Os benefícios fiscais do estado de Goiás e a demissão ou suspensão temporária de contratos de trabalho - decreto 9654/20
O momento certamente exige altruísmo, mas não permite ilegalidades e inconstitucionalidades.
terça-feira, 12 de maio de 2020
Atualizado às 08:38
Em 23 de abril de 2020 o Governador do estado de Goiás publicou o decreto 9.654/2020, que estabeleceu a suspensão dos benefícios fiscais concedidos pelo estado, em caso de demissão, sem justa causa, ou suspensão do contrato de trabalho de trabalhadores enquadrados no grupo de risco da covid-19.
Em outros termos, criou-se novas condições para que as empresas que já são beneficiárias de incentivos fiscais no estado de Goiás possam continuar usufruindo de seus benefício, quais sejam: a não demissão sem justa causa e a não suspensão do contrato de trabalho de trabalhadores classificados como grupo de risco do coronavírus.
Por mais altruísta que possa ser a intenção do governador goiano, no sentido de buscar manter empregos daqueles mais vulneráveis aos efeitos da pandemia, tal medida afronta uma série de princípios constitucionais, a começar pelo princípio da legalidade.
Importante registrar que os benefícios fiscais foram concedidos por lei estadual, tendo sido convalidados após a LC 160/17. Ou seja, são benefícios legais, que estão vigentes e produzindo efeitos.
Dessa forma, por força do primado da legalidade, somente a lei poderia criar outra exigência à vigência dos benefícios, jamais um Decreto do Executivo que não tem, por óbvio, força de lei.
Afora isso, muitos dos benefícios concedidos são classificados como incentivos onerosos e por prazo determinado, já que exigem o preenchimento de condições para o seu exercício e prazo certo de vigência.
Para se valer desses benefícios onerosos, o contribuinte precisou cumprir os requisitos estabelecidos em lei ou no TARE, entre eles, a implantação ou expansão de sua capacidade produtiva, a geração de empregos, a regularidade fiscal, entre outros.
Uma vez cumpridas essas condições, tais benefícios não poderiam ser livremente suprimidos, sob pena de ofensa ao direito adquirido e ato jurídico perfeito. Esse, inclusive, é o entendimento do STF (súmula 544) no caso das isenções, que são espécies de incentivo fiscal.
Assim, criar uma nova condição à fruição de incentivos fiscais, mesmo que por lei, já seria de constitucionalidade duvidosa. Criar, todavia, uma nova condição via Decreto do Executivo é, sem dúvidas, uma evidente afronta ao princípio da legalidade.
Por fim, importante frisar que muitas empresas goianas estão sofrendo duramente os efeitos das medidas de combate à covid-19, sendo que a opção pela suspensão dos contratos de trabalho, prevista na MP 936/20, além de uma alternativa proposta pelo próprio governo federal, é sem dúvidas uma das formas de permitir às empresas passar pela crise e, ainda, proteger o trabalhador e assegurar sua empregabilidade durante o período de calamidade.
Impedir a suspensão temporária de contratos de trabalho e até mesmo as demissões por meio da ameaça de embargo aos benefícios fiscais legalmente concedidos, certamente é uma medida que extrapola os limites constitucionais.
O momento certamente exige altruísmo, mas não permite ilegalidades e inconstitucionalidades.
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*Klaus E. Rodrigues Marques é sócio do Brasil Salomão e Matthes Advocacia e especialista em Direito Tributário.