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A nomeação do Diretor-Geral da PF

a verificação dos fatos na ordem política é difícil de ser manejada e compreendida por pessoas que estão fora do contexto em que as diversas manifestações foram proferidas. Essa solução não é dada pela ordem jurídica!

segunda-feira, 4 de maio de 2020

Atualizado às 14:32

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O episódio da liminar concedida pelo Ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, no bojo de Ação de Mandado de Segurança, impetrado por partido político, a qual suspendeu a nomeação de Diretor-Geral da Polícia Federal, feita, por decreto, pelo Presidente da República, Jair Bolsonaro, causou alvoroço no meio político e jurídico.

De acordo com o eminente Ministro da Corte Suprema, o ato administrativo deveria estar pautado em princípios, como a impessoalidade, a moralidade, a proteção do interesse público. Linhas gerais, além de declarações públicas e de conversas por whatsApp, o Ministro baseou-se na instauração de inquérito policial para apurar fato também atribuído ao Presidente da República. Assim, ante o [suposto] desvio de finalidade do ato administrativo, suspendeu a eficácia de nomeação e posse do Diretor-Geral da Polícia Federal.

É verdade, os atos administrativos devem cumprir desideratos constitucionais e legais, ninguém duvida disso. E os do Executivo, mesmo os do Presidente da República, devem estar na moldura do Direito. Estamos de acordo!. No entanto, deve-se ressaltar, o cargo de Diretor-Geral da Polícia Federal, observados os requisitos legais, é de livre nomeação e exoneração do Presidente da República (cargo em comissão), no qual, normalmente, há aproximação pessoal e profissional entre a autoridade superior e o servidor nomeado.

Esse detalhe, num certo sentido, norteia os critérios da razoabilidade e proporcionalidade, bem como o princípio da impessoalidade dos atos administrativos; sobretudo, quando a nomeação é ato exclusivo do Presidente da República, autoridade máxima do Executivo, com incumbências e decisões políticas de alto coturno.

Especificamente quanto à impessoalidade, ou imparcialidade, dos atos da Administração, sua interpretação e  aplicação não coincidem, necessariamente, aos atos dos magistrados, porque, enquanto estes não fazem parte da relação processual, e atuam fora do interesse das partes; a Administração Pública, integra a relação jurídica com a contraparte, embora possa decidir contra ou a favor desta. Então, a valoração jurídica dessas situações não podem ser idênticas; as exigências, por assim dizer, de ordem axiológica, são diversas.

A determinação de instauração de inquérito policial, pelo Supremo Tribunal Federal, a pedido da Procuradoria-Geral da República, para apurar o 'atrito público' entre o ex-Ministro Sérgio Moro e o Presidente da República, Jair Bolsonaro, teve finalidade de investigar as declarações de ambos, ao que se sabe, e não somente as do Presidente da República.

De todo modo, a existência de inquérito policial não pode reduzir a eficácia da presunção de inocência, princípio geral de Direito, notadamente do Presidente da República, eleito democraticamente.  O próprio STF tem prestigiado a presunção da inocência; basta citar a negativa da prisão criminal, por decisão da segunda instância (tribunais); e os concursos públicos para provimento de cargos, em que os candidatos com inquéritos policiais e processos criminais em andamento podem participar.

A interpretação de declarações de partes, ou de terceiros, mensagens alvissareiras realizadas no calor dos acontecimentos, no entremeio de contendas, na ambiência de disputas, devem sofrer a devida contenção, pois, conforme se sabe, os arroubos da política levam a discussões instigantes, ligadas aos anseios do poder ou às desavenças partidárias.

Tanto o cargo de Presidente da República quanto o de Ministro de Estado são de natureza política; por estarem envoltas em instabilidades, sobretudo no Brasil, demandam desprendimentos dos seus agentes, quer na relação entre os diversos atores, quer com os segmentos sociais.

Logo, as falas, declarações, mensagens e quejandos dos ocupantes de certos cargos públicos, devem ser  compreendidos numa ambiência maior, conforme as circunstâncias do caso, e à medida da confiança da relação entre as partes.

Na política, falar nem sempre significa fazer; pois, há um jogo de interesses subjacente, embora lícito, mas entremostra a relação entre os diversos agentes. Isso tem particular importância, porque nem sempre uma prescrição, uma fala, uma mensagem, propriamente, é verdadeira; pode ser ato dissimulado, para obtenção de resultado, conquanto lícito, estratégia para a busca do poder.

