações.
segunda-feira, 1 de junho de 2020
Atualizado às 10:52
A proposta de alteração legislativa apresentada pelos representantes da Comissão Especial de Direito Civil (CEDCivil) da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção Goiás (OAB-GO) ao deputado federal delegado Waldir (PSL), que visa suprir o nome de genitores agressores do assento de nascimento dos filhos preservando o direito sucessório e os demais decorrentes da filiação, alterando o Código Civil brasileiro foi aceita pela parlamentar e iniciou sua tramitação na Câmara dos Deputados.
A iniciativa partiu do presidente e do vice-presidente da Comissão de Direito Civil (CEDCivil) Clodoaldo Moreira dos Santos Júnior e Tiago Magalhães Costa, Dra. Angela Estrela Costa e contaram com o apoio do advogado e vereador por Goiânia Lucas Kitão (PSL).
Trata-se do projeto de lei 842/20 que, atualmente, encontra-se aguardando despacho do presidente da Câmara dos Deputados para continuar seu tramite legislativo.
Minuta
Clodoaldo Moreira diz que diante do contexto social atual, do aumento dos crimes cometidos por pais contra os filhos, firme no preceito da dignidade da pessoa humana, é necessário a majoração da sanção cível em tais situações. "De tal fato, surge a necessidade de alteração do Código Civil para o caso de filhos vítimas de violência sexual, lesão corporal grave, gravíssima e tortura praticados pelos seus pais, garantindo não só a perda do poder familiar, mas também o suprimento do nome do genitor que cometeu a agressão de seu registro de nascimento e demais documentos de identificação, garantindo-se ao filho o direito de herança", explica.
O vice-presidente Tiago Magalhães, por sua vez, diz que tal medida visa proteger a integridade psicológica do filho que sempre que precisar se identificar civilmente tem que deparar com o nome de seu agressor, pessoa que lhe traz asco e que a muito tempo deixou de ser seu guia e educador. "Com tal acréscimo ao Código Civil resguarda-se os direitos patrimoniais da vítima de violência cometido pelos genitores e assegura aos agredidos a distanciação total de seu agressor, sendo a medida necessária à modernização da legislação em comento, que resguarda a dignidade do filho ou filha e preserva sua integridade psicológica."
Diante dessas alegações e outros elementos estatísticos levados ao parlamentar, sensível a questão, o deputado federal delegado Waldir (PSL) apresentou a seguinte proposição:
Altera a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), e a Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei de Registros Públicos), para dispor sobre a averbação da exclusão, no registro civil, da filiação, bem como do sobrenome do genitor (a) que for condenado por crime de violência sexual, lesão corporal de natureza grave ou gravíssima ou de tortura cometidos contra seu filho (a).
O Congresso Nacional decreta:
Art. 1º Esta lei altera a lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), e a lei 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei de Registros Públicos), para dispor sobre a averbação da exclusão, no registro civil, da filiação, bem como do sobrenome do genitor (a) que for condenado por crime de violência sexual, lesão corporal de natureza grave ou gravíssima ou de tortura cometidos contra seu filho (a).
Art. 2º A lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), passa a vigorar acrescida do art. 1.638-A, com a seguinte redação:
Art. 1.638-A. Além dos casos previstos para perda do poder familiar, o filho (a) ou seu representante legal poderão requerer judicialmente, em procedimento autônomo, a exclusão da informação de filiação do registro civil, bem como a exclusão do sobrenome que tenha vinculação com o agressor nos casos de condenação por crime de violência sexual, lesão corporal de natureza grave ou gravíssima ou de tortura.
§1º Os direitos do ofendido decorrentes do vínculo familiar com o agressor ficam resguardados, inclusive aqueles inerentes à sucessão e aos alimentos.
§2º A alteração prevista na presente lei alcança aquele que tenha parentesco de colateralidade até o segundo grau com o agressor.
