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Covid-19: uma questão de sobrevivência

Paulo Renato Barroso, Leonardo Espíndola e Isabela Coutinho

Não há espaço para o tudo ou nada, nem para batalhas dolorosas para aqueles que já estão combalidos pela crise sistêmica.

quinta-feira, 21 de maio de 2020

Atualizado às 10:22

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A covid-19, pandemia mundial causada pelo novo coronavírus, já nos apresentou um cenário de crise talvez só comparável aos períodos das guerras mundiais e da Grande Depressão iniciada em 1929.

Ainda não é possível dimensionar o grau da devastação provocada na economia e as gravíssimas consequências sociais que advirão desse colapso, mas é pouco provável que algum setor esteja protegido.

A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) avaliou que o mundo levará anos para se recuperar do impacto causado pela covid-19, sendo previsível que quase todas as economias mundiais entrarão, já nos próximos meses, em recessão ou até mesmo depressão.

Nesse contexto, surgem incontáveis impasses contratuais das mais diversas naturezas, como consequência principalmente da inegável redução do poder aquisitivo das pessoas físicas, agravada pelo substancial aumento do desemprego, e da perda de faturamento das empresas, centenas das quais caminham para processos falimentares ou de recuperação judicial.

O que já se aprendeu com essa devastadora pandemia é que as soluções não devem ser individuais, mas coletivas. Desde o modo de prevenção às consequências da doença, seja no campo da saúde, ou econômico, a única saída perpassa por uma atuação conjunta de toda a sociedade. 

O cenário é claro: nas relações contratuais, todas as partes poderão, em tese, alegar força maior ou onerosidade excessiva das cláusulas do contrato. Portanto, o momento exige considerar os métodos alternativos de resolução de conflitos, mais especificamente os denominados autocompositivos ou não adversariais, antes do confronto pela via judicial ou arbitral.

Isso porque o que se busca não é mais uma vitória na causa (cultura da sentença), mas sim a sobrevivência e manutenção das relações (cultura da pacificação). Sem dúvida, a maneira mais inteligente e menos dolorosa de se enfrentar a situação é poupando recursos e buscando, através de um espírito colaborativo, uma composição em que todos minimizem suas perdas e mantenham ou reforcem o seu caixa.

Em crises sistêmicas, há uma multiplicidade de enfrentamentos em diferentes escalas, pelos mais diversos setores da sociedade. O que vimos desde o início da política de isolamento é que precisamos uns dos outros, sendo fundamental nesse momento que as soluções pontais cedam espaço para as negociações coletivas, sendo considerados os interesses dos mais diversos setores.

Como já disse Fernando Pessoa, "precisar de dominar os outros é precisar dos outros. O chefe é um dependente". As companhias, assim como as pessoas, precisam umas das outras para negociar, produzir, gerar riqueza, viver e crescer. Não importa se está numa posição hierarquicamente superior ou inferior, pois até o chefe é dependente.

Um exemplo é o caso dos shopping centers. Diversos Estados da Federação já determinaram a suspensão temporária de suas atividades. Com receita zero ou próxima a zero, a perda não é só dos lojistas, mas também dos proprietários dos shoppings, eis que, indiretamente, a receita dos donos do imóvel advém do faturamento das lojas. Sem vendas, não há recursos para o sustento das lojas, nem para o pagamento dos aluguéis mensais, por consequência.

Não adianta, pois, que os shoppings simplesmente executem as dívidas de aluguéis; o mais importante agora é a sobrevivência da relação e a busca da preservação da receita futura. Para isso, o uso da negociação direta, da mediação ou da conciliação se mostra impositivo para a adequada solução dos conflitos, especialmente porque as negociações não serão pontuais, mas coletivas, abarcando, por exemplo, todos os lojistas.

O método a ser utilizado dependerá de cada caso. A mediação e a conciliação distinguem-se da negociação direta pela participação de uma terceira figura imparcial no processo consensual, e que auxilia as partes na busca pela solução do conflito.

Já a diferença entre mediação e conciliação é mais tênue. Segundo dispõem os parágrafos 2° e 3° do artigo 165, do CPC, o conciliador ativamente sugere uma solução para o litígio, enquanto o mediador aproxima os interessados para que reflitam sobre suas divergências, descubram as causas, retomem o diálogo e cheguem, sozinhos, à solução da controvérsia.

As ferramentas legais já estão positivadas e prontas para serem utilizadas. Sejam conflitos antigos, atuais ou futuros, não há melhor momento para que o espírito colaborativo seja definitivamente implementado, a partir do uso dos métodos ganha-ganha, em substituição aos processos ganha-perde. Parafraseando Raul Seixas, "nunca se vence uma guerra lutando sozinho."

As vantagens dos métodos autocompositivos na gestão de conflitos precisam ser consideradas levando-se em conta o atual momento: o oferecimento de um espaço para que sejam moldadas soluções pelas próprias partes; o objetivo de pacificação e de preservação das relações anteriores; a economia de tempo e de recursos financeiros; a maior flexibilidade para a análise de opções mais criativas nos resultados; dentre outras.

O enfrentamento da pandemia exigirá muito esforço conjunto, e é preciso atentar às formas mais apropriadas para a solução de potenciais litígios, direcionando-os, primeiramente, aos métodos consensuais ao invés dos adversariais.

Não há espaço para o tudo ou nada, nem para batalhas dolorosas para aqueles que já estão combalidos pela crise sistêmica. Em momentos difíceis, os horizontes se ampliam, e as dificuldades ensinam. Mas apenas aos que sobrevivem.

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*Paulo Renato Barroso é advogado do Cascione Pulino Boulos Advogados.

*Leonardo Espíndola é advogado do Cascione Pulino Boulos Advogados.

*Isabela Coutinho é advogada do Cascione Pulino Boulos Advogados.

 

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