A teleperícia no âmbito previdenciário: Ética vs ordem judicial
Por conta dos reflexos tecnológicos, no dia 28 de abril de 2020 o CNJ aprovou ato normativo para realização de perícias eletrônicas e virtuais enquanto durar a pandemia covid-19.
sexta-feira, 29 de maio de 2020
Atualizado às 10:37
A seara previdenciária vem nos últimos tempos tentando se adaptar as abruptas alterações legislativas, e hoje essa adaptação se torna cristalina quando a calamidade pública é voltada para a área da saúde.
Conforme textos anteriormente publicados, tivemos a criação da lei 13.979 de 6 de fevereiro de 2020, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus. Especificamente o artigo 7 da referida lei, atribui a competência dos atos administrativos ao Ministério da Saúde para a regularização e operacionalização ao combate da pandemia covid-19.
Diante disso o Ministério da Saúde publicou lei 13.989, de 15 de abril de 2020, sobre o uso da telemedicina durante a crise da pandemia, com posterior publicação da portaria 467, de 20 de março de 2020, que dispõe em caráter excepcional e temporário, sobre as ações de telemedicina, vindo esse ato ser pautado na resolução 1.643/02 do Conselho Federal de Medicina, que define e disciplina a prestação de serviços, bem como ofício CFM 1.756/20-Cojur de 19 de março de 2020, que reconhece a possibilidade e a eticidade da utilização da telemedicina, em caráter de excepcionalidade enquanto durar o contagio viral.
Por conta dos reflexos tecnológicos, no dia 28 de abril de 2020 o CNJ aprovou ato normativo para realização de perícias eletrônicas e virtuais enquanto durar a pandemia covid-19.
Anteriormente, o Centro Local de Inteligência da Justiça Federal (CLISP) em nota técnica 12 publicada em 30 de março de 2020, teve como fundamento a quantificação de processos de 2018 e 2019, sendo a somatória total de 1.300.000 (um milhão e trezentos mil) processos denominados benefícios por incapacidade. O mesmo estudo aponta que em janeiro de 2020, mês que possui número menor de ações em virtude do recesso forense, foram concedidos judicialmente 10.000 (dez mil) benefícios, conforme boletim Estatístico da Previdenciária Social.
Além da quantificação dos processos na seara judicial, outro fundamento trazido foi a adaptação do parágrafo 4º, artigo 464 do Código de Processo Civil: "Durante a arguição, o especialista, que deverá ter formação acadêmica específica na área objeto de seu depoimento, poderá valer-se de qualquer recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens com o fim de esclarecer os pontos controvertidos da causa".
Partindo dessa premissa a turma técnica propõe a perícia médica diferenciada, com a utilização de tecnologias como ferramentas facilitadoras para desempenho do processo, informando que tal viabilidade atende os requisitos éticos atribuídos no artigo 92 do código de ética médica. Importante notar que a perícia virtual abrange também a seara social, uma vez que ambas demandam a avaliação por um profissional qualificado.
Partindo da nota técnica administrada pela CLISP, o CNJ publicou a resolução 317 de 30 de abril de 2020, que dispõe sobre a realização de perícias em meios eletrônicos ou virtuais em ações em que se discutem benefícios previdenciários por incapacidade ou assistenciais enquanto durarem os efeitos da crise ocasionada pela pandemia do novo coronavírus.
Em virtude da resolução judicial, o Conselho Federal de Medicina e demais categorias e associações médicas publicaram também uma nota técnica em 30 de abril de 2020, demonstrando inconformismo em face das medidas jurídicas, uma vez que as pericias judiciais dispõem a necessidade do contato humano médico e paciente para melhor análise do laudo e desenvolvimento processual, vindo a contrapor a nota da CLIPS, fundamentando que a telemedicina tem como regras as situações para assistência, pesquisas, prevenção de doença e lesões, não englobando o caráter de perícia médica em qualquer âmbito.
Essa análise foi bem colocada no processo consultivo 7/20 - parecer CFM 3/20 sobre a relatoria da conselheira dra. Rosylane Nascimento das Mercês Rocha, que desaprova e fundamenta de forma resistente a impossibilidade da perícia virtual sob pena de infração ética e disciplinar, o que percebe nas medidas e pareceres que a situação da perícia virtual não é um caso fácil de solucionar. De fato, as tecnologias existentes têm grande valia no contexto atual, porém as perícias judiciais vão além de qualquer cenário tecnológico, trata-se da visão humanista entre médico e paciente.
O Perito judicial possui autonomia e subjetividade, e tratando-se de benefício por incapacidade, o impacto presencial como a entrada do autor na sala da perícia pode condicionar a convicção do médico, podendo resultar em laudo positivo, ou seja, os instintos do homem, como transmissão do sentimento em face a doença, o olfato, os olhares, são analises fundamentais para uma boa condução pericial. Além disso, as vestimentas no momento da apresentação contam para o resultado esperado.
Portanto iniciar avaliações por meios tecnológicos sem ter um breve contato com o paciente pode configurar inclusive um descaso com a situação vulnerável do autor, bem como a desilusão e sentimento de falha da justiça.
O perito vai além da sua competência médica, ele é o provedor e grande aliado à restauração do direito violado e tirar essa sensação de humanidade da pessoa é transformar um sistema que analisa somente documentos sem enxergar o ser humano e sua dignidade que a Constituição tanto preza.
Esse impasse não terá uma resolução simples, até porque muitos médicos vão se opor, sob o medo de cometer infração médica, uma situação conflitante do ponto de vista ético, humano e legal. Por esta razão esperamos um desdobramento adequado que possa resultar o que tantos esperam, JUSTIÇA!
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*Hellen Oliveira da Silva é sócia do escritório Cerdeira Rocha Vendite e Barbosa Advogados e Consultores Legais.