A cortesia internacional e a decisão da Royal Court of Justice
A Carpatsky Petroleum Corporation (requerente) e a PJSC Ukrnafta (requerido) iniciaram disputa arbitral perante a Stockholm Chamber of Commerce, na Suécia, envolvendo contrato de parceria para exploração do campo de gás natural Rudivsko-Chervonozavodskiy, na Ucrânia.
sexta-feira, 8 de maio de 2020
Atualizado às 10:34
A Royal Court of Justice, em Londres, recentemente manteve pedido de ratificação, afastando a possibilidade de anulação da sentença arbitral proferida pela Stockholm Chamber of Commerce em 24 de setembro de 2010.
A Carpatsky Petroleum Corporation (requerente) e a PJSC Ukrnafta (requerido) iniciaram disputa arbitral perante a Stockholm Chamber of Commerce, na Suécia, envolvendo contrato de parceria para exploração do campo de gás natural Rudivsko-Chervonozavodskiy, na Ucrânia.
Na sentença arbitral, o Tribunal apontou a ocorrência de inadimplemento contratual por parte da requerida e a condenou ao pagamento de US$145 milhões, acrescido de juros e custos da arbitragem, em favor da Requerente.
A requerida Ukrnafta ajuizou ação anulatória perante a Corte Sueca, questionando a jurisdição do Tribunal Arbitral. A demanda foi julgada improcedente pela 5ª Divisão da Corte Distrital de Estocolmo.
Em seguida, a requerente Carpatsky iniciou procedimento para homologação e execução da sentença arbitral estrangeira perante a Royal Courts of Justice, em Londres. A requerida, contudo, resistiu à homologação, invocando fundamentos já apresentados perante o Tribunal Arbitral e a Corte de Estocolmo, quais sejam, invalidade da cláusula arbitral (art. V.1.(a) da CNI) e irregularidade procedimental - art. V.1.(b) da CNI).
A corte inglesa, contudo, rejeitou os argumentos formulados pela requerida, por entender, em primeiro lugar, que, por força do princípio estoppel - que veda condutas contraditórias com aquelas anteriormente adotadas -, a parte vencida não poderia reapresentar e rediscutir, em sede de procedimento de homologação de sentença estrangeira, os argumentos já apresentados e debatidos na ação de anulatória ajuizada na Suécia.
O tribunal também entendeu que apresentar argumentos na ação de homologação na Inglaterra que não foram apresentados na Suécia caracterizaria abuse of process, ou seja, ato ilícito decorrente da utilização intencional do processo judicial em desconformidade com a legislação.
A referida decisão é relevante pois diverge do posicionamento da jurisprudência brasileira sobre o tema. O Superior Tribunal de Justiça não recepciona o princípio da cortesia internacional (international comity) e entende cabível a rediscussão de argumentos debatidos no âmbito do procedimento arbitral em sede de procedimento de homologação de sentença estrangeira, desde que limitados aos requisitos da homologação.
O posicionamento do Superior Tribunal de Justiça parte da premissa de que permitir a rediscussão da matéria em sede de procedimento homologatório de sentença estrangeira resguarda a ordem pública brasileira. Privilegia-se a ordem pública nacional em detrimento da segurança jurídica que o respeito à decisão estrangeira poderia conceder. Em última análise, a observância estrita da cortesia internacional poderia levar o tribunal local a ratificar decisão proferida por corte estrangeira, mesmo que houvesse elementos indicando a ocorrência de corrupção no processo ocorrido no exterior.
Por outro lado, a defesa da cortesia internacional se relaciona ao exercício da autonomia da vontade e à escolha voluntária das partes pela jurisdição e lei aplicável em questões internacionais. Sob essa perspectiva, permitir a rediscussão de argumentos já rejeitados na sede da arbitragem enfraquece o caráter final da decisão proferida pelo órgão judicial ou arbitral, em prejuízo da eficiência e da segurança do mecanismo de resolução de disputa.
Ambas as posições são legítimas e se baseiam em lógica justificável. Embora compatível com a segurança jurídica, a aplicação do princípio da cortesia deve ser realizada a partir de critérios adequados e previamente definidos, evitando-se que decisões viciadas prevaleçam.
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*Renato Moraes é advogado do escritório Cascione Pulino Boulos Advogados.
*Tatiana Kauffmann é advogada do escritório Cascione Pulino Boulos Advogados.