Art. 3º A lei 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Lei de Registros Públicos), passa a vigorar acrescida do art. 57-A, com a seguinte redação:
Art. 57-A. Será autorizada a exclusão da informação de filiação contendo o nome do agressor do registro civil, bem como a exclusão do sobrenome, nos casos em que o genitor (a) seja condenado por crime de violência sexual, lesão corporal de natureza grave ou gravíssima ou de tortura.
Art. 4º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.
Justificativa
Nos termos da legislação vigente, o ato de reconhecimento de paternidade é irrevogável nos termos do artigo 1º da lei 8.560/92, que regula a investigação de paternidade dos filhos havidos fora do casamento, e à luz dos artigos 1.609 e 1.610, ambos do Código Civil Brasileiro.
A filiação consiste na relação de parentesco estabelecida entre duas pessoas, sendo uma delas denominada filha(o) e a outra de pai ou mãe.
Ou ainda, como ensina Silvio Rodrigues, "Filiação é a relação de parentesco consanguíneo, em primeiro grau e em linha reta, que liga uma pessoa àquelas que a geraram, ou a receberam como se as tivessem gerado."
A paternidade e a maternidade geram responsabilidade para com os filhos, nos termos do que determina os artigos 1.566, inciso IV, e 1.567, ambos do Código Civil, observe:
Art. 1.566. São deveres de ambos os cônjuges:
(...)
IV - sustento, guarda e educação dos filhos;
Art. 1.567. A direção da sociedade conjugal será exercida, em colaboração, pelo marido e pela mulher, sempre no interesse do casal e dos filhos.
O Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, lei 8.069/90, acompanhando as mudanças e evolução das relações familiares, comuns ao período histórico em que vivemos, também incumbiu aos pais a obrigação de assegurar aos filhos menores de idade o sustento, guarda, educação, dentre outras responsabilidades. Constate o que se alega:
Art. 21. O poder familiar será exercido, em igualdade de condições, pelo pai e pela mãe, na forma do que dispuser a legislação civil, assegurado a qualquer deles o direito de, em caso de discordância, recorrer à autoridade judiciária competente para a solução da divergência.
Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais.
A filiação possibilita aos pais, nos termos da legislação transcrita, o direito de gerir a vida dos filhos enquanto incapazes, tratando-se também de uma obrigação dos genitores, gerando assim a convivência familiar e social constituindo-se uma relação de mútuo afeto, confiança e respeito.
Frente a essa realidade, estabelecida a filiação, o entendimento doutrinário até o presente momento é no sentido de que somente seria possível retificar o registro civil de nascimento, com a supressão do nome do genitor, quando demonstrados vício de consentimento para o ato registral ou em situações excepcionais, como no caso de demonstração da total ausência de relação socioafetiva entre ascendente e descendente.
Ocorre que esse entendimento deve ser ampliado, ocasionando alterações na legislação para que permita a supressão do nome do genitor em casos de violência extrema.
De acordo com a reportagem da Folha de São Paulo, que usou dados do Ministério da Saúde de 2018, 72% das pessoas estupradas são menores; 18% têm até 5 anos. Veja o quadro a seguir que demonstra um raio x da violência sexual praticada contra criança e adolescente1.
Essas agressões ocorrem mais em casa (68%), e têm o pai (12%), o padrasto (12%) ou outra pessoa conhecida (26%) da criança como abusador.
A maioria das vítimas são meninas com idade entre 12 a 17 anos. Veja alguns dados estatísticos acerca da temática exposta2:
Para exemplificar o tipo de abuso verificado em nosso cotidiano, vale destacar um caso específico, recentemente registrado pela polícia civil do Paraná, que apresentou em uma coletiva de imprensa um indivíduo de 45 anos acusado de abusar sexualmente de seus seis filhos.
