Vigência de patentes e saúde pública
Urge decidir-se a ADIN sob comento, principalmente na época atual de pandemia do covid-19, para que o país não fique por décadas submetido a uma patente concedida na vigência da lei atual.
sexta-feira, 15 de maio de 2020
Atualizado às 09:51
Alertou-me o advogado Pedro Marcos Barbosa acerca da inclusão em pauta virtual no dia 22 de maio próximo, da ADIN 5529, processo em que a Procuradoria Geral da República impugna a validade do art. 40, parágrafo único, da Lei de Propriedade Industrial 9.279, de 1996, que determina a prorrogação da vigência de uma patente de vinte anos do depósito para dez anos da concessão, resultando na expressão do dr. Pedro Marcos em "patentes marajás", algumas com mais de 37 anos.
Segundo o missivista, a pauta virtual tem suas particularidades1.
A importância do caso é destacada em apoio à inicial da PGR por pareceres2.
Do parecer do professor Eros Grau, destaco:
Essa extensão dar-se-á sempre que o processo de exame do pedido de patente dure mais de dez anos [=mínimo de 10 anos do parágrafo único do artigo 40 + 10 anos], no caso de patente de invenção, e mais de oito anos [=mínimo de 7 anos do parágrafo único do artigo 40 + 8 anos], no caso de patente de modelo de utilidade.
Note-se bem o que se dá no seguinte exemplo:
*pedido de patente de invenção apresentado em 1996, na vigência da lei 9.279, o requerente tendo pedido a antecipação da sua publicação;
*desde então goza do direito de obter indenização pela exploração do objeto da patente, inclusive em relação à exploração ocorrida entre a data da publicação do pedido e a da concessão da patente [artigo 44 da lei 9.279/96];
*o INPI consome vários anos no exame desse pedido, concedendo a patente no correr do ano de 2013, de sorte que somente a partir de então passará a ser contado o prazo de dez anos do parágrafo único do artigo 40;
*o titular da patente gozará do privilégio de invenção durante vinte e sete anos [de 1996 a 2023], esse prazo --- sempre superior aos vinte anos definidos pelo caput do artigo 40 --- podendo variar, conforme o tempo que vier a ser consumido pelo INPI no exame do pedido de patente.
O preceito instalado pelo parágrafo único do artigo 40 da lei 9.279/96 torna inarredavelmente variáveis, incertos e indetermináveis, como se vê, os prazos de vigência das patentes. Esses prazos passam a ser distintos, caso a caso, conforme a duração do respectivo processo de exame do pedido de patente. (pag. 9/10)
Adiante em seu parecer acentua o mestre:
14. Enquanto, de um lado, o caput do artigo 40 da lei 9.279/96 atribui às patentes do mesmo tipo idêntico prazo de vigência --- vinte anos para patente de invenção e quinze anos para patente de modelo de utilidade ---, o parágrafo único do artigo 40 da lei 9.279/96, de outra banda, atribui a patentes de mesmo tipo distintos termos de vigência, variáveis de acordo com o prazo de duração do processo de exame de pedido de patente conduzido pelo Poder Executivo. (pag. 16/17)
Lembro-me, em abono de exposição de Eros Grau de que, quando era eu estagiário de meu pai Sebastião Silveira, tive em mãos o original de um processo de pedido de patente da caneta com ponta esférica (bic). Se não me falha a memória, esse processo tramitava há cerca de trinta anos e a patente que viesse a ser concedida vigoraria por 15 anos contados da concessão. Não sei o desfecho que teve esse caso, mas creio ter sido corrigido o problema por lei posterior, que passou a estabelecer a contagem do prazo de duração da patente a partir da data de depósito (requerimento).
Urge decidir-se a ADIN sob comento, principalmente na época atual de pandemia do covid-19, para que o país não fique por décadas submetido a uma patente concedida na vigência da lei atual.
Ainda mais caso alguém tenha a genial ideia de pedir uma patente de segundo uso para a Cloroquina! (05)
1 A pauta virtual, entretanto, tem suas peculiaridades: (i) não há um julgamento sincrônico - o relator solta para os demais ministros o seu voto e há um prazo para que estes discordem, ou o feito é julgado por unanimidade; (ii) não há debates entre Ministros; (iii) não há televisionamento do julgamento; (iv) os advogados podem fazer gravações de sustentação oral, mas não há garantias de que serão assistidas.
2 pareceres dos profs. drs. Eros Roberto Grau (professor titular da FADUSP), Denis Barbosa (falecido professor da PUC-Rio), Heloísa Helena Gomes Barboza (ex-MPRJ e atual diretora da Faculdade de Direito da UERJ, profa. titular em Direito Civil e Saúde Pública) e Celso Antonio Bandeira de Mello (titular da PUC-SP) que corroboram integralmente os argumentos da PGR.
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*Newton Silveira é sócio do escritório Newton Silveira, Wilson Silveira e Associados - Advogados.