Renegociação de contratos de locação comercial diante da crise do coronavírus
Caberá ao Poder Judiciário, portanto, reinventar as normas jurídicas das relações privadas para equilibrar os prejuízos para todas as partes, porém não podemos negar a realidade extraordinária e imprevisível que vivemos.
segunda-feira, 11 de maio de 2020
Atualizado às 11:38
Considerando que os contratos de locações e seus efeitos têm sido revisados pelo Poder Judiciário em todos os Estados por conta da situação imprevisível e extraordinária resultante da pandemia de Covid-19 (ou novo coronavírus) e, que há uma notória soma de esforços dos três poderes a fim de minimizar seus impactos econômicos e jurídicos, o Congresso Nacional está em conclusão da votação do Projeto de Lei 1.179/20, onde é prevista a proibição de decisões liminares em ação de despejo.
O artigo 9º do suscitado projeto de lei, determina que: "Não se concederá liminar para desocupação de imóvel urbano nas ações de despejo, a que se refere o art. 59 da Lei 8.245, de 18 de outubro de 1991, até 31 de dezembro de 2020".
Observa-se que não se trata de um período sem fim, mas um intervalo extraordinário de três importantes meses onde se prevê uma curva acentuada de recessão econômica.
Tal situação, aliada ao fechamento de qualquer comércio não essencial nas principais capitais, muitos estabelecimentos empresariais perderam a razão de sua existência, qual seja, o lucro de seu faturamento, pior sem prazo certo de cessação. Com o cenário de recessão econômica instalado, onde, para muitos, é pior que as próprias consequências da doença, importante uma atuação preventiva conforme os termos abaixo, não sendo necessária a publicação da lei de suspensão do despejo, consequência extrema onde certamente levará à derrocada financeira de todas as partes contratadas.
No presente artigo, nosso objetivo é uma orientação no tocante ao contrato de locação. Assim, como medida preventiva, os inquilinos que já sentem os efeitos da recessão, devem estabelecer negociações extrajudiciais de suspensão e/ou revisão dos valores dos aluguéis, buscando garantir os pontos comerciais e um retorno viável quando tudo amenizar.
Com efeito, um dos cânones do Direito Contratual é a força obrigatória do contrato, de sorte que, uma vez concluído, ele se incorpora ao ordenamento jurídico, fazendo lei entre as partes. É decorrência do princípio tradicional pacta sunt servanda. Entretanto, a força obrigatória dos contratos não é um princípio absoluto, mas relativo.
Dentre as suas mitigações, nos importa, neste momento, a teoria da imprevisão, que se revela num moderno movimento que permite ao juiz, obedecidas certas circunstâncias, revisar o contrato mediante o pleito unilateral de um dos contratantes.
A teoria da imprevisão tem aplicabilidade quando uma situação nova e extraordinária surja no curso do contrato, colocando uma das partes em extrema dificuldade, flexibilização ativada a fim de cumprir a função social de contrato e impedir o enriquecimento indevido, intento rechaçado por todo ordenamento jurídico.
Permeando o objeto de nosso estudo, tal teoria encontra paralelo no art. 18 da Lei do Inquilinato (Lei 8.245, de 18 de outubro de 1991), que é claro no sentido da possibilidade de repactuar o novo valor para o aluguel em comum acordo sem a necessidade de medidas judiciais extremas que podem gerar custos desnecessários às partes, como é o caso da Ação Revisional ou Despejo.
Não ignorando os termos da lei de locação no cenário econômico apresentado é possível ainda a revisão dos contratos em geral com base nos artigos 478, 479 e 480 do Código Civil, que permitem a resolução, redução da prestação ou seu modo de execução diante de "acontecimentos extraordinários e imprevisíveis" que torne a prestação de uma das partes excessivamente onerosa. Vejamos: Da Resolução por Onerosidade Excessiva
Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.
Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato.
Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.
Com fundamento em nosso ordenamento jurídico, nossa sugestão tem sido no sentido de elaborar um adendo contratual prevendo a concessão de um prazo de carência ou suspensão de até 4 (quatro) meses das prestações locatícias, período que não haveria cobranças.
Caso não haja consenso extrajudicial, pode-se valer das medidas judiciais cabíveis, como a Ação Revisional de Aluguel, cujos requisitos serão relativizados pelo juízo atento aos fatos concretos e a suscitada Teoria da Imprevisão, ou seja, podem ser dispensados diante do cenário apresentado (art. 19 da lei No 8.245).
Tal cenário, já realidade em nossos tribunais, recentemente Juiz de Direito Dr. Fernando Henrique de Oliveira Biolcati, da 22ª Vara Cível da Capital de São Paulo deferiu liminar e determinou a redução no valor do aluguel pago por um restaurante em virtude da atual crise ocasionada pela Covid-19, determinando que fosse pago o equivalente a 30% do valor original do aluguel, enquanto durar a crise sanitária.
Baseou-se o Ilmo. Magistrado, no decreto estadual 64.881/20 que, no artigo 2º, inciso II, proíbe a abertura ao público das atividades de restaurante, onde afirma que "Tal situação ocasionou a queda abrupta nos rendimentos da autora, tornando a prestação dos alugueres nos valores originalmente contratados excessivamente prejudicial a sua saúde financeira e econômica, com risco de levá-la à quebra". Processo: 1026645-41.2020.8.26.0100
Em outra recente decisão, aplicada em um contrato societário, corroborando os argumentos aqui defendidos, o desembargador Dr. Cesar Ciampolini, da 1ª Câmara de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, trouxe como fundamento um "cenário de guerra" e autorizou o diferimento das parcelas de abril, maio e junho em um contrato de cessão de quotas.
Destacou que após a 1ª Guerra Mundial, os países viveram uma situação econômica absolutamente inesperada, que "tornou deveras ruinosos e inexequíveis todos os contratos a longo prazo e de execução sucessiva ou diuturna", ressuscitando assim a cláusula rebus sic stantibus, diante da crise sanitária. Afirmou, ainda, que "em tempo de guerra, que é, mutatis mutandis, aquele que vivemos em face da pandemia do coronavírus, assim deve realmente ser". Processo: 2061905-74.2020.8.26.0000
Caberá ao Poder Judiciário, portanto, reinventar as normas jurídicas das relações privadas para equilibrar os prejuízos para todas as partes, porém não podemos negar a realidade extraordinária e imprevisível que vivemos. Para tanto a cláusula geral prevista no artigo 478 do Código Civil será de grande valia na pacificação dos conflitos e soluções contratuais.
Certamente os comandos legais serão insuficientes para a solução dos casos apresentados com fundamento neste extraordinário cenário de pandemia, mas tende a um reequilíbrio onde ninguém se favorecerá indevidamente sobre o outro. O bom senso imperará a fim de evitar o enriquecimento sem causa, principalmente nos casos onde será necessária a devida ponderação de interesses.
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*Fabiano Furlan é advogado especialista em Direito Empresarial e parceiro do escritório Stuchi Advogados.