Panorama do posicionamento dos tribunais brasileiros acerca dos efeitos do inadimplemento nas relações contratuais em razão da covid-19
A atuação do corpo jurídico é essencial neste momento. Primeiro - e o mais importante -, para estimular o diálogo e colaboração entre as partes. Este deve ser o preceito fundamental de todo advogado ou membro do Poder Judiciário.
quinta-feira, 28 de maio de 2020
Atualizado às 10:58
É verdade que a crise oriunda do covid-19 é sem precedentes, não apenas na saúde, como também no âmbito econômico. No Brasil, a situação torna-se ainda mais alarmante devido ao fato de que estávamos ainda nos reerguendo de um período de recessão. Por este motivo, é primordial que a falsa dicotomia entre saúde e economia seja posta de lado, para que soluções reais comecem a ser formuladas e o dano econômico seja mitigado de forma segura para a população.
A atuação do corpo jurídico é essencial neste momento. Primeiro - e o mais importante -, para estimular o diálogo e colaboração entre as partes. Este deve ser o preceito fundamental de todo advogado ou membro do Poder Judiciário.
Contudo, sabemos que em vários casos o caminho natural será uma discussão judicial sobre o tema. Assim, há uma tendência que as decisões advindas da pandemia moldem a forma com a qual o Brasil lidará com a crise. Não por outro motivo, é objetivo deste artigo demonstrar a tendências dos tribunais neste momento inicial no tocante às relações contratuais em tempos de covid-19, através do viés das primeiras decisões proferidas.
Nesta toada, o que a sociedade espera do judiciário é uma análise casuística e individual a cada conflito insurgido da crise causada pelo novo coronavírus, sem prejuízo de uma visão sistêmica, por se tratar de crise avassaladora que afeta não apenas economia como um todo, mas outras searas sociais. Afinal, vivemos em um sistema interdependente, no qual o credor de um é, muito provavelmente, devedor de outro.
De logo, até o presente momento, eis o que pode se inferir das decisões judiciais envolvendo a crise oriunda do covid-19: (I) a tentativa de negociação entre as partes possui significativo valor para o magistrado; (II) há necessidade de comprovação do nexo causal entre a impossibilidade de cumprimento de determinada obrigação e a crise oriunda do vírus; (III) deverá ser averiguado se empresa inadimplente foi, de fato, afetada pela crise oriunda do vírus; e (IV) o magistrado procura balizar os efeitos da crise, visando os interesses de ambas as partes.
Em relação ao primeiro ponto, deve-se destacar a importância da cooperação nesta conjuntura pandêmica. O ponto central observado pelo Judiciário tem sido o resguardo da relação contratual, porém, para tanto, é fator imprescindível a demonstração do mesmo interesse pelas próprias partes. Em outras palavras, o que se nota é que juízes e desembargadores estão favorecendo as partes que, munidas de boa fé e razoabilidade, procuram negociar e readequar os termos do contrato, com o objetivo de mantê-lo.
Podemos comprovar tal assertiva através de decisão proferida pela 5ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, na qual houve a diminuição do valor do aluguel, sendo um dos elementos da ratio decidendi o fato de que o locador não se dispôs a negociar com a empresa locatária, violando "os princípios da boa-fé objetiva, da colaboração e da solidariedade social"1.
Em São Paulo, a negociação também está sendo extremamente valorizada nas decisões, não à toa a Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo publicou o provimento 11/202, tratando da criação de projeto-piloto de conciliação e mediação pré-processuais para disputas empresariais decorrentes dos efeitos do covid-19.
Deste modo, é notório que o empenho da parte na tentativa de resolução do conflito será de grande importância aos olhos do magistrado, tornando-se aconselhável às partes o exaurimento das tentativas de autocomposição antes de procurar o judiciário.
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1 (TJ-DF 07092833920208070000, Relator: HECTOR VALVERDE, 5ª Turma Cível, Data de Publicação: 05.05.20)
2 CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DE SÃO PAULO. Provimento 11/20, de 17 de abril de 2020. Dispõe sobre a criação de projeto-piloto de conciliação e mediação pré- processuais para disputas empresariais decorrentes dos efeitos da Covid- 19. PROVIMENTO CG No 11/20, [S. l.], 17 abr. 2020. Disponível clicando aqui. Acesso em: 19 maio 2020.
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*Lucas Cavalcanti é sócio-gestor e especialista em Insolvência do escritório Queiroz Cavalcanti Advocacia.
*Maria Helena Leiro Bancillon de Aragao é advogada da área de Recuperação de Crédito do escritório Queiroz Cavalcanti Advocacia.
*Beatriz de Azevedo Noroes é acadêmica em Direito na UFPE e estagiária do escritório Queiroz Cavalcanti Advocacia.