Assim, a verificação dos fatos na ordem política é difícil de ser manejada e compreendida por pessoas que estão fora do contexto em que as diversas manifestações foram proferidas. Essa solução não é dada pela ordem jurídica!

A questão fica mais difícil, quando se depara com a natureza da ação judicial utilizada para combater o decreto: mandado de segurança. Essa espécie de ação não permite dilações probatórias, porque está limitada às provas documentais. Não há provas testemunhais, inexistem provas periciais etc.

Ao que parece, o Supremo Tribunal Federal entende haver legitimidade do partido político para impetrar ação de mandado de segurança coletivo, visando proteger inclusive interesses públicos, desvinculados dos interesses partidários. Essa foi a decisão do Ministro, com a qual concordamos, em parte, porque entendemos necessária a demonstração de o objeto da ação judicial ser correlata às finalidades partidárias do impetrante, em que pese a dicção do artigo 21, da Lei 12.016 (Mandado de Segurança), que circunscreve o mandado de segurança coletivo, por partido político, aos interesses legítimos relativos a seus integrantes, ou à finalidade partidária.

No entanto, nos termos do artigo 2º, da Lei 8.437/92, a liminar [no mandado de segurança coletivo] só poderia ter sido concedida, após a audiência do representante judicial da pessoa jurídica de direito público [União].  Isso não ocorreu, infelizmente! Essas autoridades não foram ouvidas, antes da concessão da liminar. Logo, se acaso for demonstrado prejuízo à autoridade impetrada, a decisão poderá ser anulada, pois esse dispositivo (regra) é corolário do contraditório e ampla defesa, garantidos na Constituição.

Embora difícil a demonstração do desvio de finalidade de ato administrativo, o que leva à consideração de que bastam indícios sérios e convergentes para a nulidade do ato, em mandado de segurança, com reforço, exige-se o requisito do direito líquido e certo. Isto é, numa apertada síntese, deve haver provas documentais para a demonstração efetiva, contundente, dos fatos, em face do direito violado; situação de fato incontroversa, provada documentalmente!! No desvio de finalidade, a existência de documentos idôneos [à época da propositura da ação], convergentes para a prática ilícita do ato.

Essas provas documentais, a rigor, devem estar juntadas na petição inicial. No caso da instauração de inquérito policial, certamente, as provas posteriormente ali produzidas não servirão para a ação de mandado de segurança; a ação mandamental tem procedimento específico, escorreito, pois deve ser fundada em elementos de provas existentes no momento da propositura da ação, ainda que estejam em poder de outras autoridades, caso em que devem ser requisitadas pelo juiz.

As eventuais provas do citado inquérito policial, aliás, peça meramente informativa, não podem ser juntadas em momento inoportuno, por dois motivos: não integram a petição inicial da ação mandamental, e serão produzidas após a propositura desta.

O magistrado julga a ação de mandado de segurança, ao considerar as provas documentais, no momento da decisão, por certo, mas somente aquelas provas existentes no mundo jurídico, à época da propositura da ação mandamental podem ser consideradas; ou aquelas não juntadas por dificuldades do impetrante, mas existentes à época da impetração.  Pois, o artigo 5º, LXIX, da Constituição Federal, é claro: o mandado de segurança protege direito líquido e certo. Por isso, não há dilações probatórias; compreende petição inicial, com documentos, e informações da autoridade coatora; e ponto!

Assim, ainda que se considerem presentes os requisitos para a concessão da liminar (art.7º, III, da Lei 12.016), dificilmente haverá elementos para a procedência da ação de mandado de segurança, ante a exigência do requisito direito líquido e certo, ao que parece, inexistente na espécie. Pois, a ação de mandado de segurança, embora detenha natureza de ação cível, não comporta dilações probatórias; não se pode aguardar o encerramento das investigações criminais, para solucioná-la!

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*Heraldo Garcia Vitta é advogado e professor de Direito. Mestre e Doutor em Direito Administrativo (PUC-SP). Autor do livro Mandado de Segurança, 3ªed., Saraiva, 2010. Ex-Promotor de Justiça e juiz Federal aposentado.

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