A investigação teve início após o suicídio de um dos decentes do agressor. Diante de tal realidade os demais filhos foram ouvidos e exames periciais chegaram à constatação de que o próprio pai vinha abusando de todos, concluiu-se ainda que as agressões aos seis filhos ocorriam há mais de 10 anos3.
Diante de tamanha atrocidade, sem dúvida, o pai irá responder criminalmente pela autoria do delito e, diante dos elementos de prova, com grande possibilidade de ser condenado.
Em situações análogas o legislador previu, além de sanção na esfera do Direito Penal, também no campo cível, tratando-se desse caso da destituição do poder familiar, constante dos artigos 1.635, inciso V e 1.638 ambos do Código Civil em vigor. Veja:
Art. 1.635. Extingue-se o poder familiar:
(...)
V - por decisão judicial, na forma do artigo 1.638.
Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que:
I - castigar imoderadamente o filho;
II - deixar o filho em abandono;
III - praticar atos contrários à moral e aos bons costumes;
IV - incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente.
V - entregar de forma irregular o filho a terceiros para fins de adoção. (Incluído pela lei 13.509, de 2017)
Parágrafo único. Perderá também por ato judicial o poder familiar aquele que: (Incluído pela lei 13.715, de 2018)
I - praticar contra outrem igualmente titular do mesmo poder familiar: (Incluído pela lei 13.715, de 2018)
a) homicídio, feminicídio ou lesão corporal de natureza grave ou seguida de morte, quando se tratar de crime doloso envolvendo violência doméstica e familiar ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher; (Incluído pela lei 13.715, de 2018)
b) estupro ou outro crime contra a dignidade sexual sujeito à pena de reclusão; (Incluído pela lei 13.715, de 2018)
II - praticar contra filho, filha ou outro descendente: (Incluído pela lei 13.715, de 2018)
a) homicídio, feminicídio ou lesão corporal de natureza grave ou seguida de morte, quando se tratar de crime doloso envolvendo violência doméstica e familiar ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher; (Incluído pela lei 13.715, de 2018)
b) estupro, estupro de vulnerável ou outro crime contra a dignidade sexual sujeito à pena de reclusão. (Incluído pela lei 13.715, de 2018)
Ocorre que, diante do contexto atual de nossa sociedade, do aumento dos crimes cometidos por pais contra os filhos, firme no preceito da dignidade da pessoa humana, princípio constitucional que se sobrepõe a maioria dos demais, é necessário majorar a sanção cível em tais situações.
Assim, surge a necessidade de alteração do Código Civil para o caso de filhos vítimas de violência sexual, lesão corporal grave, gravíssima e tortura praticados pelos seus pais, garantindo não só a perda do poder familiar, mas também o suprimento do nome do genitor que cometeu a agressão de seu registro de nascimento e demais documentos de identificação, garantindo-se ao filho o direito de herança.
Tal medida visa proteger a integridade psicológica da prole, que sempre que precisa se identificar civilmente tem que deparar com o nome de seu agressor, pessoa que lhe traz asco e que a muito tempo deixou de ser seu guia e educador, fato este que traz muitos prejuízos psicológicos ao ofendido.
Em suma, a iniciativa objetiva conferir maior dignidade à vítima de agressão familiar, razão pela qual solicitamos o apoio dos ilustres pares para a sua aprovação.
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*Clodoaldo Moreira dos Santos Júnior é pós-doutor em Direito Constitucional na Itália, advogado, professor universitário, sócio fundador Escritório SME Advocacia, conselheiro da OAB/GO, presidente da Comissão Especial de Direito Civil da OAB/GO, membro consultor da Comissão de Estudos Direito Constitucional da OAB NACIONAL e árbitro da CAMES.
*Tiago Magalhães Costa é especialista em Direito Civil e Processual Civil, advogado, professor universitário, sócio fundador Escritório SME Advocacia, vice-presidente da Comissão Especial de Direito Civil da OAB/GO e vice-presidente da Comissão de Direito Constitucional da OAB/GO.