Análise dos limites às restrições de direitos impostas pelo Poder Público em razão do enfrentamento da covid-19
O esforço de combate envolveu ampla concertação federativa.
terça-feira, 5 de maio de 2020
Atualizado em 6 de maio de 2020 10:57
O turbilhão jurídico
O advento da pandemia provocada pelo covid-19 impulsionou as autoridades públicas a tomarem medidas de precaução e combate, com vistas a diminuir os impactos adversos. No plano jurídico, o evento provocou a edição de medidas normativas diversas, com vistas a garantir agilidade e liquidez para o custeio das despesas necessárias, bem como medidas de restrição de direitos, como suspensão dos serviços considerados não essenciais, recomendação de isolamento, dentre outros.
O esforço de combate envolveu ampla concertação federativa, pela qual União, Estados e municípios passaram a tomar múltiplas ações visando a redução dos índices de contágio e, assim, o abrandamento da curva das internações hospitalares.
Esse panorama não vem isento, contudo, de dúvidas e receios. Sob o ponto de vista do Direito, a principal questão é a do limite dos limites. Isto é, qual o limite das ações restritivas impostas pelas políticas públicas de enfrentamento do vírus? Certamente as autoridades podem muito, mas não devem poder tudo. Qual a linha divisora que marca o que é válido e o que é excessivo?
Momentos como esse abalam as estruturas do Direito e do Estado demandando respostas ágeis, assertivas e excepcionais. O desafio é garantir aquela, digamos, "dignidade" mínima que deve permear as relações em um mundo civilizado, o que, na linguagem jurídica, é representado por temos como garantia do mínimo essencial dos direitos fundamentais, devido processo, accountability, proibição de excesso, dentre outros.
Fato é que há mais dúvidas que certezas, dado o ineditismo e a pujança do fenômeno. No turbilhão que se apresenta, estão sendo criadas estruturas jurídicas, com soluções diversas, muito embora possamos traçar algumas indicações e tendências quanto à temática.
A resposta constitucional
Nossa Constituição autoriza a tomada de algumas medidas excepcionais em ambientes de anormalidade social, econômica, política, sanitária. É o caso da intervenção federal, do estado de defesa, do estado de sítio e - o que nos interessa mais de perto - do estado de calamidade pública.
Quanto a este, a CF/88 é bastante vaga. Mencionado no texto em apenas 05 oportunidades, o objetivo central é garantir flexibilidade orçamentária, fiscal e gerencial para que os entes públicos possam agir com eficiência e rapidez. Permite assim a instituição de empréstimos compulsórios (art. 148, I) e abertura de crédito extraordinário (art. 167, §3º)
Ou seja, o foco da regulação constitucional da calamidade pública é empoderar o Estado, não dando muitas pistas concretas sobre como controlar o excesso, o que, aliás, difere do padrão regulatório aplicados àquelas outras medidas excepcionais. Basta ver que, em relação à intervenção e aos estados de defesa e de sítio, o constituinte foi muito mais cauteloso e detalhou vários tipos de controle, tanto procedimentais, quanto materiais.
Em acréscimo, a CF/88 também dedica uma parte significativa à promoção e proteção da saúde, cujo dever do Estado envolve a implementação de "políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos" (art. 196), devendo o "Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle" na medida em que as ações e os serviços de saúde são considerados de relevância pública (art. 197).
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*Rodolfo Viana Pereira é advogado sócio da MADGAV Advogados. Professor da Faculdade de Direito da UFMG.