Caso IBGE - Violação aos dados pessoais pelo compartilhamento para produção de estatísticas oficiais
O avanço tecnológico é global, ainda mais que está instituída uma sociedade pautada em informações, com grande comércio de dados privilegiados.
quinta-feira, 21 de maio de 2020
Atualizado às 10:24
A Constituição Federal, resguarda em seu arcabouço jurídico garantias mínimas invioláveis de todos os cidadãos, entre os quais encontram-se resguardados os direitos à intimidade, à vida privada, bem como ao sigilo de dados.
Apesar da existência de parâmetros mínimos constantes ao artigo 5º, da Carta Magna, foi editada a Medida Provisória 954/2020, frente ao estado de calamidade pública pela pandemia do Covid 19, em que tinha como parte de seu objeto o compartilhamento de dados dos usuários de telefonia móvel ou fixa com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE.
A norma obrigava que as empresas de telefonia disponibilizassem ao IBGE a relação de nomes, números de telefones e os respectivos endereços, tanto de pessoas físicas quanto de pessoas jurídicas.
Estes dados deveriam ser utilizados direta e exclusivamente pela Fundação IBGE para a produção estatística oficial, com o objetivo de realizar entrevistas em caráter não presencial no âmbito de pesquisas domiciliares.
Logo após sua publicação, foram desencadeadas diversas ações diretas de inconstitucionalidade, por solapar, por completo, as garantias e direitos fundamentais previstos.
Com os reclamos ao Supremo Tribunal Federal, houve a suspensão da eficácia da medida provisória em caráter liminar pela Ministra Rosa Weber, o que foi confirmado pela maioria dos ministros em julgamento pelo plenário deste órgão.
É nítido que tais medidas impactam os dados pessoais, que por sua vez, pulverizam o direito a intimidade que é componente essencial a formação da pessoa e seu modo de ser, revelando aspectos que definem propriamente cada um dos indivíduos que compõem o povo brasileiro, chocando aos direitos da personalidade.
Além disso, os impactos se alargam por trazerem aspectos da vida privada, que se define pelas informações que o indivíduo pode escolher se serão expostas ou não, bem como as pessoas que poderão ter acesso a esta informação, o que não ocorreu na medida legislativa atípica, considerando que os dados de todos os indivíduos são invioláveis.
Apesar da violação aos direitos fundamentais, a medida se choca com a Lei Geral de Proteção de Dados, que apesar de não estar em vigor, já foi aprovada e serve como baliza às diretrizes de dados coletados e compartilhados.
A Medida Provisória, age ao arrepio da legislação infraconstitucional principalmente ao que tange a inexistência de mecanismos técnicos ou políticas institucionais para garantir a proteção aos dados pessoais coletados, considerando que se abre largo espaço para o acesso inconsequente de dados, com possibilidade de vazamento e utilização para fins escusos.
Seria totalmente contrário ao que vem se apresentando pelas mais diversas associações de defesa do consumidor, bem como pelo Ministério Público, assegurar a validade da Medida Provisória, levando a considerar uma manobra governamental para coleta irregular em massa diante da prorrogação da entrada em vigor da LGPD.
O excesso da legislação atípica foi evidente, ainda mais que se justificou o uso para estatística em relação a pandemia, porém, é notório que existe a possibilidade de aplicação de outros meios mais sutis e menos invasivos aos titulares de dados, contudo ainda se questiona até onde está titularidade é firmada, podendo ou não ser mitigada.
Há, ainda, que se considerar, pelo texto da Medida Provisória 954/2020, a inexistência de qualquer razoabilidade para com o povo brasileiro, diante do excesso de dados coletados e interferência na vida privada durante todo o período de calamidade pública, sendo que existe a clara colisão aos princípios constitucionais, bem como ao princípio da dignidade da pessoa humana.
O avanço tecnológico é global, ainda mais que está instituída uma sociedade pautada em informações, com grande comércio de dados privilegiados, inclusive com condenações astronômicas na Europa em que já existe em vigor a General Data Protection Regulation - GDPR.
Permitir o uso dos dados pessoais sem qualquer finalidade factível, sem delinear quais dados realmente serão coletados, local onde serão armazenados, procedimentos de segurança e políticas de privacidade, seria colocar o Estado em uma bolha anti tecnológica, podendo impactar também em relações comerciais internacionais.
Diante de tal cenário, vislumbra-se que o Supremo Tribunal Federal está em pleno acordo com a proteção de dados frente a sociedade das informações, demonstrando a relevância do tema e aproximando o Estado brasileiro aos países europeus que são extremamente protecionistas diante da relevância dos dados, corroborando assim, para as questões de privacidade e manipulação de dados pessoais.
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*Rafael Tedrus Bento é sócio do escritório Luz & Tedrus Bento Advogados, mestrando em Direito Internacional pela PUCCAMP, especializado em Direito do Trabalho pela PUC-SP e especializado em Direito Empresarial pelo INSPER.
*Vinicius Medeiros Rossi é advogado do escritório Luz & Tedrus Bento Advogados, especializando em Direito Civil pela Damásio Educacional, formado pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas - PUCCAMP.