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Caso TikTok: A privacidade do público infantil não pode esperar

A LGPD será uma importante inovação para a defesa da privacidade, mas não se pode ficar inerte até sua entrada em vigor, diante de possíveis violações irreparáveis aos direitos humanos digitais.

quinta-feira, 28 de maio de 2020

Atualizado às 07:52

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A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e o Código de Defesa do Consumidor, possuem dispositivos de proteção à intimidade da pessoa humana. A LGPD poderá entrar em vigor no dia 3 de maio de 2021 (caso seja aprovada a MP 959/20) ou em 16 de agosto desse ano (caso seja sancionado o PL 1179/20). Existem, portanto, duas datas possíveis.

De qualquer forma, mesmo antes de seu início de vigência, já pode atuar como fonte doutrinária.

Foi o que ocorreu no deferimento da medida cautelar na ADI 6387 pelo STF, em voto da ministra Rosa Weber, ao suspender a eficácia da MP 954/2020, porque "o respeito a` privacidade e a` autodeterminação informativa foram positivados, no artigo 2º, I e II, da lei 13.709/2018 (LGPD)." 

Ocorreu também em fevereiro desse ano, no julgamento de produção antecipada de provas pela 1ª Vara de Fazenda Pública de São Paulo (processo digital 1006616-14.2020.8.26.0053), sobre uso de câmeras para reconhecimento facial no metrô paulista. Foi acolhida a "(...)produção antecipada das provas para análise do impacto de proteção de dados, contendo quais dados serão coletados e tratados, a finalidade desse tratamento, o período de retenção dos dados, o grau de risco, a existência de dados definidos como sensíveis pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e as ações de mitigação do risco envolvido (...)."

O caso mais recente foi o da notificação da empresa BytheDance Brasil, proprietária do aplicativo TikTok, pelo PROCON SP, ocorrida no último dia 14 de maio, na qual a LGPD foi invocada para defender a privacidade de crianças e adolescentes.

Recorrer a uma lei ainda em vacância não é novidade entre nós. A doutrina já defendeu a força argumentativa do CPC de 2015 antes mesmo de sua vigência, para respaldar decisões judiciais e evitar danos irreparáveis (Fredie Didier Jr1).

No caso do TikTok, ao utilizar a LGPD para fundamentar sua notificação, o PROCON SP não extrapolou os seus limites de sua atuação, nem tampouco reduziu a importância da norma. Cabe ao Procon proteger todas as relações de consumo, inclusive as online.

No caso, o Procon pretende cumprir os mandamentos constitucionais da defesa do consumidor (CF, art. 5º, XXXII), da intimidade (CF, art. 5º, X) e proteção da criança e do adolescente (CF, art. 227, caput), que representam um terço do público da web e são altamente vulneráveis a campanhas publicitárias, por sua reduzida capacidade de autodeterminação informativa.

Preocupações dessa ordem tem sido constantes em todo o mundo. Em fevereiro de 2019, a Comissão Federal de Comércio dos EUA declarou que a BytheDance (que adquiriu a ferramenta americana Musical.ly e fundiu ao TikTok) violou as leis de privacidade de crianças por não obter o consentimento dos pais antes de coletar as informações pessoais de menores de 13 anos, impondo-lhe multa de 5,7 milhões de dólares.

A União Europeia também questionou o uso desse aplicativo por crianças e adolescentes em seu continente. A ICO, órgão competente para Proteção de Dados no Reino Unido, iniciou uma investigação sobre o serviço de mensagens da ferramenta por possibilitar que adultos enviassem mensagens as crianças.

No final de 2019, o TikTok foi alvo novamente de acusações sobre possíveis censuras para impedir vídeos de pessoas consideradas "feias" e em cenários como "favelas" e "lugares miseráveis", dada sua possível baixa audiência.

A LGPD será uma importante inovação para a defesa da privacidade, mas não se pode ficar inerte até sua entrada em vigor, diante de possíveis violações irreparáveis aos direitos humanos digitais.

O trabalho do PROCON SP não se destina a reduzir o futuro papel da Autoridade Nacional de Proteção de Dados, mas a garantir agora a tutela dos direitos dos consumidores digitais, certo de que nenhum órgão de defesa deve deter o monopólio de valores tão relevantes como a proteção da imagem e privacidade de crianças.

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1 DIDIER JR., Fredie. Eficácia do novo Código de Processo Civil antes do término do período de vacância da lei. Op. cit., p. 328.

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*Fernando Capez é secretário extraordinário de defesa do consumidor.

*Elaine Keller é economista, advogada do escritório Keller Sociedade | Advocacia e membro da IAPP - Internacional Association of Privacy.

 

 

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