Ferramentas de trabalho remoto em tempos de covid-19: Como achar o equilíbrio entre controle de produtividade no home office e proteção de dados pessoais?
Em um contexto que sacramenta ainda mais a noção de uma data driven society, é natural concluirmos que ferramentas tecnológicas podem - e devem! - ser utilizadas como forma de viabilizar toda essa readequação comportamental.
terça-feira, 5 de maio de 2020
Atualizado às 09:41
Antes não já havia como negar, mas hoje não restam dúvidas: a pandemia que a humanidade enfrenta parece ter catalisado o fenômeno da hiperconectividade, exigindo, além de muito jogo de cintura, uma verdadeira reestruturação de dinâmicas sociais, econômicas, mercadológicas, políticas, relacionais e - vale dizer - até sanitárias.
Para se ter uma ideia, a Microsoft divulgou, no começo de março, uma nota1 informando que, desde 31 de janeiro - período de ápice do covid-19 em nações asiáticas -, foi registrado um aumento de 500%, na China, no uso da ferramenta Microsoft Teams para reuniões, chamadas e conferências.
Dessa forma, em um contexto que sacramenta ainda mais a noção de uma data driven society (ou seja, um mundo no qual a maioria das atividades e modelos de negócio é movida, operada ou controlada através de dados), é natural concluirmos que ferramentas tecnológicas podem - e devem! - ser utilizadas como forma de viabilizar toda essa readequação comportamental.
Se, por um lado, a implementação em larga escala do home office - ou teletrabalho, como a legislação brasileira convencionou chamar - revela-se uma importante medida de combate ao coronavírus, por outro impõe às empresas um recente desafio: como compatibilizar mecanismos de monitoramento remoto e controle de produtividade com a proteção dos dados pessoais de colaboradores? Qual a medida apta a equilibrar a esfera privada do lar do indivíduo com suas responsabilidades enquanto funcionário e, consequentemente, com os interesses do empregador?
Independentemente da vigência ou não de uma legislação específica de proteção de dados pessoais - assunto cuja abordagem, tamanha a sua polêmica, deixo para um outro momento -, muito dessa discussão ganha contornos com o que se entende por boas práticas de mercado. Assim, já que a régua fica a cargo de uma boa dose de bom senso, proponho, nas próximas linhas, trazer alguns pontos que julgo relevantes nesse cálculo. Vamos a eles?
Segurança da informação, conscientização e mitigação de riscos:
Em um contexto no qual o ambiente de trabalho e o espaço mais íntimo do cidadão - sua casa - se sobrepõem, de cara surge o desafio de se manter um padrão mínimo de segurança e preservação das informações relevantes à empresa, mesmo porque o afastamento físico, o uso de dispositivos do próprio colaborador e a ausência de uma estrutura robusta de controles de acesso são fatores que aumentam a vulnerabilidade e a exposição a eventuais incidentes envolvendo dados pessoais.
As soluções tecnológicas no quesito segurança da informação são muitas: VPN, firewalls, autenticação em dois fatores, criptografia, rastreio de dispositivos. Contudo, de pouco adianta investir em tecnologia de ponta sem olhar também para o componente humano, promovendo, em paralelo, medidas de conscientização para evitar que os protocolos e padrões técnicos, os mecanismos corporativos de mitigação de riscos e mesmo a estrutura de governança em privacidade e proteção de dados fiquem somente no papel.
Dessa forma, que tal aproveitar o tempo economizado com deslocamentos e reuniões-que-poderiam-ter-sido-e-mails para investir em treinamentos e ações de aculturamento, otimizando a aderência ao tema e fazendo com que os funcionários se sintam engajados e motivados a incorporar boas práticas mesmo de suas casas?
Ferramentas de controle de produtividade: um "mal" necessário?
Superadas as considerações iniciais sobre padrões técnicos e de segurança da informação no home office, sobre os quais, inclusive, discutia-se muito antes do corona - destaco, aqui, um estudo realizado pela Cisco2 que lá em 2008 já revelava que o trabalho remoto demanda maior diligência em relação à segurança -, julgo importante engrossarmos o caldo trazendo algumas polêmicas que se relacionam com a peculiaridade do teletrabalho em tempos de quarentena.
O fato é que estamos vivendo um momento de instabilidade e readaptação enquanto seres sociais como um todo, centrifugados num misto de dramas e incertezas que vão muito além dos contextos empregatícios. Num momento em que tudo parece meio confuso, cresce a necessidade de serem criadas novas noções de pertencimento e vínculo.
Para que a produtividade dos colaboradores e o engajamento entre equipes não caiam drasticamente em meio a tantas turbulências, muitas empresas têm recorrido às mais variadas ferramentas para controle específico da performance de seus colaboradores, que vão desde registro de tempo de atividade dos dispositivos a capturas aleatórias da webcam para conferência da estação de trabalho remoto. No quadro abaixo, trago alguns prós e contras da implementação, em geral, de mecanismos de controle de rendimento no trabalho remoto:
PRÓS |
CONTRAS |
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Uma vez que o framework de um ordenamento jurídico é desenhado de forma a assegurar que direitos diversos, quando em aparente colisão, sejam cuidadosamente balanceados para proteger tanto os indivíduos - e sua expectativa de privacidade - quanto a livre iniciativa e o desenvolvimento econômico, é importante debater sobre quais práticas estariam dentro desse ponto de equilíbrio. A lógica, aqui, não foge muito do que já se deve ter em mente quando da atuação no ambiente offline, com a particularidade de que sejam observados nesse novo formato relacional, em termos de balizas práticas, os seguintes eixos:
1. Necessidade: identificar o que motiva a implementação de políticas de monitoramento e controle de produtividade
Antes de qualquer coisa, é importante definir de forma muito clara e objetiva quais as finalidades perseguidas com a atividade de monitoramento. O meu objetivo, enquanto empresa, é redimensionamento de equipe? Ajuste nos critérios de faturamento de contratos? Ou implementação de um sistema de metas com base em entregas, resultado e/ou performance? Somente tendo clareza quanto à finalidade a ser atingida se pode começar a pensar em quais ferramentas e soluções tecnológicas efetivamente guardarão pertinência no caso concreto. Não é uma boa prática, portanto, a contratação inadvertida do software mais cheio de recursos disponível no mercado sem um estudo minucioso apto a demonstrar que aquela atividade/ferramenta é realmente necessária ao atingimento das finalidades pretendidas.
Exemplo concreto: realizar capturas de tela e até registros de imagem via webcam em dispositivos utilizados pelos colaboradores, quando o objetivo é apenas ter visibilidade do número de projetos em andamento, além de oneroso, aumenta consideravelmente os riscos de incidentes envolvendo dados pessoais e, como consequência direta, as chances de se incorrer em eventuais penalidades.
2. Legitimidade: verificar a existência de respaldo legal para tal atividade
Um segundo critério a ser considerado nessa conta passa pela verificação da legitimidade para a realização das atividades almejadas. Disso decorre não somente uma análise quanto a possíveis impedimentos do ponto de vista legal e regulatório, mas também requer, dentro do apetite de risco considerado pela empresa, um nível de discernimento, ainda que carregado de subjetividade, quanto ao aspecto moral que a implementação de determinada prática de monitoramento representa dentro do contexto de mercado em que a companhia está inserida.
3. Proporcionalidade: usar e abusar do bom senso nunca é demais
Qualquer atividade de monitoramento, ainda que esteja dentro das expectativas do colaborador, tem que ser proporcional ao endereçamento da questão vislumbrada pelo empregador. Assim, faz total sentido estabelecer como prática níveis de rastreamento distintos de acordo com as particularidades de cada equipe/trabalho realizado, granularizando as ferramentas de monitoramento para que estas façam sentido e não sejam encaradas como injustificadamente intrusivas.
Explico: Se um funcionário atua em uma plataforma de atendimento ao consumidor que funciona das 10:00 às 18:00, de segunda à sexta-feira, talvez seja importante e até proporcional que seu gestor compreenda o motivo pelo qual o tempo de resposta aos clientes duplicou desde que se iniciou o teletrabalho, fazendo sentido mapear informações como o fato de o pico de uso daquela máquina estar acontecendo na madrugada dos sábados. Por outro lado, não parece razoável ter controle sobre o movimento do mouse e do teclado de membros de uma equipe de consultoria jurídica que realiza pesquisas e leituras para realizar entregas com deadlines pré-fixados.
Outro fator relevante no eixo da proporcionalidade é definir quem, dentro da companhia, vai ter acesso às informações de supervisão e controle coletadas, restringindo ao máximo esse acesso como forma de mitigar potenciais dados.
4. Transparência: informar, treinar, conscientizar
Qualquer que seja a ferramenta utilizada, é fundamental que seja dada transparência, aos funcionários, dos mecanismos que estão sendo implementados. Nesse sentido, é bastante recomendável que sejam elaborados e circulados materiais informativos voltados para a dinâmica de home office, garantindo que as políticas institucionais desenhadas para esse contexto estão sendo implementadas de forma transparente, clara e facilmente acessível.
Como recado final, destaco a importância do estabelecimento de uma relação de confiança entre empregado-empregador, ainda mais em um momento global que tanto nos cobra empatia e solidariedade. Soluções tecnológicas e sistêmicas, por mais inovadoras que sejam, ganham efetividade quando se entende a importância de três palavrinhas mágicas: treinamento, treinamento e treinamento. Assim, transparência, conscientização e equilíbrio entre as expectativas de funcionário e empregador são essenciais para atravessarmos este momento de forma harmônica.
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1 Clique aqui - "Since January 31, we've seen a 500 percent increase in Teams meetings, calling, and conferences there, and a 200 percent increase in Teams usage on mobile devices."
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*Maria Beatriz Saboya é graduada em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Advogada da área de Direito Digital e Proteção de Dados da Daniel Advogados.