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PIS, Cofins e a intermediação financeira

Assim como no campo gravitacional - mas, aqui, seguindo o sentido horizontal -, na atividade de intermediação financeira direta, o recurso que é emprestado ao tomador deveria retornar ao credor. Deveria, pois nem sempre é o que acontece.

quinta-feira, 7 de maio de 2020

Atualizado às 08:26

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Embora não fosse parlamentar, o físico inglês Isaac Newton produziu algumas leis. Das mais notórias é a lei da gravidade. Vem dela a origem da expressão "tudo o que sobe tem que descer". Mas o que uma teoria de física desenvolvida no século XVII tem a ver com o PIS e a Cofins e a atividade de intermediação financeira.

Assim como no campo gravitacional - mas, aqui, seguindo o sentido horizontal -, na atividade de intermediação financeira direta, o recurso que é emprestado ao tomador deveria retornar ao credor. Deveria, pois nem sempre é o que acontece.

Recente debate travado no CARF examinou a amplitude da regra prevista no artigo 3º, § 6º, I, "a", da lei 9.718/98, que autoriza a dedução da base de cálculo do PIS e da Cofins de despesas incorridas nas operações de intermediação financeira realizadas por bancos comerciais e demais instituições indicadas no dispositivo.

A possibilidade de dedução de despesas incorridas com venda de recebíveis com deságio causada por inadimplência da base de cálculo de referidas Contribuições foi objeto de análise por duas Turmas de Julgamento do CARF, com decisões divergentes.1

Para um dos órgãos colegiados envolvidos nos julgamentos, a despesa com a venda de recebível com deságio não representa perda diretamente relacionada com a atividade de intermediação financeira, já que tal figura contemplaria somente transações associadas à atividade de captação de recursos de uma parte e repasse a outra. Considerou-se irrelevante, ainda, ato normativo do Banco Central enquadrando tal despesa como decorrente de operação de intermediação financeira, com base no princípio da estrita legalidade.

Foi com fundamento jurídico justamente nas regras editadas pelo Banco Central que a outra Turma Julgadora firmou entendimento no sentido de que tais prejuízos equivalem a despesas de intermediação financeira, reduzindo a base de cálculo das Contribuições.

É verdade que os atos normativos não têm o condão de alterar a materialidade da incidência tributária. A regra legal em exame, contudo, apresenta uma norma aberta, fundada em elemento conceitual. Seu fundamento legal, por conseguinte, depende da correta definição dos conceitos de "despesa" e de "intermediação financeira".

De acordo com o Pronunciamento do Comitê de Pronunciamentos Contábeis 00 (estrutura conceitual), a redução no ativo que resulte em diminuição do patrimônio líquido configura uma despesa.

A intermediação financeira, por sua vez, representa uma operação composta envolvendo essencialmente três sujeitos. O poupador (agente superavitário) e o tomador de recursos (agente deficitário), cada um em uma extremidade da relação, e a instituição financeira, responsável, em regra, por ligar as pontas mediante a captação de valor monetário do primeiro e disponibilização ao segundo.

Como os negócios jurídicos firmados em cada etapa da operação assumem a natureza de mútuos, a quantia que sai inicialmente das mãos do poupador deve retornar ao seu patrimônio ao final da cadeia de eventos, eis que a propriedade do ativo permanece sob sua titularidade. A movimentação do dinheiro nesta relação, portanto, é circular.

Logo, parece conceitualmente equivocado sustentar que a operação de intermediação financeira termina no momento em que o banco empresta o recurso captado ao tomador. Como apontado, referido fluxo retrata apenas uma parte da operação. A atividade de intermediação se exaure por ocasião da devolução do montante captado pelo banco ao poupador. A compreensão deste binômio (ida e volta do dinheiro) é fundamental para viabilizar a adequada interpretação do dispositivo legal em apreço.

Uma vez que o tomador dos recursos se torna inadimplente, a quantia que lhe foi emprestada pelo banco não poderá retornar ao poupador, de tal modo que a operação não se fecha. Contrariando a lei da gravidade, aquilo que foi não voltou, ocasionando a redução do ativo detido pela instituição. Nasce assim uma despesa de intermediação financeira em estado puro. Tal despesa é traduzida pela venda do recebível com deságio, momento em que a perda na operação de intermediação é reconhecida.

Outro ponto que merece atenção diz respeito ao fato de que os prejuízos sofridos nas vendas ao mercado dos recebíveis com deságio correspondem a uma perda definitiva de ativos, diferentemente das perdas estimadas e contabilizadas como provisões ou EPCLD.

Portanto, tendemos a nos alinhar ao acórdão do CARF que endossou a dedução das despesas incorridas pela instituição financeira com a venda de recebíveis com prejuízo em face da inadimplência do devedor, posto que ostenta natureza de despesa de intermediação financeira, conforme apontado pelo próprio Banco Central, impondo-se a exclusão destes valores da base de cálculo do PIS e da Cofins.

Importante destacar, por fim, que o tema aqui tratado já é objeto de recursos especiais de autoria do contribuinte e da Fazenda Nacional, permanecendo pendente de apreciação pela CSRF, que deverá apresentar seu posicionamento quanto à matéria de forma inédita.

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1 Processo 16327.720353/2016-52 e processo 16327.721113/2017-56.

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*Ricardo Sitrângulo é advogado do escritório de Trench Rossi Watanabe.

*Isabela Ferrari é advogada do escritório de Trench Rossi Watanabe